* JÚLIA DA COSTA (Brasil)






























                     


                                       
   

  
                                                                                 Poesia –Júlia da Costa
         Organização Zahidé Lupinacci Muzart, Curitiba; Imprensa Oficial do Paraná, 2001, 414 páginas; grafia da época.

         Nota do EM:  Todos os dados, informações e poemas (abaixo) foram tirados do livro acima.  








                                                










Nascida em 1844 em Paranaguá (PR), passou a residir definitivamente em São Francisco do Sul (SC) após a morte do pai. É considerada uma das primeiras brasileiras a publicar livros. Escreveu “Flores Dispersas”, que o crítico Sílvio Romero acredita ser  a primeira obra literária firmada por paranaenses (1868). Embora considerada o primeiro raio de poesia a surgir no Paraná, é também incluída entre os escritores catarinenses.

Segundo aqueles que se debruçaram sobre a sua obra, é uma poetisa de “personalidade interessante: forte, decidida, às vezes audaciosa, antes de mais nada, porém, uma mulher que se antecipou à sua época e que, por isso, muito sofreu.”

A vida monótona e sem horizontes, o meio acanhado e as injunções familiares num tempo cheio de preconceitos fez seu espírito ansioso de liberdade evadir-se no sonho, na poesia, nas cartas...

Pianista e poetisa de versos amorosos e melancolicamente solitários desde muito jovem, neles brilha a chama da desesperança — as perdas em sua vida, a perda do  homem amado e sobretudo a da confiança nesse homem.

Casada por conveniência e imposição familiar em 1871 com um homem rico, 30 anos mais velho do que ela, leva para o casamento a desilusão de um afeto não concretizado pelo poeta catarinense Benjamim Carvalho de Oliveira (Benjamin Carvoliva). Todo esse namoro foi pontilhado de poemas e de cartas quase diárias, nas quais Júlia da Costa anima o poeta, o qual, como bom romântico, “dizia padecer de melancolias e tristezas sem fim pelo desprezo do mundo...”

“Um poeta é nada para o homem sem prestígios, para a jovem sem cultura, para esse povo rude que encara tudo pelo lado do interesse, e que só tem em si uma ideia: Ouro! Enriquecer para deslumbrar o mundo com suas riquezas. Para estes o poeta é nada, mas para aquele que encara a vida pelo lado espiritual, para aqueles o poeta é tudo.

O horizonte da nossa vida é vastíssimo. Não precisamos de riquezas da terra, nem dos incensos de um mundo que desprezamos”. 

Nas linhas de Júlia da Costa, a generosidade e a paixão da escritora; da parte do poeta Benjamin Carvoliva, muitas hesitações e dúvidas. E é ele quem foge de um compromisso mais sério (exigido pela mãe da poetisa), indo-se de São Francisco. O rapaz estaria destinado para o sacerdócio e esse seria o grande impedimento para o casamento. 

Passados quatro anos de um infeliz casamento, Júlia da Costa vê voltar o poeta, reiniciando-se assim a apaixonada correspondência diária, as cartas sendo colocadas em esconderijos diversos, tais como o oco de uma velha árvore. Esposa de um Comendador, é Júlia da Costa que, com audácia e coragem, sugere ao poeta a fuga e a vida em comum. Mais uma vez o poeta foge...

“O segredo de minha vida, só tu o sabes. Tu foste o noivo escolhido por minh’alma; não posso morrer sem que realize o sonho embriagador que me afaga o coração.

Se me fores fiel, juro-te em nome deste sol, que nos alumia, em nome de Deus, que nos ouve, que serei tua um dia, custe o que custar.
Conheço que te amo; não com esse amor ávido de saciedade  onde o cálculo é tudo, mas com um amor imenso, imenso como o infinito. Nunca amei senão agora, acredita.”

Até a fatal proposta:

“Se Deus demorar a realização do nosso sonho, estão pisarei em todos os preconceitos da sociedade e serei tua embora no centro das florestas, longe do mundo, longe de tudo que possa lançar-me em rosto o excesso da minha paixão”.

Respondeu-lhe o silêncio profundo do poeta catarinense... Novamente optara pela fuga. Seus poemas se tornaram cada vez mais desesperançados, cada vez mais melancólicos:

“Outrora, outrora eu amava a vida / Meiga, florida na estação das flores! / amava o mundo e trajava as galas / Dos matutinos, virginais amores! / Embalde, embalde, no ruído insano / Das doidas festas eu procuro a vida! / Meu corpo verga... meu alento foge... Sou como a rosa do tufão batida!” 

Mais um lamento de Júlia:

“Guardar-te toda a virgindade, calcar aos pés o amor que me ofertavam, gastar as mais belas noites da minha mocidade a chorar por ti, e um dia saber que tu, o homem por quem eu vivia e soluçava, saber que tu amavas à outra mulher”.

Júlia da Costa passou a escrever febrilmente, publicando incansavelmente em jornais e revistas, ou participando ativamente nas campanhas políticas e festas promovidas pelo Comendador, chefe do Partido Conservador, que recebia políticos e notáveis para banquetes, saraus e bailes no casarão. Levava uma vida febricitante, sempre elegante, um sorriso nos lábios, aparentemente feliz, não fosse a tristeza dos seus grandes olhos. Passou a ser uma  lenda na pequena cidade que se orgulhava de sua poetisa...
Tinha os cabelos pintados de negro numa época em que somente o faziam artistas e meretrizes; pintava o rosto, usava muitas jóias...

Depois da morte do Comendador, sua solidão aumentou, fechou-se em casa, acreditando-se perseguida pelos seus concidadãos, vendo o riso e o escárnio em cada um que a olhasse. Nessa velhice solitária, Júlia da Costa enlouquece, fecha-se no casarão por oito anos, dele saindo para o cemitério. 





                                        








Sobre a poesia de Júlia da Costa, diz Antônio Cândido que “saudade, ternura, natureza e desejo” são modulados numa frauta singela, revelando muito da musicalidade e do ritmo contidos nos versos de Casimiro de Abreu. Tal qual aquele poeta, ela desdenha o verso branco e o soneto.

Um outro ponto de contacto entre os dois poetas está no uso que fazem, ambos, da teoria burguesa do amor romântico, segundo a qual os aspectos mais carnais só se podem manifestar com muita delicadeza, com muitos subentendidos. Para Antônio Cândido, “uma aparente mediocridade afetiva [...] apenas recobre o veio rico de uma sensualidade ávida por manifestar-se."


(In Antônio Cândido, Formação da literatura brasileira. Momentos decisivos 5. Ed. Belo Horizonte:Itatiaia; São Paulo: EDUSP, 1975, p. 194 e 198) 




                                           









A
MINHA QUERIDA MÃE
Júlia da Costa


        Foi sobre um solo tristonho, e acarinhado por um céu nebuloso e sombrio, que ousei espargir algumas rosas sobre este livro de meus sonhos virgens.
     
        No meio das expansões mais suaves de meu coração, eu, afagando as cambiantes visões que me sorriam, ainda no lago das infantis reminiscências, lembrei-me de compor um livro, onde reverberasse por entre os nevoeiros de uma saudade perenal, o meu estro acanhado, que sorriu-me na primavera dos anos, semelhante a uma dessas visões da madrugada, sem cor e sem aroma, cercada de melancólicos vapores.

        Surgindo dos vulcões da poesia, as singelas inspirações que esbocei aqui com as mais grosseiras tintas, julguei ser mais que crueldade de minha parte sepultá-las no lugar em que as mais deleitáveis ficções de minha imaginação dormem tranqüilas o sono do olvido.

         Sou a primeira a reconhecer que é este um diamante bruto, o que não pode sem ser lapidado brilhar com todo o esplendor anelado por fecundas inteligências. Ouso, porém, esperar que serão desculpadas e mais que relevadas estas toscas rimas, filhas de uma imaginação mesquinha de moça, que vão-se ocultar trêmulas e medrosas nas roçagantes asas da benigna indulgência dos leitores.

     Não pode uma flor que cresce entre estufas, sem sol, sem orvalho, estender seus ramos e perfumar os campos, com os gratos perfumes das flores da primavera.

        Assim é o meu estro.

       Começando a preludiar alguns inarticulados sons, deve pedir à magnanimidade dos leitores, que, roubando alguns momentos preciosos a seus recreios, os empreguem na insípida leitura das dispersas flores de uma obscura jovem sem engenho e sem cultura.




Vinte e Dois de Agosto
Júlia da Costa

                    Acolhe, minha mãe, as toscas rimas
                        Envolta do respeito e amor nos véus.


Surge, surge, ó dia amado!
Com teu lúcido clarão
Vem recordar à minh’alma
A mais celeste afeição!

Abre-me o seio que guarda
Tantos encantos e amor!
Quero sentir bela a vida
Em teu poético albor.

Do oriente a linda estrela
Mais brilho tem neste dia!
E das ondas o lamento
Tem mais doçura e poesia!

Pois foi nele... neste dia
Que nasceu, quem neste mundo,
Tão insano e tão mendace,
Me consagra amor profundo.

Aquela que no meu berço
Formosa se debruçou!
E n’um dia que eu chorava
— Filha! Filha! — me chamou!

Aquela que ensinou-me
A venerar o meu Deus!
E à Virgem Santa que vela
Por meu futuro — nos céus!

Aquela, sim! Que ainda hoje
Me consagra santo amor
— Minha Mãe! Anjo de Deus!
Que me adora com fervor!

Estrela do céu, formosa,
Que nesta vida me guias,
Recebe um canto singelo,
Repassado de harmonias.

Recebe da filha meiga
Onde transluz tua imagem,
No dia em que fazes anos,
Uma sincera homenagem!

Não tenho nada p’ra dar-te!...
Nem sequer rosada flor!
Só tenho n’alma a poesia,
Só tenho no peito a dor!

Mas minha vida, meu estro,
A ti pertencem somente!
Neste dia majestoso
Que decanto docemente!



O que é a Vida?
Júlia da Costa


         Como do raio o lampejar luzente
          Desenha formas n’amplidão do céu,
          Assim da vida a empalecida chama
          Formas desenha n’um mentido véu!


A vida, a vida, o que é ela?
— Devesa curta e espinhosa,
Estéril por natureza,
Sem luz, sem ar, sem verdura!
Estrada de peregrinos
Que de cansaço adormecem
No leito da desventura!

Tanta vaidade e luxúria,
Tanta malícia na terra,
Só de vapores formada!
— Ao sopro do Eterno Deus
Tudo s’esvai n’um momento!
Como do mar um lamento
Buscando abrigo nos céus!

A vida, a vida,  que é ela,
Incauto e pobre mortal?
Apenas átomo frágil
Da fina areia do chão?
A vida, a vida, que é ela?
— Pálida sombra de um dia
Levada pelo tufão!

Tanta impiedade no mundo
Por base tendo a vaidade!
Tanta maldade envolvida
Nos mantos da singeleza!
Tanta ambição, tanta lida!
E um dia vem sepultar-nos
Da lousa na morbideza!

A vida, a vida, o que é ela?
— Devesa curta e espinhosa,
Estéril por natureza,
Sem luz, sem ar, sem verdura!
Estrada de peregrinos
Que de fadiga adormecem
No leito da desventura!

Despe, mortal, teu orgulho,
E encara a vida, qual é;
Que como a flor que definha
Do vendaval ao bramido
Assim tombado ao sepulcro
Hás de te finar também!
Sem ter no peito um gemido,
Que possa remir-te à Fé!



Tristeza
Júlia da Costa

Pálida lua
Nos céus flutua,
Frouxas estrelas
Luzem no ar!
Tudo é silêncio!
Dorme a natura!
Propícias horas
São p’ra cismar!

Na rama verde
Soluça a rola,
Pelo consorte
Idolatrado:
E o cedro altivo
A fronte dobra,
Pelos tufões
Desarraigado!

Propícias horas,
Meigas, douradas,
Ternas e doces
São p’ra sonhar!
Mas eu não quero
Sonhos mentidos!
Quero somente
Mesta cismar! 

Nas densas trevas
Da vida minha,
Na aurora triste
Do meu futuro,
Cismar eu quero
Sozinha e muda,
Qual flor das águas
No mar escuro!

Pálida lua
Nos céus flutua!
Frouxas estrelas
Luzem no ar!
Tudo é silêncio!
Dorme a natura!
Propícias horas
São p’ra cismar!

Ah, vem tristeza;
Meu anjo amado,
De luz divina,
De ameno odor!
Vem em meus braços
Dormir tranqüila,
Teu leve sono
De casto amor!

Vem, em meu seio
De virgem pura
Roçar tua fronte
Com doce enleio!
Oh! vem tristeza,
Meu anjo lindo!
Pousar-me n’alma
Sem um receio!

Sou inocente;
não tenhas medo —
Que o teu segredo
Busque saber:
Da noite as trevas
Tem mil mistérios!
Tem mil segredos
No seu gemer!

Porém minh’alma
É um livro em branco,
Sem um arcano
Ter no palor!
Sombrio ermo,
Na crença virgem
Só tem perfume,
Casto verdor!



A um Beija-flor
Júlia da Costa

Beija-flor, meigo, engraçado,
Perfumado,
Como um sonho de ventura,
Vem das folhas de meus cantos
Doces, santos,
Deleitar-me na frescura!

Não te temo a inconstância,
Que a fragrância
De meus hinos tem condão!
Beija-flor, ai, vem ligeiro,
Feiticeiro,
Ler meus versos com paixão!

Tu tão vário e inconstante,
Um só instante,
Vem olhar o pranto meu!
Que pungente e entristecido
Qual gemido
Vai turbar o sono teu!

Por que foges, por que voas,
E revoas
Junto a mim com emoção?
Tu a ave predileta,
Tão dileta,
Das florinhas do verão?

Beija-flor, ai, que suspiro
No teu giro
Tu desprendes vaporoso?
Ai que nuvem pensativa,
Fugitiva,
Turba teu Éden formoso?

Beija-flor, ai, que tristeza
Na lindeza
Do teu brilho se mistura?
Por que foges, por que voas,
E revoas
Da floresta na espessura?

Que mistério, que segredo,
Vem tão cedo
Envolver-se em teu folgar?
Tu a imagem das inconstância
Que com ânsia
Te perdias a adejar?

Beija-flor, ai, que mudança
Na folgança
Dos teus vôos d’alvorada?
Que véu lindo e estremecido
Umedecido
Traz tu’asa acobertada?

Qu’é do teu prazer d’outr’ora
Quando a aurora
Seus arcanos desvendava?
Que é do teu voar ligeiro
Prazenteiro
Quando o céu se iluminava?

Por que pairas no deserto,
Triste e incerto,
Como a imagem da saudade!
Por que deixas teus brinquedos,
Teus folguedos,
Só buscando a soledade?

Beija-flor, meigo, engraçado,
Perfumado,
Como um sonho de ventura;
Vem das folhas de meus cantos
Doces, santos,
Deleitar-te na frescura!



Medo e Pena
Júlia da Costa

Tenho medo do raio da alvorada
Que na fronte me pousa alegremente,
Tenho medo da sombra do crepúsculo
Que nas cismas me lança tristemente.
                  Tenho pena dos dias azulados
Na manhã de meus anos olorosa! 
Quando as sombras da noite sonolentas
                   Se espreguiçam na selva pavorosa!


Tenho medo da vida e mocidade
Que me pulsa a ferver no coração!
Tenho pena do tempo que se escoa,
Tenho medo, meu Deus, da solidão!
Da nitente alvorada tenho pena!
O vôo seu quisera equilibrar!
Tenho pena das aves que modulam
                Na palmeira deserta o seu trinar!


Tenho pena de tudo! até dos sonhos
Que vêm lentos pousar em meu cismar!
Dos prestígios dourados de criança,
Da luz baça e tristonha do luar!
Tenho medo de tudo que é presente!
Tenho pena de tudo que é passado!
— O presente é uma flor cheia d’espinhos,
O passado  —  um perfume evaporado!


Tenho pena da brisa matutina
Que no seio dos mares estremece;
Tenho pena da luz enamorada
Que no centro dos bosques desaparece!
Tenho medo da morte, e tenho pena
                 Desta nuvem doirada que me alenta,
                 Da gentil mocidade que me cinge,
                 E que em berço de musgo me acalenta!

Tenho medo que a flor de minha vida
Vá tombada na lousa emurchecer!
Tenho medo da voz das tempestades!
Tenho medo, meu Deus, do escurecer!
Tenho medo de tudo que é presente!
               Tenho pena de tudo que é passado!
— O presente é uma flor cheia de espinhos,
               O passado, um perfume evaporado!



A um Jasmim
Júlia da Costa

Branco jasmim, és tão lindo
Entre aromas a sorrir,
Qual doce estrela formosa
Do céu no prado a fulgir!

Tão lindo que me fascinas
A mim, a isenta, e vaidosa!
Tão belo que m’eletrizas
Com tua folha odorosa!

Tu és, poético e meigo
Como um trovar namorado!
Ou prelúdios alta noite
D’um cantor apaixonado!

Tu és romântico e puro
Como um amor inocente
Dos anjos castos do Empíreo
Medroso e não veemente!

Tu és ó brando jasmim,
A flor do meu cogitar!
Nascida, amada e afagada
Nas tardes do meu sonhar!

Flor dos anjos, descorada
Inebriada de amor!
Vem pousar sobre meu seio,
Virgem inda em seu ardor!

Vem, jasmim alvinitente,
Quero alentar teu viver!
Deixa as outras flores meigas
Vem meus tristes versos ver!

Apaga as lâmpadas puras
Do teu folgar na campina!
E deixa somente a estrela
Que te sorri, matutina!

Deixa as auras, brandas liras
Que te inebriam de amor!
Que eu tenho cantos p’ra dar-te
Sublimes, só de candor!



À Nuvem
Júlia da Costa

Clara nuvem que corres no espaço
Entre um tíbio, mentido esplendor,
Onde vais desvairada e sem norte
Já perdendo o nativo candor?
Qual a ave fugida do ninho,
Qual um beijo ligeiro de amor?

P’ra que climas longínquos te volves
Com tão diva e gentil formosura?
Sobre as asas da brisa levada,
Tão serena, tão lépida e pura?
Inconstante, volúvel, sem pena
De deixar de teu céu a lisura!?

Ai! Não corras sem tento na esfera,
Não desprezes teu leito dourado!
Não te atires louquinha nos ares
A seguir esse bafo encantado,
Que de brisa fingindo a doçura
Pode em euro tornar-se enraivado!

Ai! Não queiras subir mais distante,
Que bem alta, bem longe, já estás!
Renegando teu berço, qu’é a terra,
Sobre o berço do céu brincarás!
Mas querendo escolher outro leito
Tênue fumo decerto serás!

Tu celeste não és, és terrena,
E portanto não queiras subir!
Vê que quanto mais alto se sobe
Mais se deve temer o cair!
Deixa a louca vaidade, não ouses
Condição mais brilhante exigir!

Não te ufanes co’as lúcidas cores
Que te empresta d’aurora o albor!
Ai não julgues que és d’ouro formada,
Que sem raios do sol és vapor:
E tu vales fulgindo no espaço
Quanto vale na terra uma flor!

Ai! Não corras sem tento no espaço!
Não te prenda d’arage’ a fragrância!
Vê que ela é inconstante e traidora
Com os seus companheiros d’infância!
Não desprezes teu leito macio,
Não te atires nos ares com ânsia!



A Órfã
Júlia da Costa

        Pobre órfã, por que gemes
         Da noite na escuridade?
         Se ninguém entender pode
         O teu grito d’orfandade!? 


Ai! triste de quem é órfã!
De pranto amargo e gelado
O berço regado tem!
Qual branco lírio orvalhado
Ao pé de um ermo sombrio
De abrolhos duros cercado.

Ai! triste de quem é órfã!
De quem não tem proteção!
Pisada flor sem espinhos,
Mirrada rosa em botão!
Chorando triste os seus males
Na verde negra soidão!

Pávida noite sem luzes,
Sumida estrela de alvor;
Formosa e casta açucena
De frouxo e baço palor,
Tal é imagem da órfã
Sem achar um protetor!

Implume e fraca avezinha
Do pátrio ninho banida,
Soluça triste na terra
Qual vibração que perdida
Vagueia de serra à serra
De todo o mundo esquecida!...

Compulsa a órfã sua lira
E eleva a voz docemente!
Sorriem — deuses do Olimpo,
Sorri a terra dormente!
Porém que é triste seu canto
Chorosa rola o presente!

E todos dizem — É pena
Tão linda trova de amor
Em alaúde tão pobre,
Que lhe arrefece o ardor!
Queremos ouro e não rosas
Embora tenham odor!

E a órfã chorosa e triste
Embora casta e mimosa
Sem pai, sem berço, sem sorte,
Qual hera branda e viçosa,
Sem ter apoio emurchece
D’amor em balsa odorosa!

Ai! triste de quem é órfã!
De quem não tem proteção!
Pisada flor sem espinhos,
Mirrada rosa em botão!
Chorando triste seus males
Em verde negra soidão!



Devaneios
Júlia da Costa

Nas sombras da noite, coruja agoureira
Seu pio sinistro gemendo soltou;
E a lâmpada tíbia que além rutilava
O vento zunindo de todo apagou!

O anjo formoso das doces saudades
As plumas doiradas tremendo bateu;
E a ninfa mimosa de casto silêncio
Ao fundo do lago, sorrindo desceu!

Lá dorme no vale por entre os aromas
Que expandem as rosas, donzela gentil!
Os raios dos astros lhe beijam as faces
Onde viceja rubor infantil!

Ao colo dos anjos revoam trementes
Os castos anelos da pura donzela
Que dorme agitada, mas cujo sorriso
Adorna-lhe o rosto que amor só revela!

Fulguram no espaço duas lindas estrelas
Transuntos fiéis d’um amor eternal!
São anjos que velam ao lado da virgem
Que dorme entre risos nas sombras do val.

E a noite caminha! A aurora apressada
Não tarda seu sólio no céu a tomar!
E a vigem levada nas asas de um sonho
Sequer um instante se viu despertar!

A aragem suave já sopra da serra,
Descanta a avezinha sidéreos amores!
E à jovem insonte sonhando e sorrindo
Seu anjo coroa de louros e flores!

E passam, caminham, as horas velozes...
É tarde, bem tarde p’r’o livre pastor...
E a virgem dormindo parece risonha
Que a vida é um sonho — talvez — ilusor!

As duas estrelas perderam o brilho...
Fugiram das fímbrias douradas do céu!
Quem pôs a esperança no brilho dos astros
Desperta chorando... descrendo — se creu!

Assim a donzela desperta chorando,
Que as lindas estrelas não vê fulgurar!
A aurora espancou-as do céu! Entre as névoas
Fez ambas sorrindo deixar de brilhar!

Palpando sua fronte, buscando as estrelas
Que o sono lh’encheram de tanta ternura,
Só acha de rosa broto perfumado
Que lembra a su’alma mentida ventura!

Em prantos no leito, desfolha-o sem pena...
Seu anjo da guarda chamando chorosa!
Porém lhe respondem só prantos doridos
Da rola do bosque que geme queixosa!

E a linda roseira que deu-lhe perfumes
As folhas estende n’um berço de relva!
E o sonho de virgem oculta nas pétalas,
Oculta nas rosas que pendem na selva!



Sinhá
Júlia da Costa

         Por entre as tênues vibrações chorosas
           D’esta minh’alma confrangida e triste          
          Repete o estro meu teu nome caro
          Que fundo no coração gravado existe.


Quando a lua entre rendas se debruça
Sobre o céu d’um azul místico e lindo
E se mira à corrente
Quando a ave da noite apavonada
Entre os cantos sentidos da natura
Pipita tristemente;

Quando a aragem da noite, que, adejando
Diz às flores segredos, um suspiro
Vai no espaço soltar;
E um arfar perfumado, um doce hino,
Vem donoso roçar-me pelas faces,
Das vagas no quebrar;

Eu te vejo, — visão da madrugada
Que entre sonhos sorri-me docemente —
Eu te vejo, sinhá!
Assim, qual divo arcanjo em véus envolto
Fragrantes florzinhas espargindo
Que na terra não há!

Então meu estro despertando treme...
Qual florinha ao roçar tímido e doce
Da brisa serenada!
Esquece o mundo — a existência — e só teu nome
Vem saudoso pousar sobre minh’alma
Tristonha e amargurada!

