FERNANDO PESSOA recebe VASCO DE CASTRO LIMA







Eu Tive um Sonho
Fernando Pessoa

Eu tive um sonho
Que me encantava.
Se a manhã vinha,
Como eu a odiava!

Volvia a noite,
E o sonho a mim.
Era o meu lar,
Minha alma afim.

Depois perdi-o.
Lembrar? Quem dera!
Se eu nunca soube
Que sonho era.



A Estrada do Sonho
Vasco de Castro Lima

Cada dia em que o sol se abre, risonho,
e desfralda o seu leque de esplendores,
eu saio pela Estrada Azul do Sonho,
pisando espinhos e plantando flores...

E vou contente. Nos meus passos, ponho
a luminosidade dos alvores.
Sigo a Estrada. E é sorrindo que a transponho,
eu, o mais sonhador dos sonhadores...

Sim, quero ter na noite da velhice,
o mesmo coração da meninice,
— um ninho de alvoradas luminosas —

para ser, no jardim dos desenganos,
uma alegre roseira de cem anos,
ardendo em sonhos, florescendo em rosas!



                                                      Árvore Verde
                                                         Fernando Pessoa

                                                           Árvore verde, 
                                                        Meu pensamento
                                                          Em ti se perde.
                                                           Ver é dormir
                                                         Neste momento.

                                                       Que bom não ser
                                                      'Stando acordado!
                                                       Também em mim
                                                          Enverdecer
                                                        Em ramos dado!

                                                         Tremulamente
                                                        Sentir no corpo
                                                         Brisa na alma!
                                                    Não ser quem sente,
                                                        Mas é, a calma...



                                                         





       

                                                     As Árvores
                                                 Vasco de Castro Lima

                                      Homem! Respeita as árvores bondosas,
                                      que a todos amam, sem olhar a quem!
                                      Nelas, cantam as aves descuidosas,
                                      que não querem o mal para ninguém.

                                      Iguais às criaturas generosas,
                                      que não sabem fazer senão o bem,
                                      no mundo, nem as almas religiosas
                                      têm a unção e a piedade que elas têm.

                                      As árvores são poemas de humildade,
                                      que embelezam as ruas da cidade,
                                      e dão o fruto e a seiva, a sombra e a flor...

                                      .. . Têm o destino esplêndido e risonho
                                     dos homens que nasceram para o sonho,
                                     das mulheres que vivem para o amor...


Nota do EM:  Os Sonetos  do poeta  Vasco de Castro Lima (acima)  foram tirados do livro
A Estrada do Sonho, 1979 (grafia da época).



                                   O Poeta e a Obra


Vasco de Castro Lima nasceu na Fazenda do Recreio, cidade de Lavrinhas, no Vale do Paraíba paulista (microrregião de Guaratinguetá) em 22 de dezembro de 1905, mudando-se, ainda criança, para a vizinha cidade de Cruzeiro/SP. Filho de Carlino Moreira de Castro Lima e de Alice Oliveira de Castro Lima; casado com Maria Alves Lopes de Castro Lima,  tem um filho, Juarez Antônio. Cursou Ciências e Letras na cidade de Lorena, posteriormente fixando residência no Rio de Janeiro.

Foi funcionário da Vale do Rio Doce e da Petrobrás, entre outras atividades profissionais, tendo pertencido à Academia Brasileira de Jornalismo, à Academia de Letras do Estado do Rio de Janeiro, Academia Brasileira de Jornalismo, Academia Valenciana de Letras, Academia de Letras do Vale do Paraíba, além do Grupo Cruzeirense de Cultura, da Casa do poeta de São Paulo e da União Brasileira de Trovadores (UBT), da qual foi um dos fundadores em 1966 e integrante de suas primeiras diretorias (foi Presidente na Seção da Guanabara), sendo também o primeiro presidente do Conselho Nacional da UBT.

Poeta e escritor laureado em inúmeros concursos de poesia no Brasil e em Portugal, publicou diversos livros (abaixo nomeados) e, como sonetista, organizou e publicou pela Editora Freitas Bastos, em 1987, o importante e magistral estudo O Mundo Maravilhoso do Soneto, obra de referência para os amantes desse gênero poético. 

