PATRÍCIA NEME (Brasil)



























Poemas do livro “TEMPOS”, no prelo.

I

Verde-amarelo o chão que a dor irriga,
quando a chibata ruge, prepotente;
o sangue escorre,
corre...
E a terra,
em reverência à agonia,
pariu Maria.
Não a louvou o murmurar de uma cantiga;
não houve colo a lhe manter o corpo quente.
Assim, sozinha,
amarga vida ela percorre
e alheia à sina
que não porta regalia,
Maria é alegria.
Guerreira, solidária, alma forte,
batalha até viver a própria morte
e faz-se renascer a cada dia.
Verde-amarelo...
No chão,
onde o racismo inda perdura,
Maria, negra,
aposta na ventura.
E mais que um nome santo
ela é a imagem...
Da coragem!



II


Não ouvem, do Ipiranga,
às margens plácidas,
o grito retumbante da Eliza.
E o sol da liberdade não aflora
no céu da negra noite de Isabella.
Não houve qualquer chance de igualdade
e Mércia pereceu por braço forte,
tragada em água turva, até à morte.
Ó pátria, tão amada, idolatrada...

Das filhas que te habitam,
sonhos vívidos,
porque o deleite, a sede pelo sangue
de todas as Marias desta terra
cujo destino é sempre tão hostil?
Da pátria amada, idolatrada,
Deus, nos salve...
E salve a adolescente que é estuprada,
a jovem, cuja vida é massacrada,
a idosa, com machado assassinada.
Acode-nos, Senhor, misericórdia
das mães e filhas deste chão Brasil.
Que um raio de esperança até nós desça,
e a luz que há no Cruzeiro, prevaleça.



III

Efêmero momento,
de amor -  como é chamado,
e o corpo se dilata,
o ventre cresce;
é a vida explodindo em som calado,
é todo o universo condensado,
no pequenino ser que, em mim, floresce.
Milagre que extasia
– será real, ou mera fantasia?
meu coração ecoa compassado;
sou ponte entre o presente e o futuro,
sou nada...
E, também, porto seguro,
sou hoje, amanhã e sou passado.
Na dor que dilacera,
como semente a se romper em primavera,
me sinto tão maior,
enaltecida!
Sou mãe!
Como mulher, complementada!
Maria,
a que foi santificada!
Sou fonte,
sou princípio...
Eu Sou vida!



IV

Maternidade...
É gota de vida
no chão do meu ventre,
filete de sonho
num manso surgir.
No peito ninado,
ao canto do vento,
no sono da estrela,
em sóis a surgir.
Riacho maroto,
que corre, travesso,
nas horas vividas
do meu existir.
Seu leito eu preparo
num gesto de afago,
com pranto, com riso,
com fé no porvir.
Meu ribeirão cresce,
pujante, altaneiro,
em força, em desejo,
de pleno fluir...
E a margem que eu traço,
limita a corrente,
põe formas, medidas...
Dá rumo a seguir.
Mas chega o destino,
contando as histórias
de novas paragens,
de um outro expandir...
E em quedas, ou glória,
meu rio se lança
buscando a quimera
então, descobrir....
E a mim, só me resta,
a prece silente,
corpo, alma, presentes...
Quando ele pedir!



V

Perpétuo moto,
já nem sei des’quando...
Filhos – são três;
mas quanta agitação.
Na mesa farta, um indicativo:
sou cozinheira de forno e fogão.
A roupa suja brota das paredes,
que alguém decora com marcas de mão;
eu lavo, passo, dou alguns pontinhos,
faço bainha, reprego botão.
Molhar as plantas,
faxinar janelas,
lavar banheiros,
arear panelas,
na sexta-feira, encerar o chão.
Na correria, pão de cada dia,
num volteado, olho no espelho,
e estranho o rosto, de funda expressão.
Onde o frescor do traço adolescente,
o ar maroto, quase irreverente?...
E o meu cabelo... Tornou-se algodão!
Então, sorrio ante tal surpresa:
se foi o Tempo – e que indelicadeza,
nem me falou da sua afobação!



Sonetos do livro “SONETOS EM DOR MAIOR”

A Um Poeta
Patrícia Neme


Quem é esse que, em versos, minh´alma desperta
e que a faz se perder em mil tramas de amor?
Como pode entender a carência encoberta
e meu sonho mais caro em soneto compor?
 

Quem me vê tão desnuda e nas rimas me oferta
os anseios perdidos nas brumas da dor?
Quem me sabe encontrar de maneira tão certa...
quando eu não mais ousava venturas supor?


Quem me faz suspirar, quem meu peito acelera,
onde está esse alguém, que me exila na espera...
No desejo, saudade... onde achá-lo, afinal?