Minh’alma é o mesto alcíon que em brando lago
Busca alívio ao sofrer, trégua ao martírio,
De penoso existir!
E é tua imagem meiga quem sorri-me
Retratando o passado! — e na minh’alma
Saudades  —  a exprimir!

Como aljôfar celeste que tremula
D’uma flor sobre as folhas de veludo,
À luz da madrugada,
Assim teu nome vem filtrar no peito
Um sentir que inebria... uma saudade
De gozos retocada!



Por que gemes?
Júlia da Costa

          Não mais chores o tempo passado
           Que a tormenta da vida levou! 


Oh! meu anjo! meu hino primeiro
Que douraste meu sonho infantil,
Por que choras de longe meu fado
Sobre as vagas tingidas de anil?

Oh! arcanjo inocente, que amaste
Minha aurora feliz ao nascer,
Por que pendes a fronte orvalhada
Pelos prantos de acerbo sofrer?

Quando a noite tristonha seu manto
Desenrola na vasta amplidão,
Por que choras, desmaias, soluças,
Como o eco da triste soidão?

O bramido do mar que esmorece,
E o gemido da folha que cai,
Por que choram contigo meus dias
Quando a luz matutina se esvai?

Por que corres de mim pressuroso
E nas ondas te vais mergulhar?
Como a luz duvidosa de um astro
Que vai lento no mar se ocultar?

O bramido do mar que esmorece,
E o gemido da folha que cai,
Por que choram contigo meus dias
Quando a luz matutina se esvai?

Emudece! que a lira da infância
Já quebrada, não tem harmonia!
Os meus sonhos de moça despontam...
Não te envolvas na sua alegria!

Emudece! que a nuvem ligeira
Que em criança, sorriu-te, passou!
—Baça estrela pousada entre flores
Em lugar dessa nuvem ficou!

Não lamentes a luz funerária
Que iluminava meu fado no mundo!
Que te importa meu pranto sentido?
Que te importa meu sono profundo?

Não enlutes com vagos lamentos
Os castelos que formo no ar!
A criança d’outrora sumiu-se,
Meiga virgem tomou seu lugar!

Da donzela o fanal luminoso 
O teu nome gentil ofuscou!
Não mais chores o tempo passado
Que a tormenta da vida levou!



Escuta
Júlia da Costa

                    Ai! triste de quem não tem
                        No seu exílio escabroso
                        Ninguém! Ninguém!


Nunca ouviste as notas várias
Solitárias
Que solta mágica flauta
Quando a lua empalecida
Enternecida
Sobre as águas se retrata?

Nunca viste a flor do prado
Rorejado
Pelo orvalho da manhã,
Desmaiar ao sol lascivo,
Áureo, vivo,
Que vai beijá-la louçã?

Pois como o som afligido,
Ressentido
Que solta a flauta no ar,
Assim é o meu lamento,
Solto ao vento,
N’uma noite de luar!

E como a flor perfumada
Desbotada,
Que esmorece ao sol d’abril,
Assim é esta minh’alma!
Que sem calma
Sofre dores mais de mil!

Pobre romeira sem guia
Noite e dia,
Sempre, sempre a caminhar!
Olho o porvir tão distante!
Tão distante
Que duvido de o alcançar!

Fito o viver... pesaroso!
Nebuloso!
É procela em alto mar!
Olho as águas vejo horrores!
E só dores
Vêm meu seio agitar!

À sombra a sós dos palmares
Nestes lares
Onde vivo entristecida,
Sou como a rola coitada,
Desprezada,
Longe dos seus sem guarida!

A débil erva na margem...
Minha imagem!
Deste mundo sobre o mar!
Fito as ondas... tenho medo!
Vendo-as cedo
Nascer, crescer, rebentar!

Triste da órfã, coitada!
Desgarrada
Folha d’um cedro senhor...
Canto d’um livro doirado
Escapado
Entre mágoas, ais, e dor...

Triste da órfã inocente!
Que tremente
Na folha pálida e fria
Do seu funéreo passado,
Amargurado,
Só vê a melancolia! 

Flor desbotada e singela
Da capela
De um ataúde arrancada!
Onde abrigar-se estrangeira,
Se na beira
D’estranho lago é jogada?

Se no reflexo de prata
Que recata
A superfície do lago,
Hórrido véu de tristeza,
De tristeza,
Não lhe dá um riso, afago?

Ai! não sabem o que é a vida
Umedecida
Pelos prantos da saudade!
E por cantos arrancados
Modulados
No alaúde da orfandade!

Não sabem, não! que a primeira
Lisonjeira
Flor que brota o coração,
Se a vestem galas na infância
Tem fragrância
Qual flor longe da soidão!

Porém se crepes, coitada,
Na alvorada
Tem do infantil viver,
Pende a fronte sobre a fria
Melancolia!
Fá-la saudade morrer!



Amandina
Júlia da Costa

          Desprende teus voos, criança celeste,
            Procura os anjinhos irmãos de tu’alma!
            As asas estende, eleva-te aos ares!
           Traduz das estrelas a plácida calma!


Gentil Amandina, formosa criança,
Imagem insonte de brandos amores
No leito inocente, gentil, em que dorme
Um gênio invisível te c’roa de flres!
Na mágica harpa d’um Nume divino
Cantando teu berço de fúlgidas dores!

Celeste florzinha, colhida nos prados
Dos verdes elísios, bem vinda tu sejas!
Gentil Amandina, das auras banhada,
Que em vastas esferas de luzes adejas,
Desprende teus voos, mais alto te eleva!
Que são os teus climas os céus que desejas!



Ada
Júlia da Costa

Pálido lírio de gentil devesa
Que meigo aroma na campina exalas,
Por que sereno de inocência cheio
De mim tão longe teu viver embalas?

Ada! Criança inocentinha e pura,
Anjinho loiro que adorei com ânsia,
Por que não vens me modular teus cantos
Da primavera na sutil fragrância?

Brilhante gênio, que a luzir nasceste
Sobre uma esfera de nitente cor,
Por que não vens me dar encanto à vida
Com teu sorriso de eternal candor?

Anjo da aurora, luminoso e belo,
Que me acenaste no infantil verdor,
Por que fugiste do oriente amado
Onde dos anos te sorria a flor?

Por que fugiste da solidão dos campos,
Tu, flor mimosa, por amor banhada,
Para viver entre fulgentes festas
Onde tem a malvadez morada?

Na Guanabara não serás ditosa!
Vale mais esta solidão querida!
— Aqui o afeto d’um amor perene,
Lá d’amizade voz talvez mentida!

Deixa esses hinos que por lá te prendem,
Ai, vem, não pares! Me sorrir fagueira!
Solta os anéis de teus cabelos d’ouro
E vem nos bosques ressurgir ligeira!

Vem! Que os arbusto deste prado extenso
Serão viçosos ao te ver voltar!
Serás a ninfa desta várzea linda,
Serás quem venha minha dor sanar?

Ai vem! Não pares, me sorrir fagueira!
Meu perfumado, meu virente lírio!
Que tua amiga devotada e triste
Quer abraçar-te n’um febril delírio!



Sinhazinha
Júlia da Costa

        (Imitação)

Te recorda de mim, quando a rola
Pipilando gemer na soidão?
Quando a vaga quebrar-se nas praias
Ai! recorda a mais pura afeição!

Te recorda de mim quando a noite
O seu manto de dor desdobrar!
Quando a lua brilhar no horizonte
Ai! relembra meu triste penar!

Te recorda de mim, quando um canto
Mais plangente fugir n’amplidão!
Quando um’harpa vibrar melodias!
Ai! recorda a mais pura afeição!

Te recorda de mim quando as aves
À tardinha cruzarem no ar!
Quando os goivos das tumbas penderem
Ai! relembra meu triste penar!

Te recorda de mim quando as folhas
Secas, murchas, caírem no chão!
Quando a brisa gemer no retiro
Ai! recorda a mais pura afeição!

Te recorda de mim! não me olvides!
Quando a lua nos céus fulgurar!
Que minh’alma a tu’alma ligada
Há de a lua também contemplar!



Melancolia
Júlia da Costa


     I

Nunca ouviste, alta noite, um som dorido
Como um eco infiel de teu pensar,
Ir saudosos chorar sobre teu seio,
E murmurar-te cantos de pesar?

Nunca ouviste, no albor, o doce arrulho
Da rolinha que chora amargurada,
Qual lira dedilhada
Em florido sertão? ou harpa eólia
Pelo tufão tocada?

Nos arroubos celestes de tu’alma
Nunca ouviste um acorde esvaecido,
Pelas verdes palmeiras ciciando
Perpassar merencório e entristecido?

Pois como o som dorido, e o vago arrulho
Da pombinha que chora seu destino,
Desvairada, sem tino; —
É meu triste pensar pensando o berço
Em que dormiu menino!


   II

E o céu é lindo! E a primavera vejo
Sorrir-me tão viçosa e amenizada!
Qual nuvem qu’é levada
No arrebol da manhã fulgente e belo,
De risos enfeitada!

E a natura trajando as brancas vestes
Do modesto noivado; — em mês d’abril
Como a flor a sorrir-se entre perfumes; —
Os seus braços me estende, tão gentil!

E o mundo remanseia brandamente,
Qual ondinha ligeira vaporosa
Em seu berço de rosa!
Áureo, belo, gentil! Seduz, fascina!
Imagem caprichosa!

Mas eu tristonha sou, bem como a estrela
Que sozinha cintila n’alvorada!
A saudade tornou minh’alma um lírio
Que descora de dor na madrugada!



Em que Cismas? 
Júlia da Costa

Em que cismas, criança? Por que curvas
Tua fronte gentil a suspirar?
Por que tremes anjinho vaporoso
Se a lua os olhos teus vão contemplar?
Por que teu peito assim tanto estremece?
Por que também teu rosto empalidece?
Por que teu canto, ó bela, s’estrintece
Do crepúsculo da tarde ao desmaiar?

Em que cismas, meu anjo? que tristeza
Prematura e cruel te roça o seio?
Por que teu riso como flor que murcha
Do albor da madrugada ao vago enleio?
Por que choras, criança? Quem da fronte
Foi maldoso turvar teu sonho insonte?
Por que é teu hino plangente como a fonte
Que murmureja n’um febril anseio?

Deslumbrante visão, luz da alvorada,
Toda cheia de aromas e esperanças,
Ergue das cismas tu fronte bela;
Folga n’um oceano de bonanças!
Trilha leda os caminhos luminosos
Do mais doce existir! Sonhos formosos
Entre prismas, celestes, venturosos,
Segredem-te canções puras e mansas!

Sorrindo às flores que tuas plantas juncam
Trilha rindo o caminho do viver!
Eleva, alma inocente, aos céus teus votos,
Que terás no viver almo prazer!
Do mundo foge? — que não há verdade
N’esse capôs de mentira e crueldade!
— E o tempo que há da vida à eternidade
A um anjo, qual tu és, breve há de ser!



Sonho
Júlia da Costa

                 Ó pálida visão, onde te asilas
                    Que só vens entre névoas me acenar!
                    Por que foges de mim, quando desperto
                   Tua fronte buscando inda oscular?


Que noite linda de verão!  — a lua
No orbe argênteo a fulgurar sorria!
E a araponga no sertão piava,
E o sino a ecoar se ouvia!

Na extensa listra da oriental safira
Ígnea estrela a transluzir brincava!
E o pardo mocho se esgueirava incerto
Para o cipreste que o luar dourava.

Quando eu a vi... bem como à vez primeira,
N’um banco verde recostada e triste!
Seus olhos tinham do horizonte as cores,
Se é que nele tal beleza existe!

Oh! vi-a, sim! — como fagueira imagem,
Visão d’um dia, a divinal criança!
Que me chamou ao despertar do dia
De irmã, no berço da suave esp’rança.

Sua trança loira, qual cendal doirado
Brincava ao vento n’um celeste enleio!
Ali no banco — de gentis verduras
Oh! como a aragem lhe beijava o seio!

Quis ir beijá-la... mas parei inerte
A um som choroso que p’ra mim soou!
Tremi de medo ao perpassar da brisa
Que meu semblante no gemer beijou!

A noite... a sombra... este silêncio, tudo!
Em coro horrível m’enfebrece a mente!
Fitando as árvores, vi a sombra erguida
Me procurando com sorrir plangente!

Senti, meu Deus, s’enregelar o sangue!
Caí na relva sem alento e vida!
— Ai que desperta — s’entinguira o sonho!
— Tão doce imagem para mim perdida!

Co’a face nívea rorejada ainda
Do orvalho doce que o sonhar me deu,
Eu despertei-me procurando em ânsia
Tão doce imagem no fulgir do céu!

Como ao proscrito na arenosa margem
No lar pensando a triste fronte cai,
Assim minh’alma do prazer banida
Soltou fitando aquela image’um ai.

E no transporte que me veio à alma
Julgando aquela — a sua irmã querida,
N’um doce enlevo me abracei á névoa
Que caprichosa perpassou sem vida.

Que linda noite de verão! A lua
No orbe argênteo a fulgurar sorria!
Quando eu a vi, a minha irmã   querida,
Qual nuvem d’ouro ao desmaiar do dia!



Acordes Poéticos
Júlia da Costa

Não tenho segredos! é pura minh’alma!
Qual cândida aurora rasgando o seu véu!
Velando ou dormindo, chorando ou sorrindo,
Só amo — meus campos — meu solo — meu céu!

Cresci sobre um ermo tristonho e sombrio
Soltei nas campinas meu primo cantar!
Saudei nas montanhas o sol que nascia,
Brinquei entre moitas ao claro luar!

Sou jovem, sou meiga! sorri-me  o futuro
Nas fímbrias doiradas de auroras de paz!
A flor das campinas só ama o infinito
Do céu das venturas... não quer nada mais!

As flores dos prados não causam-me inveja,
Que hei flores mimosas no meu coração!
Lauréis e grandezas, eu não, não aspiro!
Não quero ter gozo tão falso, tão vão!

Não tenho segredos! é pura minh’alma!
Qual cândida aurora rasgando o seu véu!
Velando ou dormindo, tristonha ou alegre,
Só amo — meus campos  — meu solo — meu céu!



Melodias
Júlia da Costa

Quando o cendal desdobra a noite amena
E alfôjares desprende;
Quando o mar adormece o branco lírio
Na verde rama pende;

Quando a rola nos bosques seus queixumes
Exala entristecida,
Minh’alma ainda vigem sorve a tragos
Em doce taça a vida!

Então revoando o estro meu no mundo
Em um sonho de anelos,
Eu sinto-o renascer, cantar alegre
Os seus dias tão belos!

Depois corre o Universo... foge, voa...
E assim divagar
Roça apenas nas flores que o osculam,
No rápido girar!

Mas ao ver-te no céu mística estrela
De luzir vacilante,
Pára... treme... e tua luz o endoidecendo
Afaga-te constante!

..........................................

E o que lhe dizes, farol baço da noite
Nessa luz frouxa e tíbia que derramas,
Pelas sarças florentes, que se inclinam 
Do zéfiro ao passar?

Que divinal arcano ou que segredo
Em teu fulgor de melindroso enlevo,
Tão saudoso e tão tímido, repetes
Da tarde ao declinar?

Sempre tu, ambulante e pensativo
No meu Éden de amor tão florescente!
Sempre tu! sempre o mesmo enlevo triste
No teu vago brilhar!

Nos meus cantos e risos sempre um eco
Mais tristonho e vibrante! sempre um canto
Insondável p’ra mim! e sempre doce
Dás-me tu nova vida em novo pranto!

A linda aurora surge e frisa terna
Do oceano a argentina e linda face!
E tu surges p’ra mim tão merencória
No horizonte a brilhar?

Por que vens sempre assim entristecida?
Se meu pranto e meu riso te aborrecem,
Enxugarei do rosto o orvalho doce,
Deixarei de sorrir!

Se a causa, ó lua, de seu triste brilho
É meu riso ou meu pranto; de meus lábios
Limparei o retoque da saudade,
E sorrirei por ti!

Que és tu quem acalenta minha musa!
Elétrica faísca tua a queima!
Fazes minh’alma a delirar em sonhos
Fantasias formar!

Mas com esse palor que te circunda,
Com esse teu sorriso enregelado,
Sobre o éter, de flocos
revestida,
Tu me fazes morrer!...

Deixarei de sorrir, de verter pranto!
Serei mármor sem vida e sentimento!
Mas não quero te ver assim tão triste,
Ó lua, a fulgurar!

E quando o vento da noite soprar forte,
E quando o céu estrelado tenha encantos,
Vem, toma teu sólio — pranto ou riso
Não hás de em mim achar!

Mas tu hás de me dar risos sem gelo!
Hás de me dar fulgindo uma esperança!
E na celeste arcada um hino doce
Escreverás de amor!

Quero assim contemplar-te alegre e meiga,
De galas revestida!
Minh’alma, encontrará, assim te vendo,
Mais doce o mel da vida!



Recorda!
Júlia da Costa

Quando as brisas da noite suspirosas
Pelos límpidos ares se espalharem,
Quando as águas dos lagos sonolentas
Entre brandos seixinhos repousarem;

Quando o céu for azul, bem como os sonhos
Que em teu seio se aninham vaporosos,
Quando as nuvens trementes do crepúsculo
Lindos astros rasgarem luminosos;

Recorda tu meu nome! — eco perdido!
Ao surgir venturoso da alvorada!
Semi-aberta florinha do deserto
Pelo vento da vida balouçada!

E na barca boiante que perpassa
Como o cisne amoroso sobre as águas,
Uma idéia veloz como o suspiro
Te recorde a gemer as minhas mágoas!...
...........................................

Da robusta floresta brotam flores,
Do arrebol cambiante surgem risos,
Mas de meu coração só brotam dores,
Só tem sombras minh’alma e não sorrisos!

O viver é sonhar! Lembras-te, virgem,
Desse prima doirado que sorria
Por entre as névoas de tristonhas tardes
À minh’alma que terna esmorecia?

Lembras-te, amiga? Que fulgentes dias!
A esperança e a crença entrelaçadas,
Nos sorriam da vida as primaveras
Por anjinhos celestes embaladas?

Mas fugiu de minh’alma a doce esp’rança
Ao clarão tedioso da descrença!
E a primavera de prestígios rica
Envolveu-se na dor... perdida a crença!...

Hoje tudo passou! como os lampejos
Que cortando os espaços se esvaecem!
Nossos seios que amor acalentaram
Sentem saudades, que n’ausência crescem!

Desprendendo seus voos olorosos
Ao roçar da bafagem perfumada,
Nossa vida tranqüila de criança
Era bela no berço acalentada!

Porém tudo passou! Nos ledos prados,
Nos laranjais em flor só há tristeza!
Há saudade cruel, que me recorda
Tua doce amizade e gentileza!

Pergunta ao astro da noite o desalento
Que me derrama n’alma a soledade!
E recorda meu nome entre os acordes
Dos cantos divinais da mocidade!

E vem dar vida à flor triste do ermo
Pendida em Primavera graciosa!
Vem dar vida a quem geme com tristeza,
Sem um raio de luz na mata umbrosa!

E do sonho da infância a folha rasga...
Essa folha querida que beijei!
Rasga a folha infantil, pura donzela!
Rasga os versos d’outr’ora que te dei!

A juntude surge! É luz estranha
Tua fronte a colorir, anjo divino!
E não devo manchar tua esperança
Com meu canto tristonho, peregrino!

Rasga meu canto, rasga! mas meu nome
Nunca olvides, donzela, em teu sonhar!
Quando da noite o hálito cheiroso
Afagar as palmeiras do luar!

Ai! recordar, meu nome, anjo adorado!
Ao despontar das lindas madrugadas,
Quando tudo viver entre sorrisos,
Recorda minhas vozes magoadas!




                                     









As Minhas Flores
Júlia da Costa

Sombra de um dia, que sorris à mente
N’um turbilhão de gozos embebida,
Não é a ti que os inocentes carmes
Vão buscar entre a turba fementida.

Passa, pois, sossegada, que o caminho
Se para ti de gozos é ornado,
Minha lira jamais t’irá insana
Buscar nesse teu mundo povoado...

Porém, vós, lindos astros de beleza,
Que entre cismas dormis n’um céu de flores,
Ouvi o canto meu nascido d’alma
Repassado de mágoas e amargores.

A vós, a vós, somente me dirijo —
O coração em luto, em ais, em dor!
Embora veja além círios de crença
N’oriente falando-me de amor.

Nobres peitos que um dia já sentistes
A pungir-vos o espinho da orfandade,
Relei estes meus versos ressentidos,
Estes versos gerados na saudade.

E n’eles soletrai os meus suspiros,
E por eles pesai a minha dor;
Vós, que tendes n’alma igual tristeza,
Vós, p’ra quem  a vida é amargor.

E no asilo sagrado da indulgência,
Na fibra mais sutil do coração,
Guardai da Jovem flores dispersadas
Pelo sopro cruel do fado vão.

Flores d’um’alma quase sem afetos
Que se banha a gemer no desalento;
Flores que as ânsias da tristeza amarga
Fizeram desbrochar no sentimento.

E as recebei, dando-lhes vida e cores!
Luz matinal e doces alvoradas!
Da Jovem órfã que soluça e chora
Não desprezeis as vozes magoadas.



Ilusões
Júlia da Costa

Em vão te chamo nos murmúrios vagos
Da doce brisa que fugindo vai;
A voz se perde na procela horrível
Que sobre os mares à noitinha cai.

Em vão te chamo! só responde o eco...
Em vão almejo contemplar a ti;
Medonha nuvem de mistérios cheia
Te induz, ai! sempre a te ausentar de mi’!

Aéreo sonho, mentirosa sombra
D’um sol no ocaso que a gemer tombou,
Em vão te busco nas mescladas nuvens
D’um céu querido que o luar banhou!

Nos rudes templos d’um passado estranho
À luz d’um círio pela dor erguido,
Lampejam inda as ilusões ditosas
D’um tempo estranho que lá vai sumido! 

Assim, ó sombra, na minh’alma vives
Sem cor, nem luz, a divagar perdida...
Em vão te chamo! minha voz se perde
Por este espaço que chamamos vida!

Em vão te chamo! já me falta o alento!
Em vão procuro assemelhar teu canto!
És como a ave que a trinar na rama
Fugindo inspira ressentido pranto.

— És como a ave que na sombra solta
Os seus prelúdios de saudade infinda,
E que fugindo quando a luz se mostra
Os seus cantares sonorosos finda.



Ao Trovador
Júlia da Costa

Quando murmura em silêncio
A onda na praia nua,
Por que, ó bardo, tristonho
Lamentas a sina tua?

Quem te disse que a florinha
Cheia de viço e de amor
Cismando no ameno vale
Não sorria ao trovador? 

              — Vibra tua lira sonora
              Harmonioso cantor,
              Que é doce, bem doce ouvir
              Teus cantos, ó trovador!

Deixa as cismas temerárias
Em que te enlaças tristonho;
Não mates os brancos lírios
Do teu presente risonho.

Deixa infundados receios,
Lê teu livro de harmonia;
A Deus pertencem destinos,
Aos anjos a melodia.

             — Vibra tua lira sonora
             Harmonioso cantor,
             Que é doce, bem doce ouvir
             Teus cantos, ó trovador!

Não fites assim tão triste
O teu poema de amor,
Que está bem longe a descrença
Do teu viver sedutor.

Não cismes mais no silêncio
Da noite calada e fria,
Que teu porvir jubiloso
Desponta na poesia.

            — Vibra tua lira sonora
            Harmonioso cantor,
            Que é doce, bem doce ouvir
            Teus cantos, ó trovador.

Da juventude ufanosa
Se abrem as áureas portas
E as esperanças não podem
Por terra cair já mortas.

Deixa infundados receios,
Lê teu livro de harmonia;
A Deus pertencem destinos,
Aos anjos a melodia.

           — Vibra tua lira sonora
           Harmonioso cantor,
           Que é doce, bem doce ouvir
           Teus cantos, ó trovador.

A violeta descora
Se a brisa passa por ela;
Desmaia se a beija um raio
Da lua meiga e singela.

Porém, ouvindo teus carmes
Exulta no prado ameno,
Pois é a nota que vibras
Sidéreo, queixoso treno.
                    