Faleceu na cidade do Rio de Janeiro em 30 de agosto de 2004, aos 98 anos.
A Biblioteca de Lavrinhas leva o seu nome.

Suas obras editadas:

Caderno Lágrimas da Alvorada (1926) 
Estrada de Ferro Sul de Minas (1934) 
Caderno Cascata de Ilusões (1938) 
Inquietude (Poemas, 1940) 
Caderno Festa de Luz (1950)
Vergel do Paraíba (Poemas Escolhidos,1962) 
Correnteza (Poesia, 1966)
A Estrada do Sonho (Sonetos,1979)
O Mundo Maravilhoso do Soneto (1987)






                  

            Tú me chamaste: Poeta! — e sorriste
                   com pena de mim. — Que pena eu
                   tive de ti!...
                                      Alvaro Moreyra


Miradouro do Céu            
Vasco de Castro Lima

                             “Miradouro do Céu”
                                                 João do Rio

                             “Cidade da Esperança”
                                                 Júlio Dantas

Belo Horizonte das manhãs sonoras,
Miradouro do Céu, berço de auróras,
Namorada de todos os mineiros!
Terra em que a lua e o sol não teem declínio,
Tuas noites teem brilho de alumínio,
Teus dias teem o sangue dos braseiros!

Cidade dos jardins que gritam côres,
Das roseiras que acendem resplendôres
Nas redenções de um festival eterno!
Cidade que sorris perenemente,
Quer na volúpia do Verão ardente,
Ou nas brancuras místicas do Inverno!

Teus vestido de noiva é a madrugada,
Tua grinalda — a noite constelada,
Teu riso— um sonho alegre de aquarela!
E, coberta de tanta luz bizarra,
Tens a vaidade louca da cigarra,
Que julga que o sol vive para ela!

Ninho de arranha-céus e academias,
Dos milagres hercúleos de energias,
Oficina grandiosa de trabalho!
Teus filhos são, no braço e no talento,
Operários viris do pensamento,
Artífices da fábrica e do malho!

São lindas tuas fontes luminosaas,
Onde os jôrros de côr parecem rosas,
E as águas teem rebrilhos de fagulha!
Tua beleza, em vibrações perenes,
Enche a piscina azul do “Minas-Tênis”
E o remanso espraiado da “Pampulha”!

Cidade das mulheres sonhadôras
— Deusas do Amôr, visões consoladôras
Que lembram mansuetudes de santuário!
Mulheres meigas de perfil risonho,
Morenas como as pétalas de um sonho,
E loiras como as asas de um canário!

Sei que não tens a “Guanabara” ao lado,
O granítico altar do “Corcovado”,
O “Martinelli” em proporções estranhas...
Mas escreveste um poema de águas mudas,
Que é a tradição esplêndida do Arrudas,
— O “Tietê” pequeno das montanhas”!

Teu céu lembra canções de serenata!
Tuas estrelas de topázio e prata
Rebrilham como opalas de luar!
E, olhando os teus serenos horizontes,
Tem-se a impressão de vêr, ao pé dos montes,
A mentira suavíssima do mar!

Quanto sonho de amôr, linda cidade,
Quanto sorriso de felicidade
Sob o teu céu de anil e de cobalto!
Quanta ilusão, quanta esperança escondes
Dentro dos automóveis e dos bondes
Que rólam pelo chão do teu asfalto!

As árvores põem claras alegrias
Na ciranda jovial das ramarias,
Na esmeralda febril de cada frança!
Foi por isso que um poeta, ao contemplar-te,
Olhando a festa verde em tôda parte,
Chamou-te assim: “Cidade da Esperança!”

Cidade ensolarada que rutilas
No presépio dos bairro e das vilas
E nas preces de luz das catedrais!
Cidade em que a alegria nos encanta,
Em que até a tristeza vibra e canta
Na voz desafinada dos pardais!

Cidade luminosa e deslumbrante,
Vives feliz nessa ilusão constante
De estar iluminando o próprio sol.
Cidade das belezas matutinas,
Orgulho e glória do esplendor de Minas,
Rubro rosal das rosas do arrebol!...



