JOÃO DE CASTRO NUNES com FERNANDO PESSOA


O Amor...

O amor é um sonho que chega para o pouco ser que se é.
Amar é cansar-se de estar só: é uma cobardia, portanto, é uma traição a nós próprios (importa soberanamente que não amemos).
Amor não se conjuga no passado, ou se ama para sempre ou nunca se amou verdadeiramente.
O amor é uma amostra mortal da imortalidade.
O sonho jovem do amor é muito velho.
Quando puderes dizer o teu grande amor, deixa o teu grande amor de ser grande.
(Fernando Pessoa)

Nunca amamos ninguém
Nunca amamos ninguém. Amamos, tão-somente, a ideia que fazemos de alguém. É a um conceito nosso – em suma, é a nós mesmos – que amamos. Isso é verdade em toda a escala do amor. No amor sexual, buscamos um prazer nosso dado por intermédio de um corpo estranho. No amor diferente do sexual, buscamos um prazer nosso dado por intermédio de uma ideia nossa.
                                                      (Fernando Pessoa)


Amor ausente
João de Castro Nunes

Teu mal, Pessoa, foi não ter amado
a sério uma mulher, como eu amei,
mãe de oito filhos que eu alimentei
sob o carinho seu… tão partilhado!

Falar de amor sem nunca o ter provado
mesmo que fora dos grilhões da lei
foi coisa que jamais… eu perfilhei
por ser um sentimento simulado.

Ao que julgo saber, caro Pessoa,
a mulher para ti, celibatário,
nunca foi mais que tema literário.

Contrariamente àquilo que apregoa
por esse mundo fora muita gente,
o amor nos versos teus se encontra ausente!


Presságio
Fernando Pessoa

O AMOR, quando se revela,
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar p'ra ela,
Mas não lhe sabe falar.

Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há de dizer.
Fala: parece que mente...
Cala: parece esquecer...

Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar, 
E se um olhar lhe bastasse
P'ra saber que a estão a amar!

Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!

Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar...


Amor Consumado
João de Castro Nunes

Amei-te, amor, por um imperativo
da minha natureza: não podia
deixar de amar-te desde aquele dia
em que me deste, amor, esse motivo!

Eras em tudo aquilo que eu sonhava:
porte distinto, olhar afectuoso,
linda de rosto, mais do que formoso,
um jeito de sorrir que cativava.

Cabeça levantada, ombros erguidos,
era o teu mote de procedimento
em todos os aspectos e sentidos.

Predestinado ou não, meu grande amor,
sacramentado pelo casamento,
perdura ainda em todo o seu fulgor!


Quando ela passa
Fernando Pessoa

Quando eu me sento à janela
P´los vidros que a neve embaça
Vejo a doce imagem dela
Quando passa... passa... passa...
Lançou-me a mágoa seu véu:-
Menos um ser neste mundo
E mais um anjo no céu.
Quando eu me sento à janela,
P´los vidros que a neve embaça
Julgo ver a imagem dela
Que já não passa... não passa...


Dez Anos Depois
João de Castro Nunes

Levou-te Deus de mim, querida Esposa,
deixando-me em tristeza mergulhado;
levou-te para sempre do meu lado,
tornando minha vida… dolorosa!

Se acaso Deus julgou que te levando
eu por me conformar acabaria,
rotundamente se equivocaria
crendo que eu arderia em lume brando.

Só conseguiu, com força redobrada,
atear a labareda que me queima
por dentro o peito em chaga descarnada.

Nunca  estiveste, Esposa, tão presente
na minha vida, meu amor, que teima
em não te ver sair… da minha frente!


O Amor Romântico
Fernando Pessoa

O amor romântico é como um traje, que, como não é eterno, dura tanto quanto dura; e, em breve, sob a veste do ideal que formámos, que se esfacela, surge o corpo real da pessoa humana, em que o vestimos. O amor romântico, portanto, é um caminho de desilusão. Só o não é quando a desilusão, aceite desde o príncipio, decide variar de ideal constantemente, tecer constantemente, nas oficinas da alma, novos trajes, com que constantemente se renove o aspecto da criatura, por eles vestida.                                


Nunca  Estou Só!
João de Castro Nunes

Nunca estou só, pois tenho sempre à frente
da minha vista a tua doce imagem
cujo retrato, mesmo que eu me ausente,
levo comigo dentro da bagagem.

Nunca estou só: no lar ou em viagem
estou teu rosto a ver constantemente
sem nada me importar com a paisagem
perante a qual me sinto indiferente.

Nunca estou só, seja em que sítio for,
pois em lembrança ou em fotografia
estás sempre comigo… noite e dia.

Onde quer que eu me encontre, ó meu amor,
nunca estou só, pois sinto ao meu redor
a tua imaginária… companhia!