          — Vibra tua lira sonora
          Harmonioso cantor,
          Que é doce, bem doce ouvir
          Teus cantos, ó trovador.



Quisera
Júlia da Costa

Na cálida brisa que sopra ao sol nado,
No astro que vela da noite ao gemido,
Saber o mistério que encerras no seio,
Quisera, e guardá-lo no estro sentido.

Ao som do alaúde que trina medroso
Ao tênue suspiro d’um férvido beijo,
Saber o sigilo que dorme-te n’alma,
Quisera, nas asas de vago desejo.

Nas plumas mimosas da lúcida aurora
Orlada de ouro na esfera anilada,
Cantar o teu sonho de ternos enlevos,
Quisera, nas cordas da lira adorada!

Quisera essas cismas que tristes s’espraiam,
Que em ondas de incensos s’elevam aos céus,
Nas horas tardias da noite serena
Sonhá-las envoltas em úmidos véus. 

Quisera... loucura! minh’alma delira!
Meus seios se embebem em vagos receios!
A imagem que vejo nos sonhos errantes
Das nuvens se oculta nos brandos anseios.

Tão santa, tão meiga, tão mística e linda
Outr’ora nos folhos do céu a sonhei!
Brincando chamei-a!... nas névoas do sonho
Chorando por ela, meu Deus, acordei!

É pura essa imagem! qual luz de inocência
Que um gênio brilhante no céu acendeu!
Qual ósculo santo suspenso nos ares,
Por lábios de arcanjo mandado do céu.

É linda! tão linda, qual c’roa mimosa
Que a fronte morena de um anjo abrilhanta!
Qual pérola rica do sólio sagrado
Caída nas dobras do véu d’uma santa!



Meu Astro
Júlia da Costa

Em noites formosas tremendo nos ares,
Qual raio sidéreo nos seios de Deus,
Eu vejo-te, ó astro, luzindo faceiro
Qual sonho encantado, qual anojo dos Céus!

Que guardas de triste no brilho saudoso,
Que mudo derramas, sorrindo-me assim?
Se as nuvens se afastam buscando outros climas
Por que tu vacilas do céu no cetim?

Por que tu vacilas se as nuvens se afastam
Buscando outros lares num louco adejar!?
Nas vastas esferas, em noites calmosas,
Que astro te iguala no doce brilhar?

Oh! gira meu astro, derrama teu brilho
Nas águas sentidas do plácido mar!
Minh'alma esmorece de dor e receio;
Não posso nas trevas sem luz caminhar.

Oh! brilha, meu astro, nos mares perdido
Bordeja ao acaso ,eu triste batel;
Sem norte, sem rumo, cercado de escolhos,
Nas águas nadando de cálido fel!

Se a névoa se estende, se o vento da noite
Nas ondas soluça, minh'alma estremece!
Se a noite tem trevas, se as trevas saudade
Meu peito saudoso de dor se intumesce!

Não fujas, meu astro, se a noite tem sombras
Se as sombras mistérios  — não tremas assim!
As trevas se rompem, segredos se rasgam
Do céu reaparece mais puro o cetim.

Não fujas, meu astro! derrama teus raios
Na doce caligem do meu coração!
Ai! quero senti-los bem dentro do peito,
Rendendo-te graças da minha soidão.

Não fujas, meu astro, que eu quero teus raios
Ainda nas lousas um dia fruir!
Na tumba singela que triste guardar-me
Teus lumes tão doces eu quero sentir.

Na tumba mesquinha, c'o brilho que lanças,
Prometes meu rosto de luz inundar!
Nos lábios cerrados mil beijos saudosos
Prometes, prometes, tristonho gravar?

O espaço que é negro cortando n'um vôo
N'um dia de glória te irei procurar;
Oh! guarda-me os lírios dos prados celestes,
Que as rosas da vida te hei de eu levar.

Contigo, que és anjo de plácido lume,
Perdido nas vastas esferas de luz,
Contigo do mundo bem longe, bem longe,
Boiando irei rindo das nuvens à flux!

De um pólo a outro pólo de manso correndo
Teu lume bendito sorrindo amarei:
Do mundo maldito, bem longe, bem longe,
Trajada de virgem no céu entrarei.

Oh! brilha meu astro! que assim eu te amo
Saudoso fulgindo com mudo brilhar!
Teu lume entornando na coma cheirosa
Do verde jambeiro, do manso palmar!...

..............................................


Hinos
Júlia da Costa

Pálida sombra! no brilhar dos astros
Busco-te a face pela dor velada!
Os astros fogem, não me dão seus lumes;
Minh’alma chora de tristez banhada.

As brancas nuvens pensativa sigo,
Mas não te vejo no fulgir do céu!
No anil dos prados te procuro ainda,
E só te encontro no pensar que é meu.

A fronte pendo... interrogando os mares,
E vejo neles um clarão tristonho!
— mais me aproximo, se o clarão se estende
Torna-se n’alma meu pensar risonho.

Pousaste o berço no azular das ondas,
Deixaste a pátria de cerúleas cores!
Nos mares vives desmaiada e triste
Toda cheirosa como são as flores!

Por que tu foges pesarosa e fria,
Por que soluças se me vês contente?!
Pálida sombra, por que choras tanto,
Enchendo o oceano de teu pranto ardente?

Por que teu berço de frisadas rendas
De mim afastas, se te busco ver?
Por que te envolves nesse véu de espuma
Gélido e triste que me faz sofrer?

..........................................................

Tarde da noite, quando a lua é clara
As vagas sulcas a correr gentil!
Corres ligeira no batel de bruma
Deixando um rastro no formoso anil!

Pálida sombra! nas serenas noites
Amo teu pranto que me faz chorar;
Amo teu brilho mortuário e triste
Pálido sonho, que me faz cismar.

Lágrimas vertes, mas minh’alma terna
Acolhe-as todas no gemer saudoso;
Guardando-as frias no calor dos seios,
Lembrando-as sempre no cismar queixoso.

Tarde, bem tarde, contemplando as ondas
Tristeza imensa me aniquila o seio!
Busco-te em ânsia... porém tu fugindo
N’alma me filtras um sutil receio.

Pálida sombra! ao entreabrir das rosas
Minh’alma deu-te perfumadas flores!
Esquiva sempre as espalhaste todas
N’um chão descrido de imaturas dores!

Hoje, meus hinos de donzela dou-te,
Mórbidas, tristes, que só dizem prantos!
E só te peço que nas noites belas
Me dês sorrindo maviosos cantos!

Quando a neblina enregelada e fria
Tênue espalhar-se na amplidão do ar
Dá-me teus cantos, fugitiva sombra,
Tarde, bem tarde, na extensão do mar!

Tudo é silêncio, só minh’alma vela!
Vela sozinha de saudade cheia!
O mar se enrola... desfalece a lua,
Penumbra escura o Universo enleia.

Cânticos dá-me no tremer das ondas
Que se espreguiçam a dormir formosas!
Dá-me teus sonhos, encantada sombra,
Nas noites lindas de verão mimosas.

Dá-me teus prantos, no calor dos seios
Hei de guardá-los pelas noites frias!
Hei de guardá-los como guardam anjos
O pranto virgem dos virgíneos dias.



Folhas de Rosa
Júlia da Costa

Vi-te em meus sonhos cismadora imagem
Entre roupagens de rosada cor!
Dias de flores ideei na mente
Em ti pensando, solitária flor!
Cresci, minh’alma se tornou tristonha...
Porém, ainda com teu rosto sonha!

Vinhas tu sempre reclinar-te a medo
Sobre meu leito de donzela crente!
Eras a imagem que ao pulsar do seio
Sentia sempre me afagar contente!
Eras tristonha, cismadora e bela,
De minha vida, e de meu ser estrela!

Nunca um só riso te visei nos lábios,
Tristonha sempre conheci-te em sonhos!
Via-te frouxa ao descair da tarde
Fitando a medo os matagais tristonhos!
Envolta ainda na gentil roupagem
Com que te vira, cismadora imagem!

Desperta... tudo se extinguia triste,
Só via a lua a fulgurar formosa!
Corria os montes, dispersava as aves,
Feria os ecos da mansão saudosa!
Mas não te via... me faltava o alento
Perdido em prantos e no meu lamento.

Um dia, louca, te julguei na nuvem
Que à tarde vinha me falar de amor!
Julguei que envolta nas roupagens d’ela
Tu me ocultavas teu gentil fulgor;
Amei a nuvem... delirei por ela,
Em ti pensando, de meu ser estrela!

Amei a nuvem... nos meus sonhos belos
Não mais te vi a me acenar contente!
Em lindas tardes te julguei formosa,
Junto à minh’alma a me afagar ridente!
Na bela nuvem mentirosa e fria
A minha estrela divinal vivia!

Depois o manto que cobrira a esfera
Rasgou-se ao meio no azul dos céus!
Busquei-te embalde no lugar da nuvem
Que em branca espuma desdobrava os véus;
Mentira tudo! fabulosa cisma! 
A minha estrela era doirado prisma!

Ai que soluços no tristonho canto
Da lira minha desferi então!
Busquei-te em ânsia soluçando hinos,
Vibrando cantos de infantil paixão!
Buscava um’alma que entendesse a minha!
E busco-a ainda, e o coração definha.

Buscava um’alma que entendesse a minha
Na terra, ou céus, na imensiade ou nada!
Buscava flores de infantis perfumes
E achava espinhos na escabrosa estrada!
Buscava arpejos de celeste enleio,
E só ouvia o coração no seio.

Deus! que tristezas não carpi sozinha
Ao ver o éter de luzeiros cheio
Mirar-se ufano no azul sereno
Do mar, que arfava com celeste anseio!
E as ondas mansas se enrolando a medo;
E eu sozinha neste mundo tredo!

Ai quantas vezes o arvoredo, a mata,
Eu contemplava com tristonho olhar!
Arbusto, dize, quando o dia surge
Por que te miras n’amplidão do mar?
Por que não vives como eu sozinha
Sem ter um’alma que compreenda a minha?

Silêncio tudo! O arvoredo à tarde
Beijava o lago... suspirava o vento!
No rio a lua se espelhava bela;
Só era eterno meu febril lamento!
Só a minh’alma concentrada, em pranto,
Nada visava que lhe desse encanto!

Silêncio tudo! Pipilava a rola.
Arfava a brisa no palmar virente!
As águas quedas n’um remanso leve 
Um canto erguiam ao viver contente:
Porém da lua a palidez tão bela
Minh’alma em prantos suspirava — estrela!

Silêncio tudo! Nevoeiro denso
Se desdobrava no infinito espaço!
A terra, os montes, a lagoa, a v'eiga,
Viviam como n’um fraterno abraço!
Só eu a vida de ilusões despida
Não tinha um’alma para dar guarida.

Cansada um dia adormeci chorando
No vale ameno de gentis verdores!
Dormi... dormi acalentada em sonhos
Como os da infância, de celestes cores!
Dormi, minh’alma até então tristonha
Nova alegria, novos risos sonha.

Desperto e vejo-te, encantada imagem,
Visão querida, solitária flor!
Bela e serena como a luz da aurora
Envolta em gazes de rosada cor!
Vejo-te linda, cismadora e bela
De minha vida, de meu ser estrela...

E vejo-te, inda, quer na luz que morre
Por entre as serras d’uma cor escura!
Quer nos serenos matinais alvores,
Quer, como a estrela, n’um céu de negrura!
E minha mente que era tão tristonha
Hoje, de novo, com teu rosto sonha!

Porém... é um sonho que talvez se esvaia;
E o que há na vida que perene seja?
Porém... enquanto em minha fronte sinto
Esse sonho gentil, — a mim bafeja
Uma ventura tão suave e meiga
Que sente ao ver o sol o prado, a veiga.



Lírio Branco
Júlia da Costa

Flor da vida que adormeces
Ao bafejo da alvorada,
Como és bela entre as mais flores,
Quando raia a madrugada!

Lírio gentil, flor querida,
Cofre d’etéreos odores,
És a flor enamorada
Que sonhei em meus amores.

Amo o cálix que sustenta
Tuas folhas cetinosas;
Amo a brisa que te beija
Pelas noites perfumosas.

Amo o orvalho matutino
Que te banha o pé mimoso;
Amo o vento que soluça
Em teu seio melindroso.

Amo as tardes cismadoras
Que te fazem suspirar!
Amo os ecos da saudade
Que te fazem delirar.

Amo as noites solitárias
Que te envolvem nos mistérios ,
Quando as sombras se destacam
Nos sombrios cemitérios.

Amo a tua cor mimosa
Que tão lânguida seduz,
Quando raia a madrugada
Derramando ondas de luz.

Amo a terra onde nasceste
Com teus sonhos de harmonia,
Amo as rosas purpurinas
Que te inspiram poesia.

Flor da vida que adormeces
Ao bafejo da alvorada,
Como és bela entre as mais flores
Quando raia a madrugada!



Sabiá
Júlia da Costa

Ave sonora que na veiga extensa
Trinas endechas de sentido amor,
Que de vertigens não me entornas n’alma
Asilo onde se abrigou a dor.

Teu canto é doce, como é doce a vida
Serena e bela no sorrir das flores;
Mas não modules tão sentido canto
Que o prado ameno nos promete amores.

Amo teu canto como a virgem ama
O áureo sonho d’um porvir gentil;
Sinto minh’alma taciturna e triste
Acompanhar-te no trinar febril.

Tremem as fibras do meu seio virgem,
Quando teu hino n’amplidão se espraia;
E sobre a fronte pensativa e triste
Uma saudade languemente paira.

Ouvindo esse hino me falece o alento...
Não sei que sinto que me enleia... e choro!
Fujo dos campos... os ouvidos cerro
Mas ouço sempre teu cantar sonoro.

Ave divina, que na veiga extensa
Trinas endechas de sentido amor,
Que de vertigens não me entornas n’alma,
Asilo onde se abrigou a dor.



A Lua
Júlia da Costa

Entre nuvens de incenso e perfumes
Surge a lua no céu orgulhosa;
Qual donzela vestida de branco
Se mirando nos mares vaidosa.

Com seu manto garboso de seda
De mimosos brilhantes cravado
Lá se inclina, se volve faceira,
Para as ondas do mar anilado.

E nas matas soluça a rolinha
As saudades de negra paião;
Mas além esvoaça a coruja
Nos ciprestes da lua ao clarão.

E a roxa violeta descora;
A bonina da noite recende;
E o lírio de orvalho banhado
O seu cálix virente já pende.

E a lua formosa divaga
Do infinito no espaço d’anil,
Esquivando-se às vezes aos mimos
Que lhe faço na lira infantil.

Tudo é brando silêncio na terra!
Dorme o mar em seu leito anilado;
Mais ao longe repousam agora
As montanhas, os vales, o prado.

Mas a virgem soluça entre cismas
Pela noite que foge — saudosa!
Entristece mirando a violeta
Que definha, e suspira odorosa.

E do peito lh’estalam as fibras
Murmurando a canção da saudade:
— Deus te salve d’amor luz fagueira,
— Deus te salve formosa deidade.

— Lua, luz dos mortais, que no peito
— Tem a mágoa d’um tempo já ido
— Junto á dura saudade, que punge,
— E que inspira d’est’alma o gemido;

— Deus te salve! luzeiro brilhante!
— Entre risos e amor refulgindo!
— Deus te salve, rainha da noite!
— Entre flocos argênteos sorrindo!



Ao Lago
Júlia da Costa

Dorme, ó lago dos amores,
Aos doces raios da lua!
Não reveles tuas dores
A gemer na praia nua.
Dorme, dorme, sê ditoso!
Deixa o vento suspiroso
Perpassar no salgueiral!
E consente que minh’alma
Busque a vida, a doce calma
Em teu seio de cristal!...

Aqui nesta solidão
Minh’alma mistérios sonda;
E enquanto a viração
Beija tua clara onda;
E as praias n’um lamento
Entregam queixas ao vento,
E parecem-me gemer:
Tu, ó lago dos amores,
Não sonhes, não, nos palores
Da lua... que vem te ver.

Canta os hinos deliciosos
Que os anjinhos te ensinaram,
Quando em sonhos deleitosos
Em teu seio te embalaram!
Canta os hinos que a alvorada
De matizes enfeitada
Segredou à face tua!
— murmura esse hino d’encanto!
Deixa além soltando o manto
A encantadora lua...

Deixa, ó lago dos amores,
Esses sonhos de tristura!
Esse cismar, essas dores,
Essa infinita amargura!
Deixa, oh! deixa, que minh’alma
Sedenta d’etérea calma
Quero em teu seio lançar!
Unindo os carmes chorosos
A teus murmúrios ditosos,
Quero vê--la se alegrar!

Aqui, de teu seio perto,
Ouvindo o teu suspirar,
Aqui, aqui no deserto
Quero meu canto soltar!
Quero unir meu canto agreste,
Que de magias se reveste,
A teu alegre sorrir!
Quero, ó lago dos amores,
Contar-te meus amargores!
Falar-te do meu porvir...

Hei de n’harpa gemedora 
Meus suspiros, meu lamento,
E minh’alma sofredora,
E d’harpa o mórbido acento,
Quando a lua bem distante
De teu berço — radiante
For nas águas se ocultar...
Quando a brisa adormecida
For na mangueira, — esta vida
Quero, ó lago, te ofertar.

Que amo ver as águas tuas
Docemente a deslizar —
Quando às vezes tu estuas
N’essas cismas de matar!
— E eu só, neste deserto
Quero vir de ti bem perto
Perscrutar o teu gemer;
Muito embora descuidoso
A dormir silencioso
Não pareças tu viver.

Mas... estás mudo... não sonhas,
Nem dormes, lago gentil?
Olha as campinas risonhas,
Olha a lua em céu de anil;
Olha o céu, a terra, a vida;
Balança a onda dormida;
Ergue a face a viração?
Embalde... que também sentes...
Cruéis saudades tu sentes...
N’esta agreste solidão!

Ai, ó lago dos amores!
A tua linda beleza,
De teu sonho as verdes flores,
Do sol queimou a aspereza!
Tu amaste, e no delírio
D’esse amor, veio o martírio...
Desfez-se tua ilusão!
Tu amaste... e a tua crença
A sorte com indif’rença
Desmanchou com fera mão!

A flor do teu doce afeto
Que se mirava em teu riso,
Que neste imenso deserto
Formava o teu paraíso,
Por fado misterioso,
E fanou-se... emurcheceu!
E desde então o teu pranto,
Chorando da flor o encanto,
Todo o vale umedeceu!...

Na minha harpa gemedora
Quero imitar teu suspiro!
A minh’alma sofredora
Chorará neste retiro.
Tu, ó lago dos amores,
Não vês na terra fulgores
Ergues os olhos aos céus!
A terra é tão muda e fria!
Tu não sentes alegria...
Aceita estes cantos meus!

Nos meus versos inocentes
Filhos do meu coração,
Cantando teus ais plangentes,
Alegrarei a solidão!
— E nós ambos com saudade
Nesta imensa soledade
Cantaremos nosso amor!...
— Eu de ti quero estar perto;
E neste triste deserto
Ergamos nosso clamor!

E as praias que te prendem
No retiro irão contar
Às campinas que se estendem
Como verdejante mar,
Nosso gêmeo sofrimento,
Nosso perene lamento,
Mágoas do nosso sofrer:
Enquanto no céu a lua
Mostrar a sua face nua,
E a floresta estremecer...

E nas noites vaporosas
Se for brilhante o luar,
Em tuas águas as rosas
De tua dor virei buscar!
— Sempre, ó lago dos amores,
Quando do vento os clamores
Passarem no salgueiral,
Estará em ti minh’alma!
Como que buscando a calma
Em teu seio de cristal!



No Ermo
Júlia da Costa

Quando as ondas mansamente
Da praia ao areal luzente
Vão mistérios segredar,
Tu não sabes a tristeza
Que me inspira, em som plangente
Das ondas o soluçar!

Ai não sabes a saudade
Que me traz a soledade
Nas asas da viração,
Esse hino que levanta
No trono da imensidade
O formidável leão!...

Não sei porque... me entristeço
Pendo a fronte e desfaleço
Ouvindo as ondas do mar!
Mesmo vendo a natureza
Não sei porque a tristeza
Vem minha fronte banhar.

Nem tu sabes, nem sei eu!
Se fito a lua no céu
Tenho tristezas sem fim!
— Vendo-a além divagando
Sonhadora — o brilho brando —
Por que entristeço assim?...

Meus sonhos! flores coradas,
Pelas brisas bafejadas,
Da existência no vergel...
Ah! meus sonhares queridos,
Onde ireis assim perdidos?
Olha o mar — frágil batel.

Meu sonho, sonho gigante,
Alegre, lindo, radiante
D’um gracioso porvir,
Foi estrela luminosa
Que sumiu-se caprichosa
Para nunca mais luzir.

Outr’ora que febre intensa —
N’alma quanta linda crença,
Quanta leda poesia!
Quanta vida desdobrada!
E na mente alucinada
Quanta alegre fantasia!

Quanta cisma enamorada
No meu seio derramada,
No meu seio quanta vida!...
Hoje sinto uma saudade!...
E vejo da mocidade
A estrela empalidecida.

Mas que importa a flor nascida
N’uma lágrima perdida
Que verteu a madrugada
Ao sol, que fulgura lindo
Lá no firmamento infindo,
Que penda e procure o nada? 

Que importa? que a flor mirrada
Vá na folha desbotada
De um poema adormecer?
Tem tanta rosa a natura!
Na vida há tanta ventura!...
— Que importa o meu padecer?

Mas... se a lua cismadora
Mostra a face sedutora
E ilumina a solidão,
Por que, dize, me entristece
Seu brilho, que desfalece
Nas sombras do coração?



Minha Terra
Júlia da Costa

Minha infância, meu sonho dourado,
Astro lindo que além se escondeu,
Por que  as asas brandiste n’um vôo
E sorrindo fugiste p’ra o céu?...

A saudade minh’alma devora...
Que contigo fugiu-me a esperança!
E com ela um arcanjo mimoso,
Minha irmã, doce, meiga criança...

Eu fui logo, (que fado cruento!)
Do meu lar, tão criança banida!
Ai que dores! Que mágoas acerbas
Desde então me atormentam a vida.

Eu chorei por meu berço mimoso,
Como o pobre proscrito por pão!
E sequer não ouvi neste mundo
Nem um brado de doce afeição.

E hoje ainda da pátria me lembro
Com dorida saudade e pesar;
Quando a noite desdobra seu manto,
E é mais brando, mais lindo o luar.

E me lembro... se as auras osculam
As ondinas cerúleas do mar,
Eu nas asas das auras desejo
A meu solo querido voar.

E as fímbrias do lindo horizonte
Do meu Norte, quem dera eu voar!
Para ver os anjinhos diletos
De meu puro e saudoso folgar!...

Para ver minha linda casinha,
Que, pequena, deixei a chorar,
Testemunha dos brincos da infância
Que jamais haverei de gozar.

Para ver minhas lindas patrícias,
Visões puras d’um sonho dourado,
Que sorriem gentis entre as nuvens
Do meu vago e tristonho passado...

Mas é tudo p’ra mim impossível!
Tudo é sonho! quimera! ilusão!!!
Só real a saudade que sinto
Nesta negra e cruel solidão.



Saudades!...
Júlia da Costa

De celestes visões viveu outr’ora
Minh’alma docemente, e minha vida;
Mas a esp’rança morreu-me dentro d’alma
Na alvorada do amor, entristecida...

Inda infante  —  no berço, luz celeste
Aclarou-me o caminho da ventura;
Desbrocharam sorrisos em meus lábios,
Não sentiram meus olhos amargura!

Caminhei descuidosa o chão de flores;
Beijei aqui e ali virentes rosas;
O céu  —  lençol de prata  —  se mostrava
Marchetado d’estrelas luminosas.

Nos umbrais da ridente mocidade
Inda rosas gentis colhi sorrindo, 
Com saudades da infância que deixara,
E saudando o porvir, fagueiro, lindo.

Mas... enquanto nas cismas me embalava,
E colhia da vida as rosas belas,
Fitando essa harmonia do Universo,
Vendo fulgir no céu lindas estrelas,

A laje do sepulcro se entreabrindo
Aos olhos meus —  um anjo me roubava!
Erguendo a fronte triste, empalecida
A minha morte ali também olhava.