Poema à Árvore               
Vasco de Castro Lima

Árvore amiga! És a ânsia incompreendida
De um sonho eterno! Eu te bendigo a vida,
Cheia de glórias e ressurreições!
Alma da Terra e Inspiração do Mundo,
O teu destino esplêndido e profundo
É o destino dos grandes corações!

Tú exaltas, num hino de beleza,
O milagre imortal da Natureza
E a encantada magia da floresta!
Tens uma vida simples e tranquila,
Onde os háustos vitais da clorofila
São o vigor da primavera em festa!

Árvore bôa, tua seiva arqueja
Quando a alvorada triunfal te beija
E o sol te enche de folhas e esplendôres!
E, quando a Natureza te engrinalda,
Tú vibras como um poema de esmeralda,
Em que as rimas são pétalas de flores!

Dás ao homem os frutos sazonados,
Dás sombra à dor e flôres aos noivados,
E às cidades belezas levantinas.
E, como tens um coração que sente,
Às vezes choras, dolorosamente,
O pranto silencioso das resinas... 

És maior, mais humana e mais gloriosa
Quando tens sob a cópa verde e umbrosa
O poema azul dos ninhos palpitantes!
E és mais emocional nos teus carinhos,
Quando, no desfilar dos passarinhos,
Inspiras seus trinados rutilantes!

E’ tão boa e tão pura, árvore amiga,
Que não fazes calar nem a cantiga
De uma cigarra anônima e vadia.
Tua vida é uma glória que não passa,
É um catecismo de beleza e graça
Que nos dá mil exemplos cada dia.

És nova ainda? — Que felicidade
Teres na seiva a fôrça e a mocidade,
A alegria que gera as esperanças!
És velha? — Pois não te enchas de tristeza!
Já deste o této e o leito, o berço e a mesa,
Aos homens, às mulheres e às crianças!

Qualquer que seja a idade com que contes,
Quer vivas nas planícies ou nos montes,
Quer tenhas sonhos ou te afoguem dores,
Dá-nos sempre o verdor dos teus alentos,
E abres teus galhos, desfraldando aos ventos
O teu pendão de folhas e de flôres!



O Céu
Vasco de Castro Lima

Chama-se céu o ninho onde supômos
Que exista um mundo de felicidade;
Sombra de árvore bôa, cujos pomos
Teem a doçura da imortalidade.

Consiste o céu nos sonhos policrômos
Que guardamos no fundo da saudade;
É o caminho sereno que transpômos
Na vida, distribuindo caridade.

O céu, isso a que chamam paraíso,
Póde ser a alvorada de um sorriso,
Ou a esperança que a alma humana encerra.

Póde voar ou póde andar de rastros,
No orgulho vão que sóbe para os astros,
Na humildade que desce para a terra.



A Esperança
Vasco de Castro Lima

Nunca tenha s certeza de que a Vida
Virá trazer-te um gesto de bondade!
Mas... espéra! A-pesar-de ser fingida
E ser cruel a sua indiferença,
De vez em quando a Vida nos dispensa
Alguns momentos de felicidade...

Espera, amigo! Assim eu sempre fiz.
A gente quando espéra é mais feliz.

Desde o tempo em que eu era uma criança
E morava em castelos de ilusões,
Já eu cantava os hinos da Esperança,
De mistura com as minhas orações...

A Esperança é mulher... É fantasia...
Ela promete muito... e nada vem...
Mas a gente não passa nem um dia
Que não deseje o nada que ela tem...

Sabe mentir. E é com calôr que mente,
Embora seja nossa companheira.
É a história da cigana feiticeira
Que vive a repetir-se eternamente:
— Inventa... Quando fala a voz palpita...
Alegre ou triste, é sempre indiferente...
A gente escuta... Ri...
                   Mas acredita...


As Marias
Vasco de Castro Lima

Dizia-me um velho sábio,
Homem de estranhas manias:
— Quer ser feliz nos amôres?
Deixe de lado as Marias!...

Amei-te... E só hoje vejo
Que o sábio tinha razão...
— Olha o que tú me fizeste,
Maria da Conceição!...