Ah!, Poeta... Eu quisera de ti ser a musa,
em teus braços viver para sempre reclusa,
embalada ao cantar de gentil madrigal!



Até que...
Patrícia Neme


Se o amor, por fim, resolve se achegar...
Vou enfeitar com flor o meu cabelo
e me banhar em gotas de luar;
vou me vestir com mimos e desvelo.


E sorrirá o mundo em meu olhar,
nos girassóis, meu riso a recebê-lo.
Quero jasmins embevecendo o ar
e uma viola, ao longe, em doce apelo


para que venha logo, sem demora,
nesta janela estou, já desde a aurora...
Meu coração palpita, com furor.


Minha esperança ruma à eternidade...
Asas abertas... Voo à liberdade...
Até que chegue o amor... Sou beija-flor!



Soneto da Saudade
Patrícia Neme


O céu desperta triste, em tom cinzento,
qual lhe fora penoso um novo dia;
aos poucos, verte, em gotas, seu lamento...
Um pranto ensimesmado, de agonia.


Um rouco trovejar, pesado, lento,
parece suplicar por alforria,
num rogo já exangue, sem alento...

A chuva... O cinza... A dor... A nostalgia...

O céu despertou triste... O céu sou eu,
perdida num sonhar que feneceu,
sou prisioneira à espera de mercê.


Sonhando conquistar a liberdade
desta prisão, que existe na saudade...
Saudade, tanta, tanta... De você!


 
Noites
Patrícia Neme


Em todo entardecer escuto passos,
na estrada que se achega ao meu portão;
embora haja penumbra, vejo os traços
dos andarilhos... Deus! E quantos são!


Na casa, se assenhoram dos espaços,
percorrem cada palmo do meu chão.
Semblantes - de ventura tão escassos,
contemplam-me... E na dor me envolvo, então.


Porque nos olhos meigos dos meus sonhos,
o amor sulcou caminhos tão tristonhos,
onde apenas saudade floresceu!


À noite, em rito insano de agonia,
unidos, sonhos, eu... E a nostalgia...
Ninamos o que nos restou de teu.



Partida
Patrícia Neme


Agora... A vida já se perde no horizonte
finda a existência... O sol repousa... Calmaria...
La nave va, ao som do remo de Caronte,
< pra trás restaram ilusões e fantasia.

 
Recordo a vinda... Fomos Luz da mesma fonte,
centelhas gêmeas, gotas da infinda harmonia.
Mas o destino, num cruel ato de afronte,
nos relegou ao desamor da ventania. 


E nos perdemos nos desvãos da caminhada,
nos esbarramos, por instantes... Só... Mais nada...
Outra vivência sem estar nos braços teus.


Mia nave va... Contemplo além deste momento...
Eu sei que, um dia, existirá merecimento...
E além do tempo, não diremos mais “adeus”!

7 comentários:

  1. Hilda Monteiro Sanches1 de set. de 2012, 09:47:00

    Parabéns, poeta Patrícia, sua sala está convidativa com rosas brancas sobre a mesa e você recitando um lindo Soneto da Saudade, onde " o pranto ensimesmado de agonia" também traz a chuva e ela há de lavar a dor , o cinza e agonia...
    Gostei da sua poesia e deixo-lhe meu abraço de admiração.
    Hilda Monteiro Sanches

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    1. Olá, Hilda,

      agradeço sua presença em minha sala (chique isso, né? rsrs)e o carinho de suas palavras.
      Seja bem-vinda também em

      www.patneme.blogspot.com.
      Beijo,
      Paz em Deus.

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  2. Humberto Rodrigues Neto4 de set. de 2012, 19:26:00

    Prezada Patrícia Neme: É assaz gratificante comentar poesias, mormente quando procedem de quem entende do assunto. A rima certa, o arranjo quase matemático dos vocábulos, a sequência clara e ordenada dos sentimentos que desejas externar são procedimentos que só os grandes poetas logram conseguir. E tu os desenvolves com extrema perícia! É gostoso ler o que escreves. Meus parabéns por tão belas joias literárias.

    Humberto-Poeta

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    1. Humberto,

      eu agradeço.
      Teu incentivo me comove.
      Sempre bem-vindo ao meu "cantinho", também em
      www.patneme.blogspot.com

      Beijo procê.

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  3. Patricia, querida amiga, tua sala está linda, delicada! Eu já tinha visto que estavas aqui, mas esperei para vir com tempo de te reler, o que é sempre um prazer para mim, e deixar meu apreço e carinho.
    Beijos.

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    1. Amiiiiga!

      Fico feliz por também estares conosco nesse recanto de harmonia.
      Beijo.

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  4. Este comentário foi removido pelo autor.

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