Rosas gentis e flores purpurinas,
Doce sol que esta vida iluminou...
Luz de meus olhos, de meu céu a estrela
Tão cedo do horizonte baqueou!

Triste n’um ermo, quem me guiaria?
Sem pai  —  sem norte —  assim qual foragida
Sem luzeiros no céu, no peito flores,
Quanto espinho na estrada desta vida!

...........................................

Ai que funda tristeza! que saudades
Tenho dos tempos em que fui feliz!
Do tempo em que abraçava minha irmã
E lhe beijava as faces infantis!

Que saudade também desses meus sonhos,
Das visões que adejavam no ermo leito,
D’esse gozar que me alegrava a alma
Que dava vida e alegria ao peito.

Hoje... tudo dorme além no asilo
Onde cresce o cipreste esverdeado!
E, eu choro o meu fado entristecido;
A alma sem vida, e o coração gelado.



Tristeza
Júlia da Costa

Ao merencório marulhar das ondas,
Sozinha, agora, na deserta praia,
Vem a tristeza acrescentar o pranto
Que pelos seios a saudade espraia!

É lindo o oceano!... como alegres cantam
Os bateleiros  ao sair da lua!
E eu sinto a vida sufocar-se em prantos
Fitando o astro que no céu flutua.
Tu, lua, na tristeza em que banhas,
Refletes minha vida declinando!
E o peito a apunhalar-me uma saudade
Do passado gentil, mimoso, brando.

........................................

Ai pudesse do sol um raio lindo
Erguer a flor que pende na devesa!
Que nas folhas macias de veludo
Só tem prantos de dor e de tristeza!...

Ai pudesse esta vida que me foge,
Como a onda abandona além a praia
E volta, — ao peito meu voltar de novo,
E a saudade levar que em mim se espraia!...

Porém... debalde o sol no céu fulgura
E flores joga ao seio do oceano!
Minh’alma é como a rola estristecida
Cujo ninho levou o minuano.

Minh’alma... n’um deserto sem abrigo,
Sem sorrisos de amor triste vagueia:
Se tem flores o céu, ela tem prantos;
Se ri-se a natureza, ela pranteia.

Tu, lua, na tristeza em que te banhas
Refletes minha vida declinando!
Minhas cismas de amor também refletes!
Oh! dá-me um raio teu mais doce e brando!



Flor
Júlia da Costa

Era no baile! no febril delírio
Da destra frágil me caíste, flor;
No pó da sala tuas folhes virgens
Eu vi cobertas de mortal palor.

Pobre florinha!  —  me pedias mimos
E eu pisei-te no fervor da dança!
Ai! tu choravas quando eu sorria
De ti não tendo nem sequer lembrança!

Bem poucas horas...na doirada jarra
Tu ostentavas um frescor tamanho!
E ali da dança no febril delírio
Joguei-te infinda n’um salão estranho!...

Todos te olhavam... tuas folhas puras
Empalecidas, sem rubor estavam;
E ainda assim me parecias bela!
— Meus olhos inda teu frescor amavam.

Da dança louca no delírio, eu disse:
Ai quem me dera poder vê-la ainda!
Lânguida e fria, de tristeza cheia,
Pisada embora, porém, sempre linda!

Ai flor mimosa! tu por mim sofrias 
Enquanto eu ria no fervor da dança!
Ai tu choravas enquanto eu sorria
De ti não tendo nem sequer lembrança!...

Findou a valsa... procurei-te embalde
Nas longas voltas do salão imenso!
Busquei-te em ânsias nas doiradas jarras,
Em loiras tranças, em cheiroso lenço.

Busquei-te embalde! que mirrada, murcha 
Em outro seio repousavas, flor!
— Pisei-te o cálix de esperança cheio!
Matei-te a vida e te roubei o amor!...



Esperança
Júlia da Costa

Vem, arcanjo celeste da esperança,
Que afaguei pelas noites de saudade,
Conforto e paz ao coração trazer-me
Que desmaia de dor na soledade!...

Na existência dos sonhos fabulosos,
Quando é luz o espaço, a terra flores,
O porvir que sorri no descuidoso
Áureo lago é de vida e resplendores.

Porém, o meu futuro não sorri-me;
Não é o meu viver sereno, quedo!...
Vem, tu sorrir-me, pois, doce esperança,
Enquanto a brisa geme no arvoredo.

Os laranjais os mantos alvacentos
Desenrolam no vale perfumado,
E cada flor, quando o aroma esparge,
Nos inspira um sonhar enamorado...

Os retoques doirados do crepúsculo
Que desmaia sorrindo no poente,
Tem um divino encanto que extasia
Que enleva a alma, branda, docemente...

Murmura do arvoredo na folhagem,
Pelas flores da tarde embalsamada
A doce brisa, filha das montanhas,
E da rosa dos vales namorada...

O céu belezas tem  —  o lago geme,
O vento oscula a coma dos palmares,
E as ondinhas gentis rolam fagueiras
Mansamente a sorrir no azul dos mares...

Mas... eu sem ti, bem dentro do meu peito
Não tenho gozo, nem também bonança...
Não é o meu viver sereno e quedo...
Vem tu, sorrir-me, pois, doce esperança!...

Vem tu, luz de meu ser, formosa estrela
Cercar a minha fronte, dar-me vida,
Abrigar-me nas sombras do retiro
Sob tu’asa, d’ouro entretecida.

Vem, que quando a lua além fulgindo
Banhar de luz a veiga aveludada;
E o orvalho cair — quais lindas pérolas
Sobre o seio da flor acetinada;

E as estrelas do céu lançarem raios,
E o vento brincar entre os palmares,
E as ondinhas gentis rolarem lindas
Mansamente a sorrir no azul dos mares:

Serão teus os meus cantos! e o futuro,
E a minha vida, e mais o meu segredo!
— Oh! vem sorrir-me, pois, linda esperança
Enquanto a brisa geme no arvoredo!...



Devaneio
Júlia da Costa

Meu astro, minha estrela — riso d’anjo
Refletido no céu azul e lhano,
Por que velas teu rosto fulgurante
E não miras a face do oceano?

Fugiste além meu astro! e a face linda
Não espelhas no lago cor do céu...
Por que não fulges? vem fulgir, meu astro!
Vem sorrindo mostrar-me o brilho teu.

O mar é verde; das ondinhas mansas
Cobrem-se as praias, como um véu d’espuma!
Que mar imenso! que painel sublime!
Que céu formoso, sem hibérnia bruma!

O sol fugiu... no ocidente as nuvens
Vestem-se todas de pomposas cores!
No prado ameno desce o véu da tarde
Enquanto o chão se junca de mil flores.

A brisa passa, segredando às folhas
Da roseira, talvez, o seu seguro!
Que doces hinos, que suaves cantos,
O sabiá murmura no arvoredo!

A alma cisma... devaneia agora
Meu coração em êxtase de amor!
Que de perfumes, à tardinha, entorna
Em coração de amante o prado em flor!

Aqui a noite tem perfumes santos;
Ouve-se o vento suspirar de amor!
À fresca sombra da mangueira o sono
É mais belo e gentil que o prado em flor!

Que doce orquestra! que concerto imenso 
Forma a natura, sob um céu azul!
Como são lindas estas plagas mansas!
Como são belos os vergéis do sul!

Mas tu fugiste! e à face do infinito
Não mostras mais teu brilho brando, lhano!
Velaste em trevas o teu rosto lindo,
E não miras a face do oceano!



Desalento
Júlia da Costa

Quando a vida fundida nos encantos
D’um sereno futuro me sorria,
Eu amava em extremos o som dos cantos
Que esta lira querida desferia;
E minh’alma feliz desenrolando
Suas tímidas asas pelo espaço,
A sorrir, a sorrir, além se ia
Do Senhor ao puríssimo regaço!...

Porém, hoje que a dor e a tristeza
Me acabrunham sem dó o coração,
Como à vida sorrir, à natureza
Se meus lábios de gelo e mudos são?
Se um vislumbre não tenho de alegria
Em meu casto jardim da mocidade?
E se os ecos sonoros das montanhas
Tristonhos são, e falam de saudade?...

Tem estrelas o céu, o mar conchinha,
Borboletas as veigas perfumadas;
Os leques das palmeiras à noitinha
D’orvalho tem mil gotas prateadas;
Mas minh’alma tristonha e ressentida
Pelo espaço divaga soluçando,
Como um eco de dor ao longe, ao longe,
As endechas febris, triste lançando.

À sombra do cipreste que se estende
Sobre a campa marmórea do finado,
A lira minha os cantos seus aprende,
Emblema do presente amargurado;
E entre soluços os seus ais se escapam,
Filhos da dor que tem meu coração!
E refletem a luz pálida e fria
Que da campa ilumina a solidão.

Talvez, porém que a rosa de meus sonhos
Desbrochada ao palor de um sol de maio
Abrisse o cálice em vergéis risonhos,
Aos beijos de um arcanjo idolatrado:
Talvez que a brisa desse-lhe perfumes
E juntasse-a fagueira ao coração,
Que hoje definha no ermo solitário,
Que hoje morre na triste solidão?

Não foi assim!  —  O sol a minha fronte
Nunca em suspiro deu um só afago;
E a brisa que hoje passa e beija a fonte
Nunca lhe deu o seu segredo mago:
Só o eco sonoro das montanhas
Como um hino de dor e de tristeza
Repetia as endechas de saudade
Que o sol deixava, ao ir-se, à natureza!...

Como o céu é azul... e o oceano extenso
Mostra o vasto lenço de branca espuma
De horizonte a horizonte, em chão imenso!
E as montanhas despem-se da bruma!
Como noiva que o véu pálido ergue
Mostra-se a terra em flores embalada!
Mostram-se alegres na floresta as aves
Ao primeiro arrebol da madrugada...

Mas, oh! que importa o céu que alegre veste,
O luar que de si lança saudade,
As estrelas da abóbada celeste,
Que sorriem d’amor à imensidade;
E o encanto de um mundo que palpita,
E esta harmonia que há do sul ao norte?
Se a esperança fugindo de nossa’alma,
Não nos aponta a vida e sim a morte?...

A existência talvez que me afagasse
N’este mundo uma vez, se a sorte irosa
Não se erguesse ante mim, e não tornasse
Minh’alma d’um futuro duvidosa!
— Mas quem sabe?... — na terra mortuária
Ergue a palmeira os olhos para o céu!
— Eu erguerei os meus ao meu futuro...
De que minh’alma tanta vez descreu!...

Erguerei, e talvez de novo os sonhos
Da rosa do viver, nascida em maio,
O cálice abra nos vergéis risonhos,
E peça à luz dos astros brando raio!...
Então minh’alma, assim desenrolando
Suas tímidas asas pelo espaço,
A sorrir, a sorrir, além se torne
Do Senhor ao puríssimo regaço.



Adeus
Júlia da Costa 

Adeus, ó prados, sedutoras veigas,
Que tantas vezes a sorrir trilhei;
Talvez bem cedo a vós deixar forçada
Recorde as horas que por vós passei.

Bem como a folha pelos ares solta,
Talvez que em breve de vós longe vá:
Sem ter abrigo — a voejar sem rumo
Buscando a pátria que me acena lá.

Adeus, ó hinos, de eternal doçura,
Meus belos sonhos que a folgar beijei!
Adeus, ó terra, nova pátria minha;
Adeus, ó flores, que com ânsia amei.

Adeus! Eu sinto que martírio imenso
Minh’alma fere qual agudo espinho:
Serei a ave que buscando a pátria
Chore em saudades o perdido ninho.

Que importa? Eu partirei? Ninguém em prantos
Há de lembrar-se de meu nome —  não!
Nem da noite as estrelas suspirosas,
Brisas da tarde e aves do verão.

Ninguém! que a peregrina lembre e chore ,
Que lamente a ilusão que teve um dia,
Que chore as flores de seus anos murchas
E a infausta estrela que seus passos guia.

Ninguém! da pobre órfã acres gemidos,
Mágoas, saudades, lágrimas e ais,
Recordará da noite no silêncio
Ou entre o brilho e galas matinais.

Virentes cantos, mocidade, risos,
Lírios gentis que teve minha vida,
Que valem,pois, se a idéia de meu nome
Será em breves tempos esquecida?

Sou órfã! Partirei! Ninguém em prantos
Há de lembrar-se de meu nome — Não!
Que importa? Abafarei também no peito
As saudades e ais do coração.



Sombras
Júlia da Costa

Um dia, que a mente senti afagada
Por frescos favônios na calma estação,
Ao ver os matizes que a terra cobriam,
Julguei-a ditosa na minha soidão!

As aves cantavam, sorria a natura,
Havia nas flores orvalhos do céu;
Tomei minha lira sorrindo a ventura,
Cantei as belezas de um dia sem véu.

Que sonhos tão belos, que flores cheirosas!
Que lírios de neve! que ar perfumado!
— À noite no espaço fulgiam estrelas
Que a face espelhavam no mar anilado.

Cantei... porém, hoje que vejo a natura
Saudando o inverno de gelos coberto,
A negra tristeza, saudade amargosa,
Meu peito tornaram de sonhos deserto.

Tombaram as flores mirradas à terra,
Despiram as selvas o manto de amores,
Calaram-se os ecos dos montes, e os mares
Povoam-se à noite de trevas, horrores.

Das verdes colinas dos doces cantores
Os hinos canoros ninguém mais ouviu;
E os dias tão belos tornaram-se tristes,
Das rosas divinas o inverno os despiu.

Cantei... quando a mente senti afagada
Por doces favônios na calma estação;
Mas hoje que sinto que foge a alegria
E a calma abandona tão doce soidão,

Eu vago nos campos sozinha cismando
Das meigas estrelas à pálida luz:
E ao céu da esperança se os olhos remonto
Tristonhos pensares me buscam a flux.

As lousas contemplo, e os goivos funéreos
Se eu vejo pendidos nos fracos hastis,
Meu Deus que tristeza!... meu peito se oprime!
O inverno a minha alma tristezas prediz!



Lembranças do Baile
Júlia da Costa

Que baile! que flores! que noite de encantos!
Que orquestra inspirada! que risos sem fim!
Que festa risonha! que lindas donzelas!
Que rosas da noite, tão puras, tão belas!
Que frontes virgíneas d’ebúrneo marfim!

Que baile! que festa!  —  Nos bosques ao longe
Nenhuma alegria sentia-se então!
E ali, nesse baile, que alegre folgança!
Que risos; que fogo não tinha essa dança!
Que n’alma lançava prazer emoção!

Valsava eu nas salas, c’o seio ofegante
Num doce, divino, celeste sonhar!
Sentia que as luzes fugiam na dança!
E vinha em meu peito suave esperança
Por entre esses risos e festas brilhar!

Que baile! que flores! que noite de encantos!
Que orquestra inspirada! que risos sem fim!
Que festa risonha! que lindas donzelas!
Que rosas da noite, tão puras, tão belas!
Que frontes virgíneas d’ebúrneo marfim!

Que baile! que festa! Que ledos perfumes
Minh’alma envolviam n’um gozo celeste!
Que cantos suaves meu peito enlevavam!
Que rosas perfumes ao ar elevavam
Prendidas das virgens às cândidas vestes!

As luzes, as flores, a música, os risos,
E os loucos amantes da valsa ao calor...
As luzes quais astros fulgiam; as flores
Perfumes lançavam do seio em fulgores,
E os loucos amantes falavam de amor!...

Que baile! que flores! que noite de encantos!
Que orquestra inspirada! que risos sem fim!
Que festa risonha! que lindas donzelas!
Que rosas da noite, tão puras, tão belas!
Que frontes virgíneas d’ebúrneo marfim!

Que baile! que festa! Minh’alma inda lembra
Com doce tristeza a suave ilusão
Que as flores, as luzes, a música — o riso
Dos loucos amantes de olhar indeciso, —
Lançaram no fundo do meu coração.



Anjo do Túmulo
Júlia da Costa

Não ames nunca a palidez do anjo
Que as lousas guarda na mansão extrema;
No berço mudo que revela a morte
Deixa-o à noite que suspire e gema.

Deixa-o mil prantos derramar saudoso
Sobre o lajedo d’uma lousa nua;
Enquanto à noite o manto negro estende,
Ou cisma triste e solitária a lua.

A rosa branca que perfuma o ambiente,
Que à tarde pende nesse chão de dores,
Talvez mais risos of’recer-te possa
Do que o arcanjo de mortais palores.

Não ames nunca a palidez do anjo
Que as lousas guarda na mansão extrema;
Alma evocada do final jazigo
Deixa-a à noite que suspire e gema.

Esse anjo!... esse anjo!... Quando o vento geme,
E as flores pendem no gentil rosal,
Dizem que as almas dos jazigos surgem
E correm tristes na extensão do val?...

Esse anjo... esse anjo!... Quando do salgueiro
Se vergam ramos, e mais zune o vento,
Dizem que as almas o jazigo deixam
E formam coros de eternal lamento?...

O corpo dorme; mas a alma errante
Vaga na terra sem cessar saudosa:
E une-se aos ventos, ao quebrar das ondas,
Paira nos ares a gemer queixosa?...

Não ames nunca a palidez do anjo
Que as lousas guarda na mansão extrema;
Alma evocada do final jazigo
Deixa-a à noite que suspire e gema.

Deixa-a... que gema! — No sorrir da morte
Que desse arcanjo vem turvar o enleio,
Há um quê de triste que nos faz ter prantos,
Cismas e sonhos, e nos gela o seio...

Lívido lábio, sem um riso alegre,
Quanto mistério não contém, não diz?
Ai quanto sonho não ‘stá ali já morto,
Quanta esperança d’um porvir feliz?

...........................................

Esse anjo... esse anjo!  —  Deixa-me na terra
Guardar saudades de alegria extrema,
Gozada n’outro tempo!... e sobre o túmulo
Deixa-me à noite que suspire e gema!



Sonho
Júlia da Costa

Era bem noite; não se via a lua
No azul das vagas se banhar gentil;
Manto de trevas se estendia ao longe
Nos ocultando o sideral anil.

O mar bramia, se agitando iroso
Em crespas ondas de sombria cor,
Na atmosfera de vapor toldada
De nenhum astro via-se o fulgor.

Na terra erma, sepulcral silêncio,
Então reinava pavoroso e frio;
Gemia o bronze gemedora nota,
Soltavam mochos agoureiro pio.

Pávidas sombras lá do espaço aéreo
Caíam todas a gemer no chão;
Fundo silêncio a natureza enchia
Tornando-a vasta, sepulcral soidão. 

Os ventos mudos... mudo o bosque e a selva...
Ao longe trevas... pavoroso arcano!
— Os arvoredos semelhavam sombras
Fugindo todas n’um bailar insano.

Tal era a terra, tal o espaço, o oceano,
N’esse momento de ansiar terrível,
Em que fantasmas pelo espaço aéreo
Corriam, como tempestade horrível.

Súbito as trevas rasgam-se sombrias;
Corre os espaços uma luz mui bela!
Luziu risonho na calige’ horrível,
Embora fosse desmaiada, estrela...

Então um anjo de rosadas vestes
Co’a destra erguida se mostrou no céu,
E n’um momento de fagueiro enlevo
Rasgou da terra, e do espaço o véu.

A luz mostrou-se... e dessa luz cercado
O anjo à terra se sorriu contente:
E ao longe, ao longe, com voz do empíreo,
Ouviu-se um hino divinal, ingente:

“Grandes vitórias! Imortais triunfos
Ganharam hoje nossas legiões!
Dorme o tirano n’um deserto imenso
Sono de morte, ao som de mil canhões.

“Folgai, ó terra do Brasil, que os Bravos
Realizaram vossos lindos sonhos!
Nas folhas d’ouro da Brasília história
Cantos escrevem, divinais, risonhos!

“Imensa glória! e triunfo imenso!
Caiu o tigre da batalha à sorte!
— Dorme, o tirano n’um deserto vasto
Ao som dos hinos do canhão da morte.

“Folgai, ó terra do Brasil; que os Bravos
Nas folhas d’ouro da Brasília história
Cantos escrevem, divinais, risonhos,
E se coroam de virente glória.”

.........................................

Que sonho doce estava eu sonhando!
Por que este sonho não se cumprirá?
— Que esse anjo surja com a destra erguida
E dê à Pátria mil vitórias... lá!



Sei Que Me Esqueces
Júlia da Costa

Sei que me esqueces! Quando longe, à tarde,
Por entre as nuvens, na extensão do céu,
O sol, sem fogo, nenhum raio manda
Que ao monte dispa da tristeza o véu.

Teu pensamento n’um suave enleio
Não busca a triste que por ti suspira;
Vais n’outra imagem mais risonha e alegre
Fitá-lo à tarde... quando o amor te inspira.

Sei que me esqueces! Como a brisa aérea
De crenças meigas ressumada — a flor!
Mas eu te lembro! quer o sol descore,
Quer no horizonte mostre o seu fulgor!

Oh! eu te lembro! Quando os olhos cravo
No céu, à tarde, quando morre o dia,
Eu nesse enlevo, que se espalha em tudo
Penso rever-te por dinal magia.

Penso rever-te! E quem poderá o espaço
Transpor n’um vôo para a ti chegar!
Quem n’um momento, n’um instante fosse
Teu meigo rosto, os olhos teus beijar!...

Sei que me esqueces! porém eu te lembro
Quando recordo meu passado enleio!...
— Ambas ligadas n’um abraço extremo
Sentindo a vida a borbulhar no seio! 

Oh! eu te lembro! Quando os olhos cravo
No céu, à tarde, quando morre o dia,
Eu nesse enlevo, que se espalha em tudo
Penso em rever-te por dinal magia.

Lembro-te!... Em noites de mistério cheias
Vimos a lua a despontar no céu;
Ai quantas vezes, n’um cismar fraterno,
A alma de ambas sob o mesmo véu?...

Lá... quanta estrela fulgurante, linda,
No céu lançava divinais fulgores,
Se de teus lábios se soltavam hinos
Saudando n’alma as prematuras flores!...

Sei que me esqueces como a brisa aérea
De crenças meigas ressumada  —  a flor!
Mas eu te lembro! quer o sol descore,
Quer no horizonte mostre o seu fulgor!...

Olhar o lago refletindo a lua,
O céu sem mancha a prometer bonança,
E o arvoredo derramando aromas...
E tu o aroma de gentil criança!...

Mirar as flores que beijara o orvalho,
Em cada gota se espelhando a lua;
E no silêncio, na mudez da noite
Cismar minh’alma o que cismava a tua...

Olhar... ver tudo estremecer com vida
Tornada a terra um paraíso extenso:
Nós enlaçados pelo mesmo afeto
Alçando os braços para o espaço imenso...

Foram prazeres que levou o tempo,
E que a distância mais além levou;
Ermo de afetos, o viver em prantos,
A mim a sorte foi o que legou...

Sei que me esqueces! como a brisa aérea
De crenças meigas ressumada  —  a flor!
Mas eu te lembro! quer o sol descore,
Quer no horizonte mostre o seu fulgor!...

Sei que me esqueces! É que a luz suave
Que faz a alma suspirar gemente,
Que dá-lhe flores d’alegria meiga,
Te inunda e banha de fulgor a mente.

Eu vivo triste e vive triste est’alma
Sem ter-te amiga, sem o teu conforto;
Vivo em saudades, vivo em ais, em prantos
Para o prazer meu coração ‘sta morto.





                                       





Dois de Dezembro
Júlia da Costa

Salve, aurora sublime e grandiosa
Que despontas fagueira no oriente!
Salve, dois de dezembro! luz formosa
Que o horizonte colores resplente!

Salve, salve, Monarca! Escuta o grito
Do povo brasileiro neste dia!
Salve Pedro II, anjo bendito
Pelo Eterno enviado à Monarquia!

Astro de luz, tu és límpido e puro
Sobre as orlas doiradas do levante!
— Quando às portas do céu vê-se o futuro
Do Brasil se mostrar áureo, brilhante;

Bem dentro da alma os ecos se despertam
Cantam suas glórias, cantam, o teu dia!
E enquanto os povos suas mãos apertam
Eu te saúdo, luz da Monarquia.

Salve, três vezes, salve! Anjo bendito!
Salve! salve! O Brasil brada jocundo!
Salve, dois de dezembro! dia invicto
Que tão grato natal marca no mundo! 