O Amôr na Roça
Vasco de Castro Lima

Na roça, quando amanhece,
E o sól despontando vem,
A gente reza uma préce
Pra quem a gente quer bem...

E depois... quando entardece
E o sino chóra, dolente,
A gente reza outra prece
Para quem gósta da gente...

Passa o dia, a noite desce...
E os anos rolando veem...
— Na roça nunca se esquece
De quem a gente quer bem...



As Minhas Côres
Vasco de Castro Lima

Maria, tu me perguntas
Quais as côres que aprecio.
Escuta lá, caboclinha
De olhar bonito e macio!

Sempre gostei da côr verde,
Que quer dizer “esperança”...
Côr dessa fita graciosa
Com que prendes tua trança...

Dentre as outras, o castanho
Tem, também, o meu louvôr:
São castanhos teus cabelos,
Teus olhos são dessa côr...

Amo a côr daquela rosa
Que tú me déste outro dia.
E gósto do azul e branco,
Porque és “Filha de Maria”...

Eu adoro a côr vermelha,
— Tenho prazer em dizê-lo:
Era vermelha, domingo,
A fita do teu cabelo...

Gósto muito do amarelo,
Porque tú góstas também...
Se gôstos não se discutem,
Quem me reprova? Ninguém!...

Também gósto, caboclinha,
Das côres negra e violeta,
Porque tens um lenço rôxo
Bordado com linha preta...

Mas... por quê falar assim?
Gósto de tôdas, amôr...
— De tôdas, sim, porque tens
Vestidos de tôda côr... 



Aspiração                               
Vasco de Castro Lima

Vida! Pudesse eu ter, como as aldeias,
Essa branquíssima tranquilidade!
Ter a memória fraca das areias
Para esquecer os dramas da maldade!

Ah! Ser, no céu imenso de cobalto,
Um sorriso de sól na luz da auróra!
Ser ave, para olhar, lá bem do alto,
Os horizontes da amplidão sonóra!

Água corrente, para carregar
A glória emurchecida de uma flôr!
A estrêla Dalva, para iluminar
A angústia, o tédio, o sofrimento, a dôr!

Nem sabes compreender, ingrata Vida,
Como tem sido imenso o meu penar!
Eu sou como a cigarra, perseguida
Só pelo crime de saber cantar. 

Fiz castelos de sonhos sôbre areias,
Fiz palácios suntuosos sôbre escombros!
Tenho os raios do sól em minhas veias,
E o pêso do infinito sôbre os ombros.

Onde morou o amôr, em outras éras,
E onde viveu o ideal dos misticismos,
Hoje há o clamôr medonho das cratéras
E a sensação horrível dos abismos.

Trago comigo, além do horrôr a tudo,
E além da minha triste indiferença,
O desespêro e a convulsão de um mudo,
E a tristeza de um cégo de nascença.

Visitei a cigana e ela me disse:
— “Tú és rico e feliz, muito feliz”...
Ai, cigana das cartas, que doidice!
Você não sabe? Ou sabe, e não me diz?

Depois cheguei a consultar as flôres...
E quando elas diziam: “bem me quer”,
Eu sofria o aguilhão de novas dôres,
Numa nova perfídia de mulher.

Vida! Pudesse eu ter, como as aldeias,
Essa branquíssima tranqüilidade!
Ter a memória fraca das areias,
Para esquecer os dramas da maldade!...



Um Sonho Que Viveu
Vasco de Castro Lima

Eras como as princesas de baladas,
Dessas que lembram rosas e falenas...
Dos teus olhos nasciam alvoradas,
Dos teus passos brotavam açucenas...

Tinhas, na graça das risadas francas,
A claridade dos diamantes raros...
Se há lírios brancos, madrugadas brancas,
Não teem a neve dos teus dentes claros...

O meu e o teu amôr se procuravam,
Na meia luz da lâmpada de opala...
Nossas bôcas frementes se entregavam,
Despetalando beijos pela sala...

Na surdina de luar da noite calma,
O teu piano era um mundo de emoção.
Aquele piano é um pouco da minha alma,
É, talvez, o meu próprio coração...