O Amor pede identidade com diferença
Fernando Pessoa

O amor pede identidade com diferença, o que é impossível já na lógica, quanto mais no mundo. O amor quer possuir, quer tornar seu o que tem de ficar fora para ele saber que se torna seu e não é. Amar é entregar-se. Quanto maior a entrega, maior o amor. Mas a entrega total entrega também a consciência do outro. O amor maior por isso é a morte, ou o esquecimento, ou a renúncia – os amores todos que são os absurdiandos do amor.
(…) O amor quer a posse, mas não sabe o que é a posse. Se eu não sou meu, como serei teu, ou tu minha? Se não possuo o meu próprio ser, como possuirei um ser alheio? Se sou já diferente daquele de quem sou idêntico, como serei idêntico daquele de quem sou diferente? O amor é um misticismo que quer praticar-se, uma impossibilidade que só é sonhada como devendo ser realizada.


As Linhas do Teu Rosto
João de Castro Nunes

Para além do retrato em que figuras
inconfundivelmente definida
procuro refazer as linhas puras
da tua face um tanto diluída.

Cada dia que passa, mais distante
te encontra, meu amor, da minha vista,
mas tua imagem não me sai diante
dos olhos de maneira realista.

À margem do retrato que mantenho
emoldurado junto à cabeceira
a par de uma porção do santo lenho,

continuamente, amor, faço e refaço
na minha mente em tudo verdadeira
tua fisionomia… traço a traço!


Fernando Pessoa 
                 por 
                       Fernando Pessoa


Quando Olho Para Mim Não Me Percebo
Fernando Pessoa

Quando olho para mim não me percebo. 
Tenho tanto a mania de sentir 
Que me extravio às vezes ao sair 
Das próprias sensações que eu recebo. 

O ar que respiro, este licor que bebo, 
Pertencem ao meu modo de existir, 
E eu nunca sei como hei de concluir 
As sensações que a meu pesar concebo. 

Nem nunca, propriamente reparei, 
Se na verdade sinto o que sinto. Eu 
Serei tal qual pareço em mim? Serei 

Tal qual me julgo verdadeiramente? 
Mesmo ante as sensações sou um pouco ateu, 
Nem sei bem se sou eu quem em mim sente.


Deixei de Ser Aquele que Esperava
Fernando Pessoa

Deixei de ser aquele que esperava, 
Isto é, deixei de ser quem nunca fui... 
Entre onda e onda a onda não se cava, 
E tudo, em ser conjunto, dura e flui. 

A seta treme, pois que, na ampla aljava, 
O presente ao futuro cria e inclui. 
Se os mares erguem sua fúria brava 
É que a futura paz seu rastro obstrui. 

Tudo depende do que não existe. 
Por isso meu ser mudo se converte 
Na própria semelhança, austero e triste. 

Nada me explica. Nada me pertence. 
E sobre tudo a lua alheia verte 
A luz que tudo dissipa e nada vence. 


João de Castro Nunes 
                     por 
                         João de Castro Nunes


Dentro da  Curva
João de Castro Nunes

Aproxima-se a morte a largos passos
para em seus braços me levar a Deus
atravessando os siderais espaços
e às minhas ilusões dizendo adeus.

Sinto-lhe os dedos a bater-me à porta
chamando-me de fora com carinho
naquele tom de voz que não comporta
delongas para o início do caminho.

Saudades levo deste mundo, imensas,
embora muitas vezes salpicado
me visse de baixezas e de ofensas.

Tive meus dissabores algo amargos,
mas em compensação, por outro lado,
dei  pleno cumprimento aos meus encargos!


A Sedutora
João de Castro Nunes 

A morte anda connosco de mão dada,
sentando-se connosco nos jardins,
rosas colhendo, cravos e jasmins,
qual noivo a par da sua namorada.

Nunca o rosto lhe vi, mas imagino
que alguns encantos deve ter, perante
o modo como certo mendicante
se lhe entregou festivo como um sino.

Quantos heróis nos campos de batalha
Dela se cativaram… permitindo
que o peito lhes crivassem de metralha!

Eu quero crer, sem morbidez alguma,
que seu semblante deverá ser lindo
e seu contacto… leve como espuma!


Pessoa e Castro Nunes 
           – Distintos Poetas de Portugal
                   - Poetas distintos de Portugal





2 comentários:

  1. Grande trabalho foi realizado unindo o poeta João de Castro Nunes a Fernando Pessoa, indiscutivelmente enriqueceu muito esta página o estilo diferente no qual cada um se revela, o que não impede que desfrutem juntos de uma sala acolhedoramente poética, expressando em versos, raízes da alma. FP me impulsiona a quebrar regras e ignorar protocolos impostos pela vida. João de C. Nunes me faz fechar os olhos e achar que tudo são flores regadas pelo amor.
    Parabéns, poeta JCN; parabéns EXPRESSÃO MULHER!

    Verinha Consuelo

    ResponderExcluir

  2. A diferença que existe
    entre mim e o Pessoa
    é a mesma que consiste
    entre Coimbra e Lisboa!

    JCN

    ResponderExcluir

Web Statistics