                         (Mercantil, Desterro, 1-12-1867)  



Escuta
Júlia da Costa

Teus cantos são gotas de puros orvalhos
Que descem sorrindo dos seios de Deus...
São notas aéreas vibradas ao longe,
Por dedos de arcanjo, nos prados dos céus.

São folhas caídas dos galhos mimosos
Das lindas roseiras no quente verão!
São doces prelúdios de um’harpa que chora
Que fala, que vive, no meu coração!
..........................................

São trenos sublimes que lançam minh’alma
Nas cismas suaves de um mundo de amor;
São auras travessas que passam, repassam,
Chorando, cantando, da lua ao palor.
..........................................

Teus cantos, poeta, me enlevam a mente,
Ao sopro aromado das brisas do sul!
Me falam de vida, de amor e ventura,
Do mar prateado — do céu tão azul.

Me falam de um mundo que os ventos queridos
Lá beijam sorrindo nas serras de além!
De um mundo habitado por gênios que vivem,
Que vivem, que sonham que cantos só têm!

Eu amo teus cantos, teus cantos sublimes
Que em vagos desmaios me falam de amor!
Eu amo teus risos que per’las descobrem,
Que fazem meu seio pulsar com fervor!

Teus cantos, poeta, me enlevam a mente,
Ao sopro aromado das brisas do sul!
Me falam de vida, de amor e ventura
Do mar prateado — do céu tão azul!

                               1º. Julho 1870



Ao Sabiá
Júlia da Costa

       Canta, canta, ó filho da poesia!


Desperta, ó gênio! A primavera fulge,
Brotam mil flores nos jardins do céu!
Cantam as aves matutinos cantos,
Cobre-se a terra de azulado véu!

O inverno foi-se — a primavera veio
Com seu gazis sonhares;
Singelas rosas no vergel se abriram,
Só tu calado — transpuseste os mares.

Para onde foste?  — Que cismar estranho
Prendeu-te as asas, sonhador de um dia?
Onde tu cantas se da tarde o manto
Cobre a palmeira que adoraste esguia?

Onde tu vives  —  A floresta é muda
Pia a araponga no deserto amado;
Trinam as aves juvenis endechas,
Só tu não buscas o palmar deixado.

Onde tu vives?  —  Só escuto a brisa
Teu doce canto imitando além!
A lua brilha  —  mas minh’alma chora...
Negra saudade torturar-me vem!

Desperta, ó gênio! A primavera fulge,
Brotam mil flores nos jardins do céu!
Cantam as aves matutinos cantos,
Cobre-se a terra de azulado véu!

Abre essas asas! Pelos ares voga
Branca falua divagando à toa!
Prende-te às velas desse barco aéreo,
Que a hora maga de cantares soa!

O sol desmaia e eu te espero triste
Com os olhos fitos no horizonte azul!
Dormem as nuvens, as estrelas dormem!
Beija-me a fronte a viração do Sul!...

Quero o teu canto! No purpúreo espaço,
Brilha uma estrela que me faz cismar!
Quero o teu canto, avezinha errante...
Quero o teu canto que me faz chorar!

Quero o teu canto que me lembra a vida
Meiga, florida de meus anos findos!
Quero o teu canto que me acorda n’alma
Doce saudade de meus dias lindos!

A tarde desce, a floresta geme,
A vida fulge recordando amores;
E eu te espero, sonhador de um dia
Com a fronte cheia de odorantes flores!

Ai, vem! A terra de fulgor se veste,
As aves cantam... é azul o céu!
Tudo desperta, só minh’alma triste
Espera embalde por um canto teu!

                        S. Francisco, 22 abril 1873
                        Conciliador, desterro, 8-5-1873


Súplica
Júlia da Costa

Daí-me, Senhor, o floco errante
Que nos ares de leve se espaneja!
Daí-me o som festival das alvoradas
Que da loira criança o sonho beija!

Daí-me os vítreos orvalhos que gotejam
Da ramagem do mato perfumado!
Daí-me o aljôfar noturno que roreja
O recinto dos mortos sossegado.

Eu não quero da terra os délios sonhos
Nem as vozes ruidosas da alegria;
Quero a sombra, o palor, a imensidade,
Quero o triste ecoar da ventania.

Como a graça dos mares quero as águas
Onde brinca à tardinha a viração!
Quero o lago que amei inda criança,
Quero um beijo do sol na imensidão!

Quero a névoa da noite que se espalha
Entre os célios faróis da imensidade!
Quero os goivos do gélido sepulcro
Que me fazem cismar na Eternidade!

Dai-me, dai-me, Senhor, o floco errante
Que nos vales de leve se espaneja!
Dai-me o som festival das alvoradas
Que da loira criança o sonho beija!

Daí-me a vida, meu Deus! A vida etérea,
Essa vida doirada que sonhei!
— Lá nos páramos azuis serei ditosa
Entre as flores de um mundo que adorei!

                            Conciliador, 17-7-1873



Rosa Branca
Júlia da Costa

Rosa, rosa dos amores,
Quem me dera os teus palores
Quem me dera o teu viver!
Eu teu berço de harmonia,
Quem me dera um dia, um dia,
De mansinho adormecer!

Murcha embora  —  quem me dera
Em sombria primavera
Ir de leve te oscular!
— Sonhadora das campinas,
Tuas folhas cristalinas,
Quem me dera inda beijar!

Mas quem sabe se teu fado
Pelo meu tão invejado
Não será hoje cruel!
— Quantas vezes entre cantos
De mistura não vêm prantos,
Não vêm prantos só de fel?

Quantas vezes a ventura
Não nos mostra a sepultura,
Não nos beija e lá se vai?
Quantas vezes um lampejo,
Do favônio em tênue adejo
Não nos leva n’um só — ai —?

O que é a vida — flor de neve —
Mais que um sopro brando e leve
Que nos ares se desfaz?
Que é o sol que lá rutila,
O que é a estrela que cintila,
Para a flor que morta jaz?

Tu és inda pura e bela
Como a cândida donzela
Que a cismar adormeceu!
Mas minh’alma em ti pressente
Um martírio que não mente,
Que não mente ao peito meu!

Tu soluças, branca rosa,
Alva fada buliçosa
Que em meu seio acalentei!
Tu soluças  —  mas distante
Como a noite titubeante
De um harpejo que sonhei!

Tu soluças! Quem me dera
Ter na fronte — primavera —
Ter no peito algum calor!
Tão formosa — desprezada —
Pelos ventos desfolhada
Sem carinho, sem amor!

...............................

Não mais chores! Ergue a face
Que da vida a luz fugace
Basta um sopro p’ra empanar!
Não mais chores na alvorada
Da risonha madrugada
Que te vem inda saudar!

                          Conciliador, 7-8-1873


Fantasia
Júlia da Costa

      I

Era no baile — eu sorria
Como a flor em solidão;
Tinha na fronte alegria
Mas na mente escuridão.

Cismava fitando a noite
Com seu cortejo de amores;
Cismava fitando os mares
Por entre pálidas cores.

O que buscava eu nos mares,
Nos mares de puro anil,
Com as tranças nas flores presas,
Por entre a gaze sutil.

O que buscava? Não sei!
Só via a noite entre mim!
— Erguia meus olhos tristes,
Pensava na vida assim.

Nas breve nos puros ares
Vi um arcanjo surgir!
— Tinha na fronte a tristeza,
Nos lábios vago sorrir.

Em seus cabelos escuros
Luziam estrelas mil!
Tinha nas asas imensas
Uma penugem sutil.

Ergui-me e fitei a turba
Que junto a mim murmurava!
— era uma orquestra sem nome
Que em minha mente roçava!

Ali no baile a alegria,
Luzes, quimeras sem fim!
Mais longe o mar soluçante,
E um arcanjo entre mim!

Mais longe o vento noturno
Gemendo no matagal!
Mais longe a brisa saudosa
Chorando no laranjal!

Era uma noite sem lua
Mas bela no seu negror!
Suave leito de fadas
Ou ninho de puro amor!

Ali no baile a alegria
Luzes, quimeras sem fim!
Mais longe o mar soluçante
E um arcanjo entre mim!

Voltei-me, mas negra nuvem
Cobrira a sombra adorada,
E a meu lado adejando
Vi mariposa engraçada.

Chegou-se a mim, e na fronte
Roçou-me a asinha doirada;
“Em que tu cismas?” me disse
Da brisa a voz inspirada.

“Não vês a festa que corre,
Que doidejante suspira?
Não ouves serena endecha
De ignota festiva lira?”

“Que buscas? O raio argênteo
Da lua que surge além,
Ou buscas do mar a brisa
Que a fronte beijar-te vem?”

E o vento gemia ao longe
Nos seios do matagal!
E a brisa jurava amores
Às flores do laranjal!

E eu sorrindo à pergunta
Da mariposa engraçada,
Prendi de manso em meus dedos
A sua asinha doirada.

És curiosa, eu lhe disse
És curiosa demais;
              penso que possa
              mover-te em ais.

Só penso que tu és linda
E que um dia sonhei-te assim!
Com asas de todo presas
E presas estão por mim.

Só penso que as borboletas
Maldosas não voam não;
Pois logo que à luz se chegam
Mirradas por elas são.

Só penso que tu és minha,
Que presa por mim estás;
Que nunca terás mais sonhos
Nem flores irás tentar.

E minha destra gelada
A pobrezinha oprimia!
— e o baile no seu murmúrio
Entre risos se expandia!

E a lua surgia altiva
Qual odalisca gentil,
Cercada de seus vassalos
Em vasto campo de anil!

E o vento gemia sempre
Nos seios do matagal
E a brisa jurava amores
Às flores do laranjal!

E eu sorria beijando
A borboleta gentil!
— seus olhos luziam tristes
Com um brilho de luz febril.

Quem sabe, comigo eu disse
Se ao longe deixou seu ninho
Esta carícia dos anjos
Vestida de branco arminho?!

E tive pena... de manso
Soltei-a nos puros ares
— Vai, foge, lhe disse ainda,
Procura teus doces lares.

Porém a ingrata fugindo,
Não quis sequer me escutar!
Fitou as flores do baile,
E lá se foi embalar.

Chamei-a, mas foi embalde,
Busquei-a, mas foi em vão!
— Ergui meus olhos chorosos
Cravei-os na imensidão!
.................................

E o baile no seu murmúrio
Começava a serenar!
E as virgens   —  morenos anjos,
Se embalavam a valsar!


      II

Já as alvas no claro seio
Das ninfas se reclinavam;
E os astros empalecidos
No horizonte se apagavam;

Quando um arcanjo luzente
Surgindo no céu azul
Pousou seu manto dourado
Nas calvas serras do sul.

Era o anjo da meia-noite
Que eu vira surgir além!
Com seus cabelos cheirosos,
Seus sonhos de luz também!...

“Por que tu choras?”  —  me disse
“Com os olhos fitos no céu?
“Não mais medites no baile,
“Que a mariposa fui eu.”

“Desci dos ares sorrindo,
“Fingi na luz me queimar;
“Quis ver se tu meu exemplo
“Buscavas, anjo, tomar.

“Quis ver se o gênio fulgurante
“Da poesia esquecias;
“Se no folquedo entre luzes
“Essa tristeza perdias.

“Não chores, eu sou o anjo
“Que presido ao fado teu;
“Não creias na mariposa,
“Que a mariposa fui eu.

“Não creias nas borboletas
“Que adejam de noite assim!
“São silfos que à terra descem,
“Envoltos no azul cetim.”

O anjo calou as vozes
E eu sorrindo acordei
— A mariposa escondeu-se
E nunca mais a encontrei.

           Conciliador, 30-10-1873  




      VII

Vem, meu lindo poeta! pobre noivo
De meu triste castelo que tombou!
Vamos juntos erguer nossa casinha
Entre o mato florido que ficou.

Olha, eu tenho inda o véu com q’adornei-me,
Tenho a flor com q’ornei-me p’ra te ver!
Vamos juntos formar o nosso ninho
Do favônio gentil ao estremecer.

Tu és loiro e formoso! eu te idolatro
Como a mãe ao filhinho que criou!
Como a rola a floresta que lhe acorda
Uma quadra amorosa que passou!

Vem, meu jovem poeta! — Vamos juntos
Levantar nosso ninho que pendeu!
— Nossos tristes filhinhos nos esperam
Entre o orvalho da rosa que morreu.

As laranjeiras se vestem de mil flores.
Os vagalumes se acendem na espessura
— Vem meu noivo querido! é hoje, é hoje,
Nosso dia de amor e de ventura!

Deixa, deixa esta pálida tristeza,
Nossa casa gentil vamos ornar!
— Plantaremos na porta mil roseiras
Cantaremos, meu anjo, à beira-mar.

Vem, meu jovem poeta! vamos juntos
Levantar nosso ninho que pendeu
— Nossos tristes filhinhos nos esperam
Entre o orvalho da rosa que morreu.

Quero a vida sorver n’um beijo teu,
Quero a mágoa esquecer n’um teu respiro
Quero sonhos doirados da existência
Là, só lá converter n’um teu suspiro!

Vem, meu lindo poeta! pobre noivo
De meu triste passado que tombou!
— Vamos juntos erguer nossa casinha
Entre o mato florido que ficou!

          (Poesia recebida por Carvoliva em 22-11-1874)



Ao Sabiá
Júlia da Costa

Ai! quanta inspiração, quanta saudade
Tu me acordas no peito adormecido,
Quando trinas de amor magas endeixas
                  Da tarde ao declinar.

A tua voz a minh’alma se dilata,
E ao tremer do favônio ao chão de flores,
Sonha, oh! sonha um porvir cheio de glórias
                  Do sol ao descambar.

Oh, me ensina essas doidas fantasias,
Cavatinas de amor — trechos sublimes,
Com que encantas a terra embevecida
                 Nas luzes do arrebol;

Vem cantar de mim perto esses idílios
Que me acordam mil sonhos de ventura,
Que me inundam de luz a fronte morna 
                 Beijada pelo sol.

Vem cantar de mim perto. A tarde é bela,
A floresta se cobre de mil flores
E a natureza em festa te saúda,
                 Poeta sublimado.

Canta, ó canta no galho viridente,
Entre os doces e mágicos eflúvios
Da folhagem que mansa se debruça
                 No solo perfumado.

Vem cantar de mim perto, e quando à noite
Minhas faces morenas desmaiar;
Quando o orvalho dos anjos em meu seio
                Manso e manso cair;

Quando tudo for sombra e solidão,
Em um treno final traduz teus sonhos
Pelos ermos calados de minh’alma,
                Que ela te há de ouvir.

              S. Francisco, janeiro 1881.



Ecos Longínquos
Júlia da Costa

Quem és tu que me chamas de poetisa,
Que meu nome repetes com a brisa
Que te banha de luz o coração?
Quem és tu, bardo ignoto que despertas
Do valado as boninas mal abertas
Com teus vôos de santa inspiração?

Tua voz eu escuto pensativa
Como a voz da saudosa patativa
Que no ermo cantando alegra os ares;
És poeta, bem sei; mas onde vives,
Que saudade da pátria me revives
Com teu doce cantar além dos mares?

Poetisa não sou; guarda essas flores
Para ornar o jardim dos teus amores,
Para ornar de algum anjo a fronte linda.
Sou agreste rosal cheio de espinhos,
Pois nasci na vargem sem carinhos
Como a concha atirada em praia infinda.

Poetisa não sou; por Deus, não digas
Que meus cantos te inspiram; não prossigas
Nessa amarga ironia, ó trovador!
Canta o céu, a natura, a vida tua,
Os teus sonhos gentis à luz da lua,
Mas não fales em mim, doce cantor.

              S. Francisco, fevereiro 1881.



Súplica
Júlia da Costa

Nas noites brancas distraída eu vejo
Vagar nos mares solitária luz;
Se a lua é clara mais a luz se mostra
Do azul das ondas ressurgindo a flux.

Se a lua é clara, encarando a terra
Sinto-me triste como a dor vergar;
Pois ouço vozes que me acordam sonhos
De um outro mundo que me faz cismar.

Olho tristonha para o mar que geme
Para esse mundo que eu adoro já,
E sinto n’alma um terror sem nome
Por essa lousa que me aguarda  —  lá.

Morrer... horrível  —  ir dormir na tumba
Co’as negras tranças perfumadas inda;
Pender a fronte sonhadora e bela
No pó da terra  —  solitária, infinda.

Deixar as flores, as borboletas brancas,
O sol da vida que nos faz sorrir;
O verde laço que nos diz: —  Espera
Em face sempre de um gentil porvir.

Deixar a lira que modula hinos
Pela saudade que o tufão consome;
Deixar os risos, mocidade e crença
Pelo sepulcro  —  escuridão sem nome.

Meu Deus, a vida! eu desejo a vida
O nada é triste, a solidão medonha;
A morte é negra  —  o silêncio horrível,
Na lousa o peito ilusões não sonha.

             S. Francisco, fevereiro 1881.



Murmúrios do Crepúsculo
Júlia da Costa

Há na mente uma corda suave
Que vibrada alta noite seduz;
Que afinada nas asas do vento
Um poema infinito traduz.

Há no peito do homem que pensa
Um cantinho vestido de gala,
Que nas horas mais tristes da vida
De uma aurora fulgente lhe fala.

Há no doce marulho das ondas
Um murmúrio de místicos sons,
Que repte, soluça um nome
Em diversos e plácidos tons.

Há enfim uma voz poderosa
Que se ergue dos seios do mar,
Que nos lembra um afeto profundo
Que nos faz entre risos chorar.

Mas os prantos que inundam noss’alma
E os murmúrios que fogem do mar,
Não nos falam de sonhos mentidos,
Não nos lembram da vida um azar.

Não prometem futuros gigantes
Que esmorecem da tarde ao cair;
Só nos deixam nos lábios quietos
Um divino, amoroso sorrir!

Essas vozes serenas do ermo
Repassadas de meiga saudade,
Um só nome repetem bem alto,
Um só nome que diz  — Amizade!

           S. Francisco, maio 1881.
           Gazeta de Joinville, 1-6-1881



A Noite
Júlia da Costa

           O céu é azul, mas os pássaros são mudos.


O céu cintila, mas embalde a terra
Ergue seu brado pela noite em meio,
Dormem as aves  — a floresta é muda,
Funda tristeza nos oprime o seio!

A noite desce tenebrosa e fria
Como um fantasma pela terra nua,
E a crença expira no vigor dos sonhos,
Ao simples toque da roupagem sua.

Tudo fenece, e debalde em luzes
O céu cintila de perfumes cheio;
O mar é negro — a floresta é muda,
Dormem as aves pela noite em meio.

Embalde a noite traiçoeira e linda
Seu manto enfeita de gentis orvalhos,
Mentem os ermos que lhe dão perfumes,
Mentem as flores a tremer nos galhos.

          S. Francisco, agosto 1881. 



Noite de Luar
Júlia da Costa

A noite corria e a lua brilhava
                  Com morno clarão,
As aves dormiam no leito de penas,
Sopravam de manso as brisas amenas
                  Na grata soidão.

Sentada num bando de musgo viçoso,
                  À luz do luar
Cismava uma virgem sorrindo formosa
C’o a fronte encostada na destra mimosa,
                 Qual nauta a sonhar.

À beira das águas fitando em silêncio
                 A areia da praia,
Sorria faceira no banco de espuma
Envolta nas vestes de pálida bruma
                 Que a noite desmaia

Do céu estrelado sorvendo os orvalhos
                 Qual flor em botão;
Dormente esquecida pensava na vida
Que mansa se abria qual folha querida
                 Do seu coração.

Cheguei-me e sentei-me de manso a seu lado
                 À luz do luar;
E ela fitou-me, sorriu-se indecisa
Em face dos astros, das águas, da brisa,
                 as ondas do mar.

Depois merencória ergueu-se e fugiu-me
                De leve a correr,
Qual garça ligeira seu vôo soltando,
A mística imagem se foi ausentando
                Com triste gemer.

Afirmar-se algures que em noites caladas,
                À luz do luar,
Ressurge esse anjo  —  visão nevoenta,
Fitando a ardentia que triste rebenta
Nas praias do mar.

               S. Francisco, 1881.  

    

A Primavera
Júlia da Costa

                Poesia oferecida à redação da Grinalda


Canta o galo  —  vozeia a criação,
Surge o dia repleto de alegria
Cada arbusto traduz um pensamento,
Cada gota de orvalho, uma harmonia!

Um poema de amor ergue-se ao longe
Pelos cerros azuis da fantasia:
É a vida suave que começa
Para os filhos diletos da poesia!

Da inquieta floresta surgem eles
Enfeitados de cândidos fulgores,
E a mente sonhadora se extasia
Escutando seu cântico de amores!

É o quadro mais belo que a natura
Oferece à campina semi-aberta;
Enquanto o mar adormece em frio leito
A floresta retumba em mole festa!

Como é belo o acordar da primavera,
Como é doce o entreabrir de um belo dia,
Quando o peito se banha de esperanças,
Quando a mente se inunda de poesia.

Como é bom o viver quando a ventura
Se desdobra a sorrir na solidão;
Quando o livro da vida ainda em branco
Se entreabre buscando uma afeição.

Como é bom idear a f’licidade,
Entre as moitas cheirosas de alecrim;
Quando as aves do brejo em desafio
Manso e manso saltitam no capim.
.........................................
Esperançosos mancebos, brancos gênios
Que a “Grinalda” banhais de poesia,
Desdobrais vossas asas cetinosas
Nesta quadra de luz e de harmonia.

Sobraçai vossas liras, que a “Grinalda”
Já tão rica de viço e inspiração,
Tomará nova força entre os fulgores
Dessa luz que nos banha o coração.


             S. Francisco, janeiro 1882.   



Sons Perdidos
Júlia da Costa

Vês o céu, a campina, a natureza,
Este campo infinito de poesia?
Vês as nuvens doiradas que se agitam
Ao cair da neblina em pleno dia?

Vês as garças que pairam sonolentas
Nesta praia isolada que me inspira?
Pois, cantor, o que vês, tudo pertence
Da minh'alma sonora à rude lira.

Serenatas de brisa - vozes soltas
De folhagem bolida pelo vento,
tudo n'alma me cai como um idílio,
Tudo acolhe a sorrir meu pensamento.

Amo a terra somente pelas flores,
Pelas brumas azuis do alvorecer,
Pelas asas gentis das borboletas
Que me fazem de inveja estremecer.

Amo o céu à tardinha pelas cores
Que ele ostenta a sorrir ao pôr-do-sol;
Amo os raios da lua em noite bela...
Amo as nuvens fagueiras do arrebol.

Amo as brisas do mar - as brisas mansas
Que me inspiraram sonhos de alegria;
Que embalsama a terra onde adormeço
Ao balanço da rede em pleno dia.

A minha alma é formada de harmonias
E só vive de luz, de vibrações;
Como a flor que viceja à beira d'água,
Ela vive a cantar nas solidões.

                 Americana
                 Gazeta de Joinville, 16-8-1882.



A Noite
Júlia da Costa

O luar manso e triste além prateia
                 Do céu a imensidão;
E do mar os arcanjos luminosos,
De volúpia estremecem jubilosos,
                 À voz da criação!

Correm mansas as brisas perfumadas,
                Cantando seus amores;
E do cimo azulado da colina,
Surge triste uma fada peregrina
                Toucada de esplendores!  

Das neblinas não traja as brancas vestes,
                É triste o seu sorrir!
Mas no manto que é negro e rogaçante
Traz mil gotas de luz de um mundo errante
                Que fala do porvir!

É ela, meu Deus! a doce amiga
                Que eu vejo à beira-mar!
Quando ao longe as estrelas maviosas,
Mil centelhas desferem luminosas,
                Eu vejo-a despontar!
............................................

Desce, ó noite gentil! ó casta filha
               Da mórbida saudade!
Vem beijar-me em silêncio... o vento geme,
               Suspira a imensidade!

Já não cantam as aves... nem os ecos
               Modulam mais sequer!
Mas minh’alma inda beija as mortas folhas
               Que alastram o vergel! 

Vem, ó anjo do orvalho! doce amiga    
               De plácida harmonia,
Que me inspiram ainda longes cantos
               Nas harpas da poesia!


          Gazeta de Joinville, 27 de setembro de 1882.  



Uma Folha ao Vento
Júlia da Costa

A noite é negra  —  o areal é triste,
A praia imensa, taciturna e só!
Eu vou descalça caminhando à toa,
Me cega o vento, me sufoca o pó!