Se alegre estavas ou se estavas triste,
Alguém sabia... O piano era esse alguém...
Uma rapsódia triunfal de Liszt,
Uma valsa sentida de Chopin...

E então, quando era uma canção chorosa,
Êle lembrava, em sua ingenuidade,
A alma simples da noite dolorosa
Que estivesse chorando de saudade.

Só tinhas festas para mim. Falavas
Do nosso sonho cheio de esplendôr...
E, entre um beijo e outro beijo, me contavas
Que vivias pensando em nosso amôr...

Vendo a glória a doirar nossa ventura
E a alegria cantando em teus carinhos,
Nem eu pensava em prantos de amargura,
Nem lembrava que as rosas teem espinhos...

Mas... por quê vejo todo êsse passado?
Por quê me fala tanto a tua voz?
E eu me fico, vencido, abandonado,
A reviver o que vivemos nós...

Fecho os olhos, sorrindo ao que morreu...
E o pensamento para além se perde...
Lá longe, um piano, recordando o teu,
Chora e soluça o “Trovador”, de Verdi... 



Noivinha
Vasco de Castro Lima

Como estás linda maninha,
Tôda de branco vestida!
E’ a mais bela noivinha
Que já vi na minha vida!

Teus olhos teem a pureza
E a suavidade sem par
Que não tem a Natureza
Nas doçuras do luar...

E’ a mais bela noivinha
Que já vi na minha vida!

Essa grinalda faceira,
De flôres de laranjeira,
Que te enleva e te arrebata,
Parece um sonho de espumas
Que aos poucos se desmanchasse
Em gargalhadas de prata...

Com estás linda, maninha,
Tôda vestida de branco!...

Eu quisera ouvir as frases
Que todo mundo te diz...
Todos pedem e desejam
Que sejas muito feliz!

Tuas amigas te beijam!
Maninha! E’s muito feliz!

Como é lindo o teu sorriso,
Como é dôce o teu olhar!
Teus sorrisos e teus olhos
Parece que vão falar!

E’s tão feliz que os teus olhos
Parece que vão falar!

Nossa mãe, nossos irmãos,
Chóram de tanta alegria!
E’ porque a Felicidade
Nunca viu tão belo dia!

E’s a mais bela noivinha,
Tudo em ti reluz e canta!
Não pareces a maninha,
Pareces mais uma santa!

Hoje é o dia em que a Ventura
Chóra de tanta alegria!
Tua bôca linda e pura
Parece uma Avemaria!

E a grinalda que tú levas
Parece uma Avemaria!

Quando estivéres na igreja,
De joelhos, perto do altar,
A Virgem que a ninguém beija,
Eu sei que vai te beijar!

Sê feliz e sê bendita,
Minha maninha querida!
E’s a noiva mais bonita
Que já vi na minha vida!



Outôno
Vasco de Castro Lima

Outôno!
Langôr de círios, préce comovida!
Tristeza de abandono,
Cansado soluçar de alma esquecida!

As fôlhas amarelas vão caindo,
Balbuciando a oração das agonias!
O céu é dolorido, mas é lindo...
Acendendo gargalhadas de harmonias...

Chóram lá fora as árvores e o vento,
E na tôrre, a planger, soletra um sino...
Lacrimeja e soluça a voz do Sofrimento,
Inundada de anseios de violino...

A Natureza enfêrma
Tem dolências e febres de martírios...
Morrem, na tarde êrma,
Rosas e cravos, gira-sóis e lírios...

E o Outôno — bom como a Bondade —
Entra dentro de nós, também,
Como um sorriso triste de saudade,
De saudade de alguém...

E essa saudade funda que endolóra
O coração da gente,
Traz a grinalda branca de uma auróra
Que é o princípio de um dia muito doente...

O Outôno lembra o ocaso de um amôr!
Recorda alguém que tem rôxas olheiras
E passa pela vida como vive a dôr,
Porque passa a chorar noites inteiras...

Outôno! Céu tristonho! Morbideza!
Poentes de sangue, de oiro e cinza, de oiro e rosa!
Como é triste essa tristeza!
E como é bela essa beleza dolorosa!...