Queres seguir-me, caminheiro errante?
Eu vou em busca do meu pátrio lar!
Mas tenho medo desse mar de gelo,
Da voz do vento que me faz chorar.

Deixei meu ninho sobre a fralda escura
De uma montanha que se ergue ao sul!
E vou p’ra o norte procurar meu berço,
Ver as estrelas do meu céu azul.

Queres seguir-me? luminosa aurora
Talvez ressurja nesta note densa!
Talvez perpassem repentinas auras
Pelas areias desta praia imensa.

Talvez à sombra do arvoredo amigo
Por entre redes de cheiroso orvalho,
Possa minh’alma descansar na pátria
Como a avezinha em florido galho.

Deixei meu ninho sobre a fralda escura
De uma montanha que se ergue ao sul!
E vou pr’a o norte procurar meu berço,
Ver as estrelas do meu céu azul.

Avante! As águas remanseiam tristes,
Aragem mansa me bafeja a fronte...
Alva igrejinha entrevejo ao longe
Por entre flores de encantado monte!...

E a brisa geme, — “Paraná” — dizendo,
E os sonhos tristes remurmuram lá!
Nota dorida de uma lira amiga
A meus ouvidos silencia já!

A pátria! a páttia! Sonhadora errante
Já vejo luzes no horizonte azul!
Já na minh’alma desabrocham flores...
Adeus meu ninho... virações do sul!

Fou tudo sonho! A chorar acordo,
Olho e só vejo pelo céu a lua!
Nem praias brancas, nem aragens meigas,
Só triste a brisa pelo mar flutua!

             São Francisco, 12-11-1882.



A Noite              (Soneto clássico, em decassílabos)
Júlia da Costa

Brilha o céu, mas em vão soluça e brada
A terra ansiosa, com pueril receio!
É densa a treva; nessa paz calada
Funda tristeza nos oprime o seio!

Tudo fenece, embaixo da orvalhada
Repousa o campo de perfumes cheio!
Negro é o mar, a floresta sossegada,
Dormem as aves da espessura em meio!

Embalde a noite traiçoeira e linda
Enche de encantos os bosques e os atalhos,
E, enquanto de fulgor o espaço alinda,

Seu manto enfeita de gentis orvalhos:
Mentem os ermos na amplidão infinda!
Mentem as flores a tremer nos galhos!

            (Versão encontrada em Marinha, Ano VI, n. 56, 1882)



Harmonias do Crepúsculo
Júlia da Costa

                  O teu gênio, essa chama que cintila
                     Do sol ofusca a viva claridade.

                                      Barros Júnior



Ouvi-te tocar um dia 
A casta diva sonora
E na minh’alma a essa hora
Levantou-se uma harmonia!
No meu livro abandonado
Fui procurar esse hino
Que dedilhaste sorrindo
Aos ecos da ventania!

Em face do meu piano
Folheando o álbum meu,
Sentindo a brisa do céu
Em meu seio estremecer,
Eu a medo dedilhei
Esse suspiro de uma alma
Que interpretaste com calma
Quando o sol ia morrer!

Então eu vi-te num sonho,
Loura visão de poeta!
Rosa de um dia entreaberta
Nas horas do entardecer.
Vi-te passar altaneira
Cercada de brancas flores,
Lá no país dos amores
Em que te foste esconder!

E tua voz tão pausada,
Tão doce como um suspiro
Da fresca brisa ao respiro
Veio em minh’alma vibrar!
Então meus dedos ligeiros
Pelo teclado roçavam...
Plangentes notas vibravam
Ao ver teu vulto passar!

Bem sei, bem sei que não posso
Com rudes cantos sem arte
Da glória ao cume levar-te,
Descortinar-te o porvir!
Tu no piano és sublime,
E só me incutes desejo
De te imitar num harpejo,
De teus adejos seguir.

            S. Francisco, outubro 1883.



A...
Júlia da Costa

Por que meditas? A minh’alma vive
Cismando sempre no teu doce olhar!
Se a noite chega, te recordo em prantos,
À luz fagueira do gentil luar!

Se a noite chega, no dormir das flores,
Das flores lindas se me prende a mente!
Oh! quem me dera contemplar-te sempre,
À luz esquiva do luar fremente!

Oh! quem me dera modular-te cantos,
Por essas noites de neblina amada!
Sorrir-te à tarde, quando o sol não arde,
Beijar-te os cílios em manhã doirada!

Oh! quem me dera a primavera eterna,
Para sorrir-te no correr da vida!
Flores mimosas para dar-te em sonhos,
Entre os fulgores de uma luz querida!

Mas nada tenho... foi comigo avara
A natureza, nos favores seus!
Deu-me somente uma lira inglória,
Que vibra e escuta os soluços meus!

Aceita pois desta lira inglória,
Trovar sentido de um sonhar imenso
Não tenho flores para dar-te, ó bardo,
Mas dou-te os mimos de um amor intenso!



LVII
Júlia da Costa

Vive e sonha! Minh’alma te bendiz,
Astro lindo de amor e de saudade!
Por ti vela a sorrir meu pensamento,
e se perde a sonhar, na imensidade!

Vive e sonha! Por ti vibro inda cantos
que a descrença calar me fez um dia!
Por ti julgo rever o céu da vida,
Uma estrela sumida na agonia.



Ao Anjo da Minha Guarda
Júlia da Costa

Por que te vejo eu dormente
Como a flor à beira-mar?
Por que não falas, meu anjo,
Que mal te fez meu cantar?

Que mal te fez a andorinha,
Que esvoaça de ti perto?
Que mal te fez a minh’alma
P’rá viver neste deserto?

Eu quero a vida, essa vida,
Que sonhei perto da tua,
Entre sorrisos e flores
Ao clarão da branca lua.

O mundo me causa tédio,
Não posso viver, ai não!
Se tu me esperas no céu,
Ouve, ó anjo, esta canção:

Ouve a voz do peito meu,
Que te leva a viração
E de lá desfere um hino
Que ecoe na imensidão.

Por que não falas? Que importa
Que o mundo, o mundo te escute?
Se teu angélico canto
Só em minh’alma repercute?

Eu quero a vida, essa vida
Que sonhei perto da tua,
Entre sorrisos e flores
Ao clarão da branca lua.

Diz a nuvem do arrebol
Que fulge outra vida lá,
Que o sol, que brilha é prenúncio
De gozos que cá não há.

Quem sabe? Minh’alma diz,
Que tu me esperas no céu!
Diz-me do mar a gaivota,
Que é só meu o sonho teu.

Em minhas noites de febre,
Sempre tu a me acenar.
— não és o anjo das tumbas
Que eu bem sinto o teu olhar...

Não és visão, que eu conheço
Essa face branca e fria,
Esses cabelos doirados
Esse rir, essa harmonia.

És o meu anjo querido
Por quem tanto solucei
E que, perdido uma vez,
Nunca mais o encontrei.

Eu quero a vida, essa vida,
Que sonhei perto da tua,
Entre sorrisos e flores
Ao clarão da branca lua.

Se a rosa branca que dei-te,
Inda conserva o frescor
Por que não cantas a rosa
Da doce lua ao palor?

Se a pátria deixada um dia
Inda guarda o berço teu,
Por que da pátria distante
Já não me falas do céu?

Deixaste a pátria sem pena
Sem pena dos prantos meus!
E foste triste, sozinho
Pousar teu berço nos céus.

A noite desdobra o manto
Pia a coruja nos ares...
Mas a gaivota inocente
Ainda paira nos mares...

Oh! dize a ela que vives
Distante dos irmãos teus,
Mas que aguardas a minh’alma 
Da noite nos puros véus...

O vento cicia triste
Nas folhas do limoeiro!
Oh! a ele pede que seja
De teus hinos mensageiro!

Por que não falas? Qu’importa
Que o mundo, o mundo te escute?
Se teu angélico canto
Só em minh’alma repercute?



Últimas Quadras
Júlia da Costa


Nem uma gaivota paira
No azul triste dos mares;
Tudo é silêncio profundo
Tudo diz agros pesares.

                  3 de maio 

Tantas noites de agonia
Tanto sonho espedaçado
Tantos dias sem valia;
Tanto sol desperdiçado.

                 4 de maio

Há vozes que vibram,
Que vibram no peito
E lembram pesares
De um sonho desfeito
   
Há vozes que vibram
Que vibram no escuro
E lembram delícias
De um belo futuro.      
   
            18 de maio 1907
                  






                                            









Página Solta
Júlia da Costa

As horas caminham, esvaem-se os dias
No báratro fundo de um morno passado;
O sol esmorece,  — desmaiam as nuvens,
Por entre as estrelas de um céu adorado.

Nos mares perdido, o nauta cansado
Seus olhos estende fitando o arrebol,
E as doces imagens que a vida lhe ameigam
Lá surgem ao longe cercadas de sol!

Ditosa esperança, vestida de galas,
Lhe beija os cabelos com doce carinho,
E ele sorrindo de leve adormece,
Qual ave mimosa no flácido ninho!

As horas caminham, as aves acordam;
O nauta desperta;  —  começa a viver!...
Só a pobre proscrita sem pátria, sem norte,
Começa chorando seu mudo sofrer!

E chora, e soluça!... das aves o canto
Saudade lhe trazem de um tempo feliz
Saudades da pátria, dos sonhos ditosos
Que a mente lhe ornaram de grato matiz!
........................................

Enquanto tu vives, ó nauta ditoso,
Nas ondas sonhando venturas dos céus,
A pobre romeira, n’um sonho pressago,
Maldiz o destino, descrendo de Deus!...



Sonhos ao Luar
Júlia da Costa

Quem és tu, bardo noturno
Que me fazes meditar?...
Serás por acaso o eco
De meu triste cogitar?...

Eu também amo a saudade
Que me inspira a solidão;
Amo a lua que me fala
Do passado ao coração.

Como tu choro uma noite
De luar que se ocultou;
Como tu choro a esperança
De uma aurora que passou.

Quem és tu, bardo noturno
Que me fazes meditar?...
Quem és tu que na minh’alma
Vens de manso dedilhar?...

Serás inda a sombra errante
De uma noite que morreu?...
Meigo raio de ventura
Que em meu seio se escondeu?...

Quem és tu? dize quem és
Branca sombra lá do céu!
Diz o nome do teu canto
Que eu direi-te quem sou eu!



Noite de Luar
Júlia da Costa

Corre a noite, e branca sombra
Reclinada em mole alfombra
Vai de manso a navegar!
— Bateleiro dos amores,
Deixa o leme, deixa as flores
Vem de manso me inspirar!

— Bateleiro! Que ventura!
Nesta lira que murmura
Achei eco: — cantarei!
Vem, escuta, o canto é belo,
É um idílio bem singelo
Que das brisas imitei!...
................................
Noite bela, céu sem lua
Traz à mente que flutua
Longas cismas de matar!
Mas se tu, ó bateleiro
Pelo mar passa ligeiro,
Mais encanto lhes hás de dar!

Oh! que belo em noite calma
Quando fulge a crença n’alma
Escutar-te em soledade!...
São as brisas do levante
Haras d’um peito amante
E teu hino uma saudade!...

É minh’alma a noiva aérea 
Que do vento à voz sidérea 
Estremece a suspirar!
E teu canto, ó timoneiro,
O seu sonho mais fagueiro
Nestas noites de luar!...

Canta, canta, que minh’alma
Verga triste como a palma
Do jazigo solitário!...
Sou a noiva de teus cantos,
Vem beijar meus frios mantos
Com teu pálido sudário!...

Tudo é belo —  a natureza
Com seu pálio de tristeza
Vem sorrir ao canto teu!...
E minh’alma a noiva linda,
Com sua luz pálida e infinda
Se reclina em branco véu!...

São as brisas do levante
Harpas d’um peito amante
Que medita em solidão!
E teu canto sonoroso,
Alaúde mavioso
Dos arcanjos na amplidão!

Timoneiro, a noite é bela,
Tem a terra luz singela
Tem perfumes de encantar!...
— Solta a vela, dá-me um canto
Que revele todo o encanto
Desta noite de luar!...



Rosa de Amor
Júlia da Costa

         (Imitação)

Nós temos n’alma escondida
Como a onda além dormida,
Uma flor empalecida
Que nos beija o coração;
Uma flor pálida e fria
Repassada de harmonia
Que nos fala de poesia
Ao chorar da viração.

Tudo em roda nos sorri
Canta ao longe o bem-te-vi
Curva a fronte o sapoti
Ao passar do vendaval:
Mas a flor sempre chorando,
Vai de manso se curvando
Como o sol além tombando
Ao gemer do temporal.

Oh! que noites tão sombrias,
Que saudosas harmonias
No correr das ventanias
Não soluça o coração.
De nossa alma a luz se esvai
Como ao longe, ao longe um ai,
E ela triste, triste vai
Soluçar na imensidão.

Tudo é negro, mas nos seios
Entre mórbidos enleios,
Entre cálidos anseios,
Reverdece uma só flor.
Se pergunta-lhes tremendo:
— Quem és tu? — ela gemendo
Te responde estremecendo:
“Eu sou a Rosa de Amor”.



Sonho de Uma Noite
Júlia da Costa


     I

É noite! A viração saudosa geme,
Tem estrelas no espaço, — a terra em flores;
E entre névoas e brumas o mar brilha
Espelhando do céu áureos fulgores.

É noite, e no mar um vulto assoma,
Caminhando nas ondas mansamente;
É um batel que volteia preguiçoso
Ao clarão do luar doce, tremente.

Dentro dele, de leve reclinado
Sobre moles coxins de rósea cor
Dorme, dorme um mancebo descuidado
Entre os sonhos azuis de um puro amor.

E a brisa sacode-lhe tremendo
Os anéis dos cabelos alourados!
E a lua do céu manda-lhe beijos
Pelas asas dos zéfiros dourados!

E ele dorme e caminha! Mas o vento
N’um gemido de dor ergue-se então,
E do moço poeta o sonho lindo
Pelos ares dispersa, qual visão.

Então ele se ergue, fita o espaço,
Fita os mares, o barco, o bateleiro,
E uma lágrima de dor e de saudade
Manda ao teto que deixa  —  hospitaleiro!

— Adeus, anjo que amei! — ele murmura,
Vendo a barca voar, doce, ligeira!
— nunca mais me verás — mas a tu’alma
Sonhará com o bardo a vida inteira!

— Adeus mãe adorada! pobre amiga
Que meus sonhos doiraste na soidão!
Os favônios do sítio onde deixei-te
A esta hora de mim te falarão.

E o batel caminhava! a madrugada 
Já beijava do céu o róseo manto,
Quando o loiro mancebo no horizonte
Se sumia, co’a face envolta em pranto!...


     II

Longo tempo é passado! A doce pátria
Do poeta gentil das alvoradas,
Está muda e deserta como a lousa
Que suas crenças de amor guarda mirradas .

Longo tempo é passado! a meiga virgem
Que o chorava na noite no mistério.,
Sem ter vida no peito  —  já cadáver,
Dorme, dorme no frio do cemitério.

Fora ali no país triste da morte
Que ele a vira sorrir pura e formosa!
Fora ali que a encontrara a vez primeira
Entre nuvens de gaze cor-de-rosa!

E hoje é mudo o cipreste qu’inda guarda
Do poeta e da virgem o primo olhar
E só junto às muralhas da saudade
Se ouve triste a rolinha a soluçar.

Tudo é mudo e sem vida como a noite
Que do anjo sem vida a face gela!
Nem mais raios de sol nem alvoradas
Nem mais cantos gentis de filomela!



Um Livro
Júlia da Costa

             “Canta, canta, oh! filho da poesia.
                 Se o céu tem pérolas e a terra flores
                teu coração tem sorrisos a derramar
                por tudo que o rodeia!”


nas trêmulas brumas de noite sombria
achei um livrinho sem luz nem calor
— História de um anjo! Que fundo mistério!
Os anjos têm livros que falam de amor!

Os anjos escrevem, têm sonhos mimosos
Têm lindos cadernos que fazem chorar!
Têm livros de rosas, com fechos dourados,
Que fazem os astros de leve sonhar!

Os anjos suspiram nas loiras madeixas
Das filhas da terra que pálidas são!
Têm horas suaves de magos arroubos,
São eles poetas no azul da amplidão!

São bardos sublimes que vibram saudades
Na lira inspirada dos túmidos mares!
São meigos cantores que à luz das estrelas
Do peito saudoso dissipam pesares!

— História de um anjo! — que livro formoso,
Que lindo parnaso, que vida, meu Deus!
No meio das flores... no centro dos bosques...
Foi pena que o anjo voasse p’r’os céus!

Que livro formoso! É pena ser triste,
Só fala de lousas, de morte também!
— Que anjo descrido que deixa ventura
Que foge entre prantos p’ra o mundo d’além!

Silêncio! Não quero, não quero que saibam
Os meigos arcanos do livro gentil!
Sua capa é de rosa  —  seu fecho de flores,
Suas folhas exalam perfume sutil.

Tem riso, tem prantos, tem fel, tem encantos,
Tem frases risonhas que fazem chorar!
Tem dias formosos, tem noites sombrias,
Tem cantos perdidos à luz do luar.

Tem ecos sentidos que acordam saudades,
Que dizem venturas, incertas talvez!
Tem notas sublimes que aqui sobre a terra
Somente se escutam tremendo uma vez!



O Poeta e a Pastorinha
Júlia da Costa

Por que tu te miras no lago que corre
Se a noite sombria no monte desmaia
Por que tu descoras se o vento caminha
Beijando no manto gentil sapucaia!

“O vento que passa,
Me pode esquecer;
Eu sou ciumenta
Não quero sofrer.”

Tu és ciumenta? Que louca tu és!
Não vês que és formosa, dengosa, gentil!
Que o vento que passa pedindo-te beijos,
Te busca debalde no monte de anil?

“Me deixa em sossego,
Não queiras teimar;
Eu sou ciumenta
Não queo penar.”

Nem deixas, morena, teu vago perfume
Ao bardo que chora de leve aspirar?
Teus lábios formosos beijar em segredo,
Aos raios nitentes do claro luar?

“És louco, mui louco
Falando-me assim;
Me deixa em sossego,
Tem pena de mim.”

Mas olha que nuvem, que noite medonha
Lá vem envolvida no fúnebre véu!
A vaga se agita  —   suspiram as águas,
Ai, vem recosta-te no peito que é meu.

“Aqui, sem abrigo
Prefiro morrer
Eu sou ciumenta
Não quero sofrer.”

Que louco ciúme! que flor caprichosa
Que a morte procura na borda do mar!
— Eu dou-te minh’alma, meus cantos singelos
Se tu em meu seio quiseres sonhar!

“Não quero tu’alma,
Não quero teus cantos;
Dos anjos eu tenho
Harpejos mais santos.”

Adeus, ó pastora! teus campos eu deixo,
Tu ficas exposta aos ventos do rio!
— mas longe diviso gentil passarinho...
Que novas traz ele? Minh’alma sorriu!

“Já vês, ó poeta,
Que eu não te falava,
Sem ter uma idéia
Que firme guardava.”

Que flor caprichosa! teus vagos receios
São gotas de orvalho que brilham no céu,
Tu tens mais candura que a concha inocente
Que a concha inocente do lago sem véu.

“O bardo bem pode
Mentir no amor;
É minha divisa
Firmeza e candor.”

Então, tu desprezas meus cantos singelos,
As trovas tão lindas que dou-te a sorrir?
Não amas o bardo que sofre saudades,
N’um mundo deserto, sem luz nem porvir?

“Já disse que amava,
Só tenho um amor;
— Não sou da cidade
Meu jovem cantor.”

Então se tu fosses rainha das salas,
Mentias-me, dize, mentias-me assim?
Se em sedas custosas te visses envolta,
Não tinhas, não tinhas mais pena de mim?

“Se eu fosse coquette,
Se eu fosse bonita
Prendia-te rindo
Nas pontas da fita.”

Bem dizes, pastora! Tu’alma é singela;
Os anjos felizes não sabem amar!
Cabeças tão leves qual floco ambulante,
Só buscam triunfos no mundo ganhar.

“Se pensas assim,
Não vás à cidade;
As moças felizes
Não nutrem saudade.”

Bem dizes, pastora! contigo nos prados 
Por entre boninas feliz correrei!
— Mas tu aborreces meus cantos sombrios...
Nas liras sem cordas jamais tocarei!

“Oh! canta, que eu quero
De leve sonhar!
Sutil poesia
Me traz teu cantar.”



O Poeta
Júlia da Costa

O poeta é a flor que desabrocha túmida
Ao sol da vida que dá luz ao val
É o orvalho doce de gentil aurora
Em tímido rosal!

É o círio ardente de uma crença santa
Que o mundo aponta ao descair do dia
É um’alma crente que se une aos anjos
Em mágica harmonia

O poeta é a luz que rutila vívida
Nos verdes campos da feliz mansão!
É um sorriso que desmaia trêmulo
À voz do coração!

O poeta é o gênio que dá vida à terra,
Dá voz à brisa, dá perfume ao mar!
É o cisne lindo que desprende as asas
Em trêmulo ansiar!...



A Mocidade
Júlia da Costa

O que é a mocidade?
A rosa que a ventania
Dispersa no chão da vida,
Como a noite espanca o dia,
Como o tempo a luz do gênio,
Como a procela a ardentia,

Como palpá-la, gozá-la,
Se é tão breve o seu reinado?
Se a luz da vida é sombria
Como a fronte de um finado,
Se os sonhos da aurora morrem
Ao fogo de um sol doirado?

Como gozá-la entre risos
Na estação pura das flores
Se a humanidade é tão louca
Que se perde entre negrores,
Se o peito tem tanta vida
Se a vida tem tantas dores?

A mocidade é quimera,
É madrugada de amor!
É flor que pende, se a brisa
Do tempo lhe rouba a cor;
É um sonhar incessante,
Mas que tem muito amargor.

Entre boninas e rosas 
Se asila a dor que crucia;
Na mocidade é mais triste
A dor de um peito que ansia,
Tem mais espinhos a vida,
Mais horrores a agonia!...



Queixas
Júlia da Costa

Outrora, outrora eu amava a vida
Meiga, florida na estação das flores!
Amava o mundo e trajava as galas
Dos matutinos, virginais amores.

Que sol, que vida, que alvoradas belas
Por entre murtas eu sonhava então,
Quando ao perfume do rosal florido
Da lua eu via o divinal clarão!

Hoje debalde no rumor das festas
Procuro crenças que só tive um dia!
Minh’alma chora e se retrai sozinha,
O pó das lousas a fitar sombria!

Embalde, embalde, o bafejo amado
Da morna brisa minhas faces beija!
Meu peito é frio, como é fria a nuvem
Que em noites claras pelo céu adeja!

Embalde, embalde, no ruído insano
Das doidas festas eu procuro a vida!
Meu corpo verga... meu alento foge...
Sou como a rosa do tufão batida...



Uma Página ao Coração
Júlia da Costa

Não sou poetisa mas minh’alma em dores
Desbrocha em flores ao cair do dia!
Amo o silêncio de um passado longe
Qual ama o monge uma floresta esguia!

Amo a saudade que me infunde o dia
Amo a ardentia do oceano azul
Amo a esperança que me traz a tarde,
Quando o sol arde ao descair do sul!

Amo a lindinha que se mira esquiva
Tão pensativa no azul das águas!
Amo seus olhos, de uma cor escura 
Sua fronte pura, sem pesar, sem mágoas!

Amo a natura no bailar da terra
Enquanto a serra tem amor, tem luz!
Amo seu riso, seu trajar esbelto
Seu mar inquieto que a cismar conduz.

Adoro tudo que me chama à vida
Qual flor pendida que procura a luz!
Mas tenho medo dessa noite imensa
Que rouba a crença, que a cismar conduz!

Se triste grita a araponga ao longe,
Se a voz do monge se retrai sombria,
Na voz do mato  —  ao chorar da fonte
Eu sinto a fronte descair já fria!
.........................................

A noite, a noite! pesadelo horrível,
Tão terrível que me faz gemer!
Por entre prantos nos vergéis de prata
Ele retrata meu cruel sofrer!

Se ela chega a esperança vai-se.
A crença esvai-se como um vão sonhar!
Dançam as larvas de meu leito à beira.
Foge ligeira minha fada alvar!

Um eco escuto como a voz funérea
À nota séria do pesado sino
E o meu anjo guardador eu vejo
Em manso adejo perpassar tristonho!

E ele passa... a cabeleira linda
A sombra infinda perfumando vai!
As asas brancas desatadas soam,
Na sombra ecoam farfalhando um ai!

Depois, silêncio, pesadelo horrível,
Tão terrível, que me faz chorar!
A voz do sino  —   o cair da neve
Na praia leve do calado mar!
.......................................

Não sou poetisa, mas minh’alma em dores
Desbrocha em flores ao cair do dia!
Amo o silêncio de um passado longe
Qual ama o monge, uma floresta esguia!

Adoro tudo que me chama à vida
Qual flor pendida que procura a luz!
Mas tenho medo  dessa noite imensa
Que rouba a crença, que a cismar conduz!



Sem Título
Júlia da Costa

Pelas horas da noite harmoniosa
Quando o mar adormece  —  a natureza,
Uma saudade me vem dos tempos idos,
Desses tempos de mágica tristeza.

É no murmúrio gemente da folhagem
Que me fala a linguagem da saudade 
Eu soletro uma a uma as harmonias
Que adejaram por mim na mocidade!

Quanta vida meu Deus! quanta esperança
Quanto fogo no peito que batia!
E hoje o frio da morte, o desalento
— Triste prece d’um gênio na agonia!
..........................................

Alvas, alvas de um dia! Doces sombras
Que me inspirastes mil sonhos de harmonia!
Acolhei os meus cantos funerárias
Ao tristonho ecoar da ventania!

Andorinhas do vale! O berço meu
Longe, longe, diviso no ocidente!
Desdobrai vossas asas deslumbrantes
E levai-me, levai-me docemente.

Lá, só lá, nesse ninho esplendoroso,
Onde a aurora tem puro rosicler,
Poderei ensaiara os vôos meus,
Sem da vida provar o agro fel.



A Rosa Branca
Júlia da Costa

Tu eras a flor mimosa
Que em minha vida saudosa
Brilhavas com triste luz!
Eras a rosa engraçada,
A pérola de amor achada
No fundo do mar azul!

Eras um sonho dourado
Um treno de amor vibrado
Nas cordas da natureza!
Eras a flor mais querida
Que em minha vida esquecida
Brilhavas com singeleza.

Mas entre os hinos da festa,
Ao farfalhar da floresta
Te debruçaste no hastil!...
E o vento da triste noite
Roubou-te no duro açoite
Ao teu parnaso gentil!
Se alvo seio acolheu-te,
E calor suave deu-te
Nas sombras da solidão,
Abençoada a procela
Que fez-te, rosa singela,
Fugir do meu coração.

Mas se já murcha, sem vida,
No mundo foste esquecida
Oh! minha pálida flor.
Maldito seja esse peito
Quer à dura maldade afeito
Deu-te morte, em vez de amor!



Trevas
Júlia da Costa

Ouve-me ainda! Do sepulcro à noite
Surgem fantasmas soluçando prantos!
— O bronze geme gemedora nota...
Quero ouvir da araponga os cantos.

A tumba é fria... adormeci? quem sabe?...
Sinto-me inerte a tiritar com frio!
Minhas auroras, onde foram elas?...
Minhas auroras de formoso estio?!

Dormi  —  quem sabe?!... tanta sombra vejo!
O meu passado... o que sonhei, meu Deus!
É tudo negro  —  nem um astro ao menos,
Nem uma estrela a cintilar nos céus!

Dormi! Quem sabe!... meu sudário envolto
No pó das lousas mareou seu brilho!...
As avezinhas que eu beijava em ânsias
Seguiram loucas de saudade o trilho!

Olho e não vejo... acordada eu sinto
A alma minha se agitar na dor!
Mas são tão frias estas pedras alvas
Que minha mente já não tem fulgor!

Dormi! Quem sabe?!... já não cantam aves.
De cor, celeste, já não veste o céu!
Meus lábios frios já não têm sorrisos,
O mundo vejo por nublado véu!

A tumba é fria... adormeci? quem sabe?!...
Sinto-me inerte a tiritar de frio!
Minhas auroras, onde foram elas?
Minhas auroras de formoso estio?



Estrela da Noite
Júlia da Costa

Astro formoso, vespertina estrela
Que em noite bela me sorriste —  além!
Vem despertar-me do sonhar profundo
Que neste mundo me enlanguesce... vem!

Há longo tempo que no chão gelado
Triste cansado o meu peito jaz!
Há longo tempo que não vejo flores,
Nem teus fulgores me visitam mais!

Há longo tempo que a mudez da morte
Me aponta um norte que me faz chorar!
Há longo tempo que não ouço cantos
Nem sinto os prantos do saudoso mar!

Há longo tempo que em meu berço triste 
A sombra existe me negando os céus!
Erguer-me quero... mas não vejo flores
Nem vejo alvores que me lembrem Deus!

Astro formoso, vespertina estrela
Que em noite bela me sorriste além!
Vem despertar-me do sonhar profundo
Que neste mundo me enlanguesce —  vem!

É noite! É noite, as corujas gemem,
As ramas tremem ao tufão medonho!
Só eu te busco minha estrela amada.
Co’a fronte ornada de laurel tristonho!

Caminho sempre! meu caminho é triste,
A sombra existe, o pavor, a morte!
Mas eu prossigo... caminheira errante
Sombra ambulante procurando um norte!

A vida é nada! que me importa o mundo
Pego profundo que me causa horror!
Vago lampejo de uma crença morta.
A mim que importa, sem o teu fulgor!

Oh! fulge! que teu brilho ainda,
Tua luz infinda me esclareça o céu!
Fulge, que um dia despertando eu sinta
Que a luz pressinta no brilhar só teu!

Eu durmo! Eu durmo! Do horizonte as alvas
Nas serras calvas desmaiando vão!
A noite expira... minha alma cansa
Meu sonho avança com mortal clarão!



Página Solta
Júlia da Costa

Queres saber quem eu sou?
Meu nome queres saber?
Escuta! as brisas se abraçam 
Eu só não devo gemer!
As brisas sabem meu nome
Só tu não deves saber.

Eu sou a folha de um livro
Que tu não deves voltar;
Sou um arcano, um segredo
Que tu não podes achar;
Sou uma nota distante
Que só te faço chorar.

Eu sou a sombra doirada
De um tempo que já lá foi;
Sou o fantasma de um sonho
Que em tua mente pousou;
Sou uma folha sem nome
Que em tua mente pousou;
Sou uma folha sem nome
Que o vento forte mirrou.

Queres saber quem eu sou?
Levanta a pedra gelada!
— Eu sou a alma de um morto
Pela saudade levada
Que sigo ao longe teus passos
Pela floresta crestada.



Saudade
Júlia da Costa

Pelas horas do silêncio
Quando tudo é solidão,
Quando a mente devaneia,
Quando luz a imensidão;
Sinto n’alma uma saudade
Que me fala ao coração.

Quando à noite os bateleiros
Pelo mar passam sutis,
Quando a flor da caneleira
Beijam auras mui gentis
De meu peito os pobres cantos
Se desatam mais febris.

Pelas tardes invernosas
Quando o céu é todo azul
Quando a lua erguida em meio
Se reclina para o sul;
Eu nas trevas peço a vida,
Como pede o cego a luz.

Quando a garça sonolenta
Se espaneja à beira-mar,
Quando o sol já sem conforto
Vai nos montes palejar;
A minh’alma também fria
Vai na sombra repousar.

Meu olhar, astro sem brilho,
Vagamente se entristece!
Rumoreja molemente
Junto a mim a brisa agreste,
Corre ao longe o pegureiro,
Brilha o mórbido cipreste!

Tudo acorda!  — a natureza
Torna vestes mais gentis;
Cumprimentam-se nas sombras
Os coqueiros mais senis;
Estremecem de alegria
Em seu ninho os colibris!

Pelos ares se debruçam
As neblinas vaporosas,
Pelos campos lá se enleiam
Mil imagens luminosas;
Pela selva os vagalumes
Se entrelaçam com as rosas!

Tudo acorda   —  só eu durmo
Como a flor do rio à beira!
— Passam sombras azuladas,
Corre mansa a cachoeira...
Beija flor da carnaúba
Viração doce ligeira!

Tudo acorda só minh’alma
Chora a luz que se escondeu
Como chora o passarinho
O seu ninho que perdeu
Entre as franjas da limeira
Que ao tufão estremeceu.

Oh! meu Deus por que fugiram
Tantas luzes que sonhei?
Tantas alvas buliçosas
Que na vida eu afaguei!
Tantas palmas vicejantes
Que no seio acalentei?

Hoje tudo é ermo e triste
Como é triste o coração!
Vibra a lira que soluça
Ao passar da viração,
Verga o pálido cipreste
Modulando uma oração.

Tudo é triste como a tarde
Que no monte bruxoleia,
Como a palma do sepulcro
Que de manso bamboleia
Como o mocho solitário
Que na ermida só vogueia!



Recitativo
Júlia da Costa

Guarda-me um canto se eu morrer à noite
Por entre os ecos de tristonho harpejo!
Guarda-me um canto, pr’a viver é tarde...
Branco sudário no horizonte vejo!

Embalde vibro do piano as cordas,
Embalde a rosa me abrilhanta a face
Toda esta vida se irá mui cedo,
Como da nota o tremer fugace!

Todas esta vida acabará num sopro,
Todo este mundo que ideei se irá!
Nem mais um hino ao cair da tarde
Minh’alma fria lá no céu terá.

Não chores, anjo, criancinha linda
Que de mim perto soluçando estás!
Deixo-te a vida  —  venturosa ainda
Tu de mim longe a sorrir serás.

Deixo-te a vida  —  as estrelas lindas,
Da brisa morna a sutil fragrância,
Deixo-te as aves que criei com mimo
Deixo-te as flores que beijei com ânsia!

Deixo-te a fita que amarrei na trança
Deixo-te as rosas de uma crença fida!
Mas não soluces  —  o piano vibra...
Bem vês que é cedo pr’a morrer, querida!

É cedo, é cedo! no horizonte há flores,
Só há tristeza no meu peito  —  aqui!
Cantam as aves... que saudade tenho
Do meu passado que a chorar perdi!

É cedo, é cedo, pr’a morrer, querida,
Sou moça ainda, me fascina a terra!
Mas é já tarde pr’a suster a vida
Que vai perdida soluçar na serra!

Chora o piano, da minh'alma as vozes
Choram com ele num chorar febril!
Mas é já tarde p'r'a suster a vida
Guarda-me um canto querubim gentil!



Vi-te Passar
Júlia da Costa

Vi-te passar borboleta,
Com tuas asas gentis;
Era no mês dos amores
No mês dos sonhos febris.

Vi-te passar, os meus olhos
Seguiram o vôo teu;
Em meus cabelos pousaste
Branca avezinha do céu!

Calada, sempre calada,
Tu adejaste outra vez;
Sugando o suco das flores 
Tu me fitaste talvez.

Tiveste pena, vieste,
O que disseste, não sei;
Só sei que os prantos da vida
Em teu regaço guardei.

Depois tuas asas doiradas
Tu desataste outra vez!
E eu segui-te pisando
Formosos mundos... talvez!

Mais tarde o peito em saudade
Por ti debalde chamou!
A borboleta de um dia
Foi meiga luz que passou.



Lírio Branco
Júlia da Costa

O sol desmaia... pensativas auras
Giram nas doces solidões do céu!
Floresce, ó lírio, meiga flor, floresce
Por entre as dobras do sedoso véu!

Esparge aromas, matinais orvalhos
Aos tênues raios da bendita aurora!
Abre teu cálix que o langor definha,
Enfeita os prados da lasciva Flora!

O sol desmaia... como é doce a vida
Por entre sombras rebentando à flux!
Floresce, ó lírio, que contigo ainda
Pisarei mundos de encantada luz.

Minh’alma é o sopro da gemente aragem
Que vai perdida soluçar no mar!
Dá-lhe o perfume de tuas folhas alvas,
Enquanto o tempo não as vem mirrar!

Minh’alma é o eco que na serra vive
Por entre brumas a gemer sem fim!
Desperta os ecos, meiga flor, desperta,
Que terás hinos de tristeza... assim!...

                Itiberê, 28-12-1882



Rosa Murcha
Júlia da Costa

Recobra o viço meiga flor de um dia
Como o sol brilha matizando o chão;
Recobra o viço, a teus lares volta,
Que o exílio é triste, pois eu já senti!

Vem ver teus bosques como estão tão verdes
Como o sol brilha matizando o chão;
Vem modular-me: — inda cantam aves...
Rosa só minha, de fatal condão!

Ai! vem ao menos enfeitar-me a fronte
Quando na tumba eu jazer um dia;
Vem modular-me:  —  inda cantam aves...
O céu tem inda perenal magia!

Vem! Que meu estro emurchecido expira
Sem luz, sem seiva que lhe dê vigor;
Vem, rosa minha, no sepulcro ao menos
Ornar-me o seio com sentido amor!



Poesia
Júlia da Costa

Quando o gênio da poesia
Com seus cantos de harmonia
Me beijava a fronte ardente;
Tinha eu lá no firmamento
Entre a luz do pensamento
Uma estrela refulgente.

                  Quando a lua ressurgia,
                  Quando o sol além dormia
                  Sempre ela a me acenar!
                  Sempre a mesma morbideza
                  De seu giro de tristeza 
                  Sempre o mesmo meditar!

Ma um dia na minh’alma
Da esperança a verde palma
A chorar emurcheceu!
— Nessa noite a minha estrela
Não surgiu mais pura e bela...
Da minh’alma se esqueceu!...

                  Meu doirado paraíso
                  Meu constante e puro riso
                  Vagamente desmaiou!
                  Veio a sombra, a noite veio,
                  E o meu peito em mudo anseio
                  Tristemente suspirou;

Veio o dia, a luz beijou-me,
Veio o sol, enfeitiçou-me,
Veio a lua me inspirou!
— Dessa estrela além perdida,
A minh’alma então descrida
Soluçando se afastou!

                Noite densa! Flor sem brilho
                Em meu duro e negro trilho
                Friamente se estendeu!
                Era a flor agro martírio
                Era espinho, era delírio,
                Era a voz do peito meu!

Noite densa! Pranto imenso
Entre as flores, entre o incenso
Que subia ao criador!
— Minha estrela inda vivia
O meu sonho assim dizia
D’entre os ventos no exterior!

                   Caminhei, soltei as asas
                   Pelos campos, pelas várzeas,
                   Pelos gelos da soidão!
                   Minhas vestes cor de lírio
                   Flutuaram no delírio
                   De meu pobre coração!

Já cansada sobre a serra
Ao florir da primavera  
Fatigada me sentei!
Branca estrela refulgente
Debruçada no oriente
Vagamente divisei!

                  Era ela,  —  estrela minha
                  Com sua face peregrina
                  Com seu brilho de encantar!
                  Era a estrela que em criança
                  Com seu riso de bonança
                  Me fazia suspirar.

Desde então minh’alma sente
O prazer de vê-las sempre
Quando fulge a branca lua!
Se adormece a natureza
Ela triste em morbideza
Vem beijar-me a face nua!...   



Devaneio
Júlia da Costa

Nuvem mimosa que corres
Tão sozinha pelos ares!
Por que não desces, não vens
Ameigar os meus pesares?!...

                  Estrela que longe brilhas
                  Nos seios da cerração,
                  Por que não desces, não vens
                  Consolar meu coração?!...   

Brisa odorosa da tarde
Que embalas a flor do rio
Por que não levas minh’alma
Envolta no teu cicio?!...

                 Correm as nuvens doiradas
                 Pelo fagueiro arrebol!
                 Mas para o triste que chora
                 Não há perfumes nem sol.

Brilham os astros supensos
Pela bafagem de Deus!
Mas para o triste proscrito
Não há luzeiro nos céus!

                 Longe da pátria que adora,
                 Embalde busca ventura;
                 Nos dias idos e vindos
                 Só vê perene amargura
                 ....................................

Eu sou como a flor que morre
Por falta de viração
Sou como o pobre proscrito
Perdido na cerração.

                Ontem na infância a sorrir
                Sorria a mimosas flores;
                Hoje a descrença invadiu-me
                Da vida nos vãos fulgores.

Embalde pergunto ao vento 
Se há flores na soledade;
O vento lá foge, voa,
Se perde na escuridade!

               Embalde procuro em risos
               Fazer reviver minh’alma
               Meu eco se curva triste
               Dos mortos beijando a palma!

Eu sou como a flor que morre
Por falta de viração;
Sou como o pobre proscrito
Perdido na cerração!



Sabiá
Júlia das Costa

Perdi-te... a floresta
Tem hinos de festa
Nas aves que eu vi!
Mas eu te procuro
Das matas no escuro,
Chorando por ti!

Perdi-te... teu canto
Foi mago quebranto
Que breve passou!
Num galho distante
De arbusto pujante
Teu vôo parou!

Ó rei dos cantores
Teu bosque sem flores
Soluça... talvez!...
Desata tuas plumas
No seio das brumas
Descanta uma vez!

Ó rei das florestas,
Tuas matas desertas
Têm ecos de dor!
O inverno, que importa?
Que importa à flor morta
Teus hinos de amor?

Morreram as flores
Mas fulgem verdores
Na esteira do céu!
Formosa neblina
Envolve a bonina
Qual noiva n’um véu!

O inverno é chegado,
Teu ninho deixado
Suspira de amor!
Ó vem com teu canto
De mago quebranto
Dar sonhos à flor!

Ó vem com teus hinos 
Formosos, divinos,
A pátria saudar!
Que as loiras mangueiras
As verdes roseiras 
Te hão de abrigar!

Vem, antes que a noite
Do vento ao açoite
Se estenda a gemer!
Minh’alma vacila
A tua cintila
N’um vago tremer!

Ó rei das florestas
Tuas matas desertas
Têm ecos de dor!
O inverno que importa?
Que importa à flor morta
Teus hinos de amor?!...



Melodias
Júlia da Costa

Desce, ó noite! surge, surge
Branca sombra dos amores!
Vem beijar-me destemida,
Vem banhar-me de fulgores!

Tudo dorme e meu passado
Se transforma em pura luz!
Vem, ó sonho! brilha, oh! brilha
Brilha, arcanjo dele à flux.

Vem, oh! sonho! minha vida
Presa vive por ti só
Se adormeço, vem teu lume
Deslembrar-me que sou pó!

Se adormeço, vem a crença
Segredar-me hinos de amor!
Vem dizer-me: — Ergue-te,anjo,
Que tu’alma abre-se em flor!

E eu conheço que inda vivo
Que palpita o peito meu!
Ergo a fronte!... vejo alvores
Vejo flores lá no céu!

Vejo um mundo que deslumbra,
Rodeado de arvoredo!
Vejo tudo que almejava
De minh’alma no segredo!

Ouço as brisas do deserto
Que murmuram: — mocidade!
Ouço as aves da floresta,
Que modulam: — liberdade!

E eu me sinto tão diversa
Do que sou, que alegre eu digo:
— Se sou livre como as aves
O seu vôo também sigo!

Transmonto-me nos ares
A seguir os passarinhos
Té que em sítio estranho e belo
Eu os vejo erguer seus ninhos!

Vem, ó sonho! Eu sou a rola
Que vou lá meu ninho achar
No país das harmonias
Que tu foste me ensinar!

Vem, ó sonho! eu sou a rola
Esta noite o quero ser
Sou a rola que soluça
Lá bem longe ao escurecer.

Amanhã serei o vento
Que desperta destemido
No país das harmonias
Imitando um ai perdido.



À Minha Pátria
Júlia da Costa

Ai! quem me dera os sorrisos
Da minha pátria adorada,
Quando na serra a alvorada
Deixa seus raios cair!
Quando o jambeiro mimoso
Roja de flores o chão,
Quando no agreste sertão
Geme a rolinha de amor!

Ai! quem me dera os perfumes
Das lindas tardes de maio
Do sol ao tênue desmaio
Ir escutar seus queixumes!
Oh! quem me dera em seus rios
Que correm manos no estio
Da aurora em doce rocio
Devanear com paixão!

Inda me lembro... criança
Cheia de amor eu deixei-a
Nas noites de lua cheia
Quando as estrelas fulgiam...
A mata tinha perfumes,
A terra  —  vaga tristeza
A lua  — mortal frieza
Dos gelos na imensidão!

Inda me lembro...  era noite
Corriam os bateleiros
Em seus esquifes ligeiros
Cantando no mar... azul!
E eu chorava, deixando,
Deixando meus doces lares
Meus verdes, ricos palmares,
Minha casinha gentil!

Ai! que saudades eu tenho
Da minha mata frondosa
Quando nos prados a rosa
Faz seus perfumes sentir!
Quando a bonina inocente
Ao pôr-do-sol se ilumina,
E uma pérola aninha
Em seu mimoso botão.

Pudesse um dia minh’alma
Do vento á voz sonolenta
De amor e vida sedenta
Ir perscrutar seus segredos!
Ir escutar seus gemidos
Da aurora à luz perfumada,
Ir despertar inspirada
Em seus espaços de anil!

Ir contemplar em silêncio
Os verdes prados que outrora
À luz fagueira d’aurora
Me deleitavam de amor!
Ir despertar em saudades
Os sinos da minha terra,
Aos tristes ecos da serra
Que me acordavam na infância!

Ai! quem me dera os sorrisos
Da minha pátria adorada,
Quando na serra a alvorada
Deixa seus raios cair!
Quando o jambeiro mimoso
Roja de flores o chão,
Quando no agreste sertão
Geme a rolinha de amor!



Um Raio de Luz
Júlia da Costa

Visão pura do céu! Mágica sombra
De meu lindo passado estremecido
Que nas ondas da vida sossobrou!
Dá-me um raio de luz que a fronte exausta
Sinto morta pender qual flor sem brilho
                 De um dia que passou!

Tange a lira dos ventos aromados
Visão pura que inspiras a minh’alma
Em trenós de suavíssima harmonia!
Dá-me as crenças formosas que repousam
Em tuas asas de ouro perfumadas,
                No azul da serrania!...

Dá-me um raio de luz! A flor se inclina
À beira do riacho que murmura
Despertando em folguedo a solidão!
E o pobre sonhador que além dormia,
Já desperta do sonho feiticeiro,
               Sorrindo à criação!

Dá-me um raio de luz! a fronte pálida
Eu já sinto pender no frio gelo
De uma noite de horror e de saudade!
Sinto a vida mover-se... a natureza...  
Mas a crença me foge e me abandona
              No azul da imensidade!
........................................

Quanta pompa, meu Deus! quantos fulgores!
É minh’alma nas trevas envolvida
Como o verme no pó dos cemitérios!
Dá-me radiosa, Senhor, uma visão
Um sonhar que me aclare do futuro
             Os célicos mistérios!...

Dá-me um raio de luz! Uma esperança
Um só dia de esplêndida ventura
Entre as flores azuis do meu sonhar!
Dá-me um riso, Senhor, que me acalente
Nestas horas do dia em que soluço
            Do sol ao declinar!

Tange, ó lira dos ventos aromados
Visão pura que inspiras a minh’alma
Em trenos de suavíssima harmonia!
Dá-me as crenças formosas que repousam 
Em tuas asas de ouro perfumadas,
            No azul da serrania!...



Ecos Saudosos
Júlia da Costa

É noite festiva! nos céus azulados
A lua caminha, nos montes se alonga
Cobrindo de frocos de renda de prata
A mansa baía  —  gentil Babitonga!

As vagas se enrugam, os ventos se abraçam,
Na sombra se beijam os faunos ditosos;
Os rios desatam as vestes de espuma;
Nos ares recendem os lírios cheirosos.

É noite, e a beleza que tem o infinito
Me faz do alaúde uma corda a vibrar,
Mas é a saudade que faz minha lira
Na terra adotiva seu canto soltar.

A pátria! Só ela refulge a meus olhos
Por entre as estrelas que enfeitam o céu
A esta hora ditosa os anjos debruçam
Os louros cabelos nas ondas sem véu!

Foi lá que se abriram em doce fragrância
As flores da infância no meu coração!
Foi lá que uma fada vestida de auroras
Cantou-me no berço serena canção!

Ai, vibra minh’alma! aos ecos da noite 
Recorda saudosa teus dias de sol,
As bordas floridas dos lagos dourados
Tingidos de leve por casto arrebol!

Recorda teus brincos, teus santos afetos,
Os sonhos ingênuos do teu coração!
Recorda, recorda dos anjos que amaste
Um rosto mais cheio de doce atração.

Silêncio! não pulses meu peito, não pulses,
Só fale minh’alma que o tempo esfriou!
Só fale minh’alma que é grande, qu’é nobre
Das crenças da infância que o tempo mirrou.

É noite e a beleza que tem o infinito
Me faz do alaúde a corda vibrar!
Mas é a saudade que faz minha lira
Na terra adotiva seu canto soltar!
.................................................

— Ai! pobre exilada! tu cantas a noite
Tão longe dos bosques que deram-te amor?
Não cantes, não cantes!  —  assim diz-me a brisa
Que passa gemendo nas matas em flor.

E eu quebro da lira as cordas doiradas
Sentindo no peito pungir-me a saudade!
— Se os ecos da noite me impõem silêncio
Não devo mais cantos vibrar na soedade.



Poeta Escuta
Júlia da Costa

Poeta escuta... que murmúrios brandos
Que sons divinos o oceano tem!
Choram as vagas, a gaivota chora!...
Que tristes ecos acordar-me vem!

A tarde desce de volúpia cheia
O sol sem vida no horizonte cai!
A brisa morna na floresta acorda
A rosa branca no vergel se esvai!

O frio lago se intumesce lindo
Ao doce afago do rosal cheiroso!
A triste rola no mangal soluça
Sentidas queixas de um amor saudoso!

Poeta, escuta... que murmúrios brandos
Que sons divinos o oceano tem!
Choram as vagas, a gaivota chora!...
Que tristes ecos acordar-me vem!

Eu vivo, eu sinto em minha fronte morna
Pousar um raio do horizonte azul!
Mas olha, escuta... que lamentos tristes
Nas asas traz a viração do sul!

Há tanto aroma pelo céu sem nuvens
Porém eu sinto... o que sinto eu?
Talvez um raio desse sol que morre
Busque aquecer-me amanhã no céu.

Poeta, escuta... que murmúrios brandos
Que sons divinos, o oceano tem!
Choram as vagas, a gaivota chora!...
Que tristes ecos acordar-me vem!

Eu sinto, eu sinto a minh’alma em flores
Co’as andorinhas revoar nos céus!
O gondoleiro pelo mar passeia...
Bellini acorda nos cantares seus!...

À luz dos astros tremulante bela
Vem aquecer-me a madeixa fria!
O manto aéreo do crepúsculo amado
Cobre a palmeira que se ergue esguia!

Poeta, escuta... que murmúrios lindos
Que sons divinos o oceano tem!
Choram as vagas, a gaivota chora!...
Que tristes ecos acordar-me vem!

O mar soluça, a gaivota geme
No seu gemido, que soletro eu?
Um nome apenas, que acordando os ecos
Vai longe, longe se perder no céu.
..........................................

Saudade dizem os vergéis de prata
As loiras brisas, o horizonte azul!
Saudade ainda me repete o vento
Que sopra ao longe nos vergéis do sul!...






                                          









Íntima
Júlia da Costa



É doce derramar no ambiente perfumado, quando a lua fulge e o coração palpita, as emoções suaves da alma, os sonhos maviosos do coração!

Não há nada mais doce para o poeta do que ouvir em uma noite de luar, a toada melancólica do pescador que passa, o cadenciar sonoro das ondas que murmuram! Há no cantar singelo do barqueiro, que suspira, um quê de melancólico, que nos faz pensar na pátria e na família!...
Eu também já estremeci de prazer e de emoção à suave cantilena do barqueiro que passava! Mas hoje, todas essas aspirações de gozo que turbavam a minha alma desapareceram como sombras aos embates do destino!...
Tudo passou, só ficou-me dentro d’alma a lembrança de uma noite de mágico luar!...
............................................................

— Miragem feiticeira de um sonho que morreu!...


 — Lembrança luminosa de uma imagem que fugiu — acolhe-te chorosa nesta página sem nome que atiro às ventanias que rugem no deserto!...



                 (Itiberê, Bouquet de Violetas)









                                       









I

Alegra-te... o céu é azul e os pássaros cantam.


II

Crê e espera. Em tua fronte brilha a luz do gênio... teus cantos alegram a minh’alma...


III

Emudeceste? Acaso iludi-te o coração? Quem sabe?


IV

Vive e sonha! Minh’alma te bendiz
Astro lindo de amor e de saudade!
Por ti vela a sorrir meu pensamento,
E se perde a sonhar, na imensidade.
...............................................

Vive e sonha! Por ti vibro inda cantos
Que a descrença calar me fez um dia!
Por ti julgo rever no céu da vida,
Uma estrela sumida na agonia!


V

Sonha, sonha, ó filho da poesia!
Se o céu tem pérolas e a terra flores, teu coração tem sorrisos a derramar por tudo que o rodeia!
Sonha, e deixa o mundo revolver-se no materialismo de um século que tudo brutifica!...
Ama-me sempre, oh! filho da minh’alma! Mas não reveles a ninguém o sigilo do teu peito!
Teu amor é puro como tu’alma, portanto, é preciso divinizá-lo,
Para que ele seja eterno!
Ama-me sempre, mas com um amor todo espiritual, com um amor, que não perturbe a paz do meu espírito.
Compreendes-me? Perfeitamente.


VI

Tua poesia é terna como teu coração.
Bem desejava escrever-te longamente sobre ela, mas não posso.
Creio na pureza do teu amor, creio em tudo o que me dizes...
Em tua carta, falas-me de uma estrela ... tenho ciúmes dela...
Se tens saudades do passado, é porque não confias no futuro.


VII

Amanhã responderei. Enganas-te completamente comigo. Eu nada revelei. És ingrato, muito ingrato.
Meu coração sofre... minh’alma padece.


VIII

Escuta-me, e depois condena-me se quiseres.
Ontem me fizeste sofrer muito.
Eu nada revelei; dou-te a minha palavra, é quanto basta.
Divulgar o teu amor, seria trair-me.
Pedi que te acautelasses, não colocando tuas cartas senão à noite; não me compreendeste, e fugiste de mim, não me aparecendo nem mesmo à tardinha.
És ingrato, repito. Fazes uma idéia muito triste do meu amor.
Nossa correspondência será sempre ignorada, enquanto a não divulgares. Só duas pessoas sabem do segredo; eu e tu; vulgarizado ele, está claro que um de nós faltou à promessa.
Não serei eu, por certo.
Amo-te muito, mas teu nome só se debruça em meus lábios nas horas de oração.
Adeus, não me fujas...


IX

Ontem, fui feliz por momentos...
Onde estava? Não sei. Sonhei muito, sonhei muito... depois veio o silêncio e o despertar monótono dos sonhos...
Desejava falar-te, mas como? Como, se o impossível me cerca?
Amo-te, ó filho da minh’alma!
Agora começo a vida, mas essa vida do coração que se confunde com o perfume das flores e com o murmúrio dos ventos...
Abençoado sejas tu, que me fizeste sentir o amor, esse fantasma errante, tantas vezes procurado em meus sonhos de criança!
Adeus.
Desculpa escrever-te a lápis, há sobre mim vigilância extrema.
Amanhã, é o primeiro de julho; espero uma poesia, ouves?



X

...

Nunca acreditei no destino, mas hoje curvo-me ao seu império.
Conheço que te amo; não com esse amor árido de sociedade onde o cálculo é tudo, mas com um amor imenso, imenso como o infinito!
Nunca amei senão agora, acredita. Tenho tido muitos caprichos, mas amor nunca senti senão por ti.



XI


Escuta
Júlia da Costa

Teus cantos são gotas de puros orvalhos
Que descem sorrindo dos seios de Deus...
São notas aéreas vibradas ao longe,
Por dedos de arcanjo, nos prados dos céus.

São folhas caídas dos galhos mimosos
Das lindas roseiras no quente verão!
São doces prelúdios de um’harpa que chora
Que fala, que vive, no meu coração!
.................................................................

São trenos sublimes que lançam minh’alma
Nas cismas suaves de um mundo de amor;
São auras travessas que passam, repassam,
Chorando, cantando, da lua ao palor.
.................................................................

Teus cantos, poeta, me enlevam a mente,
Ao sopro aromado das brisas do sul!
Me falam de vida, de amor e ventura,
Do mar prateado — do céu tão azul.

Me falam de um mundo que os ventos queridos
Lá beijam sorrindo nas serras de além!
De um mundo habitado por gênios que vivem,
Que vivem, que sonham que cantos só têm!

Eu amo teus cantos, teus cantos sublimes
Que em vagos desmaios me falam de amor!
Eu amo teus risos que per’las descobrem,
Que fazem meu seio pulsar com fervor!

Teus cantos, poeta, me enlevam a mente,
Ao sopro aromado das brisas do sul!
Me falam de vida, de amor e ventura
Do mar prateado — do céu tão azul!

                               1º. Julho 1870


XII

Entristece-me, com a descrição  do teu passado. Meu coração se encheu de lágrimas escutando as vozes de tua alma...
És severo demais em tuas apreciações: o mundo escarnecer-te? pagar-te os risos com chufas? Não, perdoa-me; o mundo, meu amigo só tem para aqueles que o desprezam o rir da indiferença. A sociedade não pode zombar do homem talentoso.

Deixemos o mundo: que nos importa ele o todo seu cortejo de pálidos espectros?
Que temos nós, moços e inda crentes, com o passado que vai longe?
Alegra-te, que meus olhos não descubram em tua face um vislumbre de tristeza, que meus ouvidos não escutem no silêncio um frase de ironia.
Não me fales do passado, ouves? Fala-me do futuro, de teus sonhos, de tuas aspirações, de teu amor...
O horizonte de nossa vida é vastíssimo. Não precisamos das riquezas da terra, nem dos incensos de um mundo que desprezamos.
Adeus. Escreve-me ainda hoje duas linhas.


.................




XLII

................ 

Em que pensas, anjo meu, que já não te lembras mais da tua pobre amiga? que motivo poderoso te força a tratar-me com tanta reserva, com tanta indiferença? Arrefeceria o teu amor em quatro meses apenas? Não creio. É tal a confiança que em ti deposito , é tal a ligação que existe há cinco anos entre nossas almas, que até me parece um sacrilégio suspeitar de ti. No entanto há momentos  para mim de dúvida cruel... qual é o motivo do teu silêncio? Por que a tristeza substituiu ao teu ao teu sorriso habitual, a esse sorriso que abria-me o paraíso na terra?
Fala! Que a tua voz meiga e sonora cale dentro de minh’alma! Fala, meu pobre noivo, diz o que sentes, confia ao meu coração o segredo da tua vida!

................ 


XXXVIII

Oh! por piedade!... Eu escanecer-te, zombar do teu amor? Nunca! Meu coração soluça, recordando tuas palavras!...
Ontem fui três vezes ao lugar aprazado e não te encontrei! Tomo a Deus por testemunha que avanço... fulmine-me a sua cólera se falto à verdade. Minha ausência foi notada, e eu repreendida asperamente... isto, ainda mais excitou o meu amor...
Hei de falar-te filho, não hoje, porque absolutamente não posso, mas qualquer noite em que estejam os ânimos mais calmos.
Deixa que Diana procure outros climas e que seja esquecida minha primeira tentativa.
Eu te falarei, sou em quem t’o digo. Se me amas verdadeiramente, não esmoreças com a delonga.
É preciso que sejam olvidados meus passos de ontem à noite. Exigir o contrário, é perder-me...
Adeus. Envio-te uma lágrima das muitas que me fez derramar a leitura de tua carta...
Escreve-me amanhã; diz-me se acreditas ou não no que te digo; prolonga, ou ameniza o meu martírio... aponta-me a esperança ou o desespero.  



XLIII




Vejo-te ainda, querido de minh’alma!...

Oh! pudesse eu apertar-te contra o coração, beijar-te os lábios, prodigalizar-te mil carícias!... Nunca, nunca senti tanta saudade como agora. Às vezes desejei transpor mares. Chegar a ti e dizer-te: — Sou tua! Acolhe-me em teu seio, porque minha existência foge! —
Mas agora torno a ser feliz, verdadeiramente feliz, porque estás ao meu lado. Logo que te veja, contento-me com o presente sem me importar com o futuro. Abençoado sejas, anjo meu! Não sei como posso conter minha alegria! Ela transborda em meu coração em torrentes de harmonia. Sinto-me tão feliz que até tenho medo de tanta felicidade.
........................................................


Tenho tanta vontade de falar-te... é um precipício, mas para nós existirá o impossível? Creio que não. Deus que conhece a pureza do nosso Amor nos abandonará nesse momento? É tanto o desejo que tenho de ver-te um minuto, de aspirar o teu hálito... de contemplar-te de perto... Oh! mas isto é uma loucura! o amor cega-me a ponto de eu desconhecer os perigos que nos cercam!




Conservo ainda a derradeira carta que me escreveste. Quem me dera esse futuro de alegrias que me prognosticas! Amo-te, e a grandeza deste amor tu compreendes. O segredo de minha vida, só tu o sabes. Tu foste o noivo escolhido por minh’alma, não posso morrer sem que se realize o sonho embriagador que me afaga o coração.

Se me fores fiel, juro-te em nome deste sol que nos ilumina, em nome de Deus, que nos ouve que serei tua um dia, custe o que custar. Se Deus demorar a realização do nosso sonho, então pisarei todos os preconceitos da sociedade, e serei tua embora no centro das florestas, longe do mundo, longe de tudo que possa lançar-me em rosto o excesso da minha paixão.
Fala-me sempre do passado; mas, por piedade, em nome deste amor infeliz que me inspiraste, eu te suplico! Não me lembres mais esse tempo maldito, em que julgando-te ingrato, procurei o atordoamento do espírito no bulício dos festins. Esse tempo passou, e não deixou vestígios. No meu caso, farias o mesmo. — Guardar-te toda a virgindade da minha vida, calcar aos pés o amor que me ofertavam, gastar as mais belas noites da minha mocidade a chorar por ti, e um dia saber que tu, o homem por quem eu vivia e soluçava, saber que tu amavas a outra mulher! — Oh! é terível de pensar! Confesso que procurei tirar-te do meu coração, mas não creias, querido da minh’alma que o bafo impuro desses homens corruptos, como dizes, manchasse a candidez de minhas vestes. Não! Quando arrastada pelos cabelos fui conduzida aos altares, fitei o crucificado que com os olhos cerrados não podia ver tanta maldade, e sem saber por que tornei-me insensível a tudo.
Esqueci-me até desses momentos de delírio, em que sozinha no meu quarto, pensando no dia do nosso noivado, envolvia-te n’uma adoração vaga e duvidosa.
Só tive forças para lutar e nada, mais. Já vês que a mulher que tem forças para lutar assim, não sucumbe por um capricho de vingança. O coração sem amor, cheio de mágoas e de recordações pungentes, não tomou parte nos devaneios da imaginação.
Tu foste o único homem a quem amei. Por ti me perderia... por outro, nunca!
Não sei ainda como te jogarei esta carta. Mas as tuas devem chegar a mim pela janela do meu quarto de dormir. Isto é, a que ficar aberta. Antes de deitar-me, deixarei preso a ela um cordão; podes prender nele a carta; alguma hora eu suspenderei. É a única janela que posso deixar aberta sem causar suspeita, visto estar sempre fechada por dentro. De outra forma, corremos muito risco...
Aquela noite foi o nosso anjo da guarda que velou por nós. Escreve-me sempre, que eu também te escreverei. Tenho muita coisa que contar-te, muitas perguntas a fazer-te; enfim, é tal o turbilhão de idéias que não posso expressar-me n’uma só carta. Boa noite querido... não me ouves mas eu te escuto aqui dentro do meu coração, porque tua alma é a minh’alma , tua vida é a minha vida.




XLIV


“Vem, meu lindo poeta! pobre noivo
“De meu triste castelo que tombou!
“Vamos juntos erguer nossa casinha
“Entre o mato florido que ficou.

“Olha, eu tenho inda o véu com q’adornei-me,
“Tenho a flor com q’ornei-me p’ra te ver!
“Vamos juntos formar o nosso ninho
“Do favônio gentil ao estremecer.

“Tu és loiro e formoso! eu te idolatro
“Como a mãe ao filhinho que criou!
“Como a rola a floresta que lhe acorda
“Uma quadra amorosa que passou!

“Vem, meu jovem poeta! — Vamos juntos
“Levantar nosso ninho que pendeu!
“— Nossos tristes filhinhos nos esperam
“Entre o orvalho da rosa que morreu.

“As laranjeiras se vestem de mil flores.
“Os vagalumes se acendem na espessura
“— vem meu noivo querido! é hoje, é hoje,
“Nosso dia de amor e de ventura!

“Deixa, deixa esta pálida tristeza,
“Nossa casa gentil vamos ornar!
“— Plantaremos na porta mil roseiras
“Cantaremos, meu anjo, à beira-mar.

“Vem, meu jovem poeta! vamos juntos
“Levantar nosso ninho que pendeu
“— Nossos tristes filhinhos nos esperam
“Entre o orvalho da rosa que morreu.

“Quero a vida sorver n’um beijo teu,
“Quero a mágoa esquecer n’um teu respiro
“Quero sonhos doirados da existência
“Lá, só lá converter n’um teu suspiro!

“Vem, meu lindo poeta! pobre noivo
“De meu triste passado que tombou!
“— Vamos juntos erguer nossa casinha
“Entre o mato florido que ficou!

             (Poesia recebida por Carvoliva em 22-11-1874)





Nota do EM: 


Este livro – Poesia – Júlia da Costa, de Zahidé Lupinacci Muzart – inclui as 44 cartas que Júlia da Costa  enviou para Benjamin Carvoliva (algumas em forma de poemas), as quais foram inicialmente reproduzidas no livro da pesquisadora paranaense, Dra. Rosy Pinheiro Lima (1953), que, segundo Zahidé Lupinacci Muzart, “... num trabalho pioneiro de resgate de vida e da obra da poetisa as descobriu, no Rio de Janeiro com o neto de Benjamin Carvoliva. Como, infelizmente, à época não havia a facilidade da reprografia, a pesquisadora, depois de consultá-las e transcrevê-las, devolveu as preciosas cartas ao proprietário. Ele faleceu, pouco depois. Segundo informações de Rosy Pinheiro Lima, as cartas e bilhetes, constantes de seu livro são cópias absolutamente fidedignas dos originais. Por outro lado, como a edição de seu livro (de 1953) já está há muito esgotada, nossa autora, benevolente, permitiu-nos incluir esse material na presente edição."





7 comentários:

  1. Depois de ler "Medo e Pena", depois de ler alguns versos da poeta Júlia da Costa, não há como passar em branco, faz-se urgente conhecê-la!

    Èmily Bourdon


    ..."Tenho medo da vida e mocidade
    Que me pulsa a ferver no coração!
    Tenho pena do tempo que se escoa,
    Tenho medo, meu Deus, da solidão!
    Da nitente alvorada tenho pena!
    O vôo seu quisera equilibrar!
    Tenho pena das aves que modulam
    Na palmeira deserta o seu trinar!" ...

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  2. Minhas caras Regina e Ilka. Que alegria a minha quando, no primeiro toque, consegui. após ler a magnifífica apresentação do Expressão Mullher, abrir neste meu arcaico computador, esta página belíssima da poetisa Júlia da Costa. Quanto a aprender com a simplicidade, com a pureza, com a clareza de pensamentos que se percebe após a leitura de suas obras.Um avesso tão bem delineado nas linhas puras mas sem ingenuidade, nos contextos claros, nas visões sem borrões. Amor, saudade, ilusão, vida e morte... Tudo presente! Meu aplauso aqui, à poeta que deve estar brilhando no firmamento, bem como a vocês, amigas que amo e admiro, por tão primoroso trabalho. Carinho meu, sempre. Cleide

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  3. Jamais li uma definição tão perfeita! Assim é a mocidade:
    (e quem a tem, quem ainda pode aproveita-la que a faça com sabedoria)
    Este blog é maravilhoso!
    Rui Costa

    A Mocidade
    Júlia da Costa

    O que é a mocidade?
    A rosa que a ventania
    Dispersa no chão da vida,
    Como a noite espanca o dia,
    Como o tempo a luz do gênio,
    Como a procela a ardentia,

    Como palpá-la, gozá-la,
    Se é tão breve o seu reinado?
    Se a luz da vida é sombria
    Como a fronte de um finado,
    Se os sonhos da aurora morrem
    Ao fogo de um sol doirado?

    Como gozá-la entre risos
    Na estação pura das flores
    Se a humanidade é tão louca
    Que se perde entre negrores,
    Se o peito tem tanta vida
    Se a vida tem tantas dores?

    A mocidade é quimera,
    É madrugada de amor!
    É flor que pende, se a brisa
    Do tempo lhe rouba a cor;
    É um sonhar incessante,
    Mas que tem muito amargor.

    Entre boninas e rosas
    Se asila a dor que crucia;
    Na mocidade é mais triste
    A dor de um peito que ansia,
    Tem mais espinhos a vida,
    Mais horrores a agonia!...

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  4. Como passar imperceptivelmente por isso:

    'Não pode uma flor que cresce entre estufas, sem sol, sem orvalho, estender seus ramos e perfumar os campos, com os gratos perfumes das flores da primavera.

    Assim é o meu estro."

    Júlia da Costa me parece ter um coração navegante de sonhos, mas que muitos impedimentos o manteve ancorado. Aí, enriqueceu seu romantismo, deixou voar muitas coisas em seu lugar, mas seu coração continuou ancorado.
    É muito lindo o seu estilo de expressão.
    Tenha Júlia da Costa a luz merecida sobre seus versos!

    Com afeto,
    Soraya Rangel

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  5. O que é a vida? Melhor definição do que a que nos foi trazida por Júlia da Costa, IMPOSSÍVEL!!!!
    Mas o poema Súplica foi o meu favorito! Haveremos sempre de escolher o poema que leva a nossa alma a identificar o seu autor e assim é como Júlia da Costa, sua Súplica fará com que eu a encontre tanto na terra quanto se Deus permitir também no céu.

    Obrigada, Expressão Mulher, pois Júlia da Costa ainda me fará muitas vezes enxergar flores em solo seco.
    Bjus,
    Raquel Nonatto

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  6. Regina e Ilka, aqui estou em estado de graça lendo Júlia da Costa. E só posso confirmar o que vocês tão lindamente descreveram na apresentação do Expressão Mulher.

    "JÚLIA DA COSTA é a Eterna
    brasileira, triste e terna,

    em versos tão musicais,
    que a sua dor vai bailando,
    enquanto as letras, chorando,
    sua história vão contando
    por entre poemas e ais.


    Recebem os meus aplausos e toda a minha emoção.
    Parabéns amigas queridas!
    Beijos com muito carinho e afeto,
    Sandra


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  7. Humberto Rodrigues Neto17 de nov. de 2013, 16:44:00

    A versatilidade da poesia de Júlia da Costa tem, sim, muito da jovialidade e alegria dos versos de Casimiro de Abreu, conforme cita o seu crítico literário Antônio Cândido, quando ela aborda temas subordinados às belezas naturais, como os rios, os mares, as flores, os pássaros e o firmamento cravejado de astros. Todavia, lembram um pouco o estilo de Alphonsus de Guimaraens – o poeta da morte e da melancolia – pela angústia e o tom algo lúgubre que imprime a vários de seus poemas, característica que se torna patente mesmo quando descreve, com raro e surpreendente lirismo, o perfume e a beleza de uma flor, o gorjeio de um pássaro ou a magia de um céu estrelado, não deixando de sublinhar, em muitos deles, o contraste existente entre as maravilhas que a extasia e a tristeza sem termo que povoa o seu viver. Isso decorre, claramente, da conturbada vida amorosa que teve, plena de sucessivos desencantos e seguidas decepções. Reconheçamos, porém, que toda a sua poesia é de excelente nível, porquanto conhece muito da arte do bom versejar e fá-lo com extrema perícia, merecendo, sem dúvida, ter seu trabalho resgatado pelo tirocínio de Regina Coeli e a técnica ilustrativa de Ilka Vieira, à quais estendo meus calorosos cumprimentos.

    Humberto - Poeta
    São Paulo (SP)

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