Conselhos de Minha Mãe
Vasco de Castro Lima

Minha mãezinha me disse um dia:
— “Se quéres sempre paz e alegria,
Sê bom pra todos, pois a Bondade
Tem como sombra a Felicidade!”

E, assim, no curso da minha vida,
Fui mais dos outros do que de mim.
Fiz do meu peito uma branca ermida,
E da minha alma fiz um jardim...

Tudo... mas tudo o que pertencia
À minha alegre tranquilidade
Era de todos, e o que eu sentia
Dizia ao mundo, com lealdade...

Mas, Deus! Que máus os conselhos sábios
Que da mãezinha escutei um dia!
O mundo tôrpe só tem nos lábios
A vóz maldosa da hipocrisia!

Corri caminhos, por muitos anos,
Numa aventura dorida e triste,
Pisando a estrada dos desenganos,
Atrás de um sonho que não existe!

Juro, mãezinha, melhor seria
Tivesses dito a cruél verdade:
— “Meu filho, escuta! Tôda a alegria,
A paz boníssima, a glória imensa,
Moram nos olhos de quem não pensa
Nisso que chamam Felicidade...”



Hino à Dôr
Vasco de Castro Lima

Dôr! E’s um anjo triste, um anjo inconsolavel,
Anjo de asas de fogo, anjo de asas de febre!
Visitas, agoureira, ardente, indesejavel,
A todos, bons e máus, do palácio ao casebre!

Tens a alma luminosa e rubra de uma estrêla!
Tens o olhar dos vulcões e a maldade das féras!
E’s como a esfinge! Ninguém póde compreendê-la,
Como ninguém compreende as máguas que encarcéras!

E’s o poema que canta o Sofrimento,
Pelas bôcas vermelhas da Amargura!
Passas cantando na asa lépida do vento,
Como o gênio da febre e da tortura!

Teu pranto é maldição, teu sorriso é martírio,
Teu beijo é a brasa viva e amarga dos desertos!
Às vezes tu sorris — e então és alma, és lírio...
Mas chóras quase sempre — és sól de olhos abertos!

Dôr! Tú vibras, tu dóis na tristeza das noites
E nas angústias infinitas dos luares.
Dóis, quando a tempestade, em ríspidos açoites,
Uiva e freme e vergasta a vastidão dos mares!

Tú persegues, no mar, as ondas e as espumas,
Quando transportam no seu bôjo, em cataclismos,
A alma branca das brumas
E a gargalhada enorme dos abismos!

Dôr rubra? Marcas a hora de um desgôsto,
A data de uma atróz desilusão!
Trazes sempre, estampados no teu rosto,
O ocaso de um amor, a cruz de um coração!

Anjo, tú vences, tú dominas, tú seduzes,
Porque semeias o clamôr das agonias!
Teu sangue é fogo, teu olhar tem luzes
Que só clareiam para o mal que pressagias!

Tú és a mãe do luto e das maldades,
Das blasfêmias febris, das infelicidades!

Tens a alma grande e vil do mar tétrico e fundo,
E, como um polvo imenso, envolves todo mundo!

Dôr que soluças, Dôr que abrasas o universo,
As cóleras do sól percorrem tuas veias!
Quando meu coração soluça a alma de um verso,
E’s tu, sangrenta Dôr, que, fulgindo, me enleias!

Dôr voluptuosa, mãe de fogo, irmã da guerra,
Tú passas acendendo o horrôr nos corações!
Domina, reina, vence! E’s rainha na Terra!
Do teu beijo é que nasce a febre dos clarões!...






Vergel do Paraíba
Vasco de Castro Lima

Cruzeiro! Irmã do céu das madrugadas,
Noiva do Sol e berço de alvoradas,
Linda e suave aquarela de Verão!
Cruzeiro! No meu culto és uma santa,
Diante da qual minha alma se levanta,
Em grata e silenciosa devoção!

Cidade maternal da minha infância,
Bem sabes que entre nós não há distância,
Porque te guardo no meu pensamento!
A epopéia imortal do teu destino,
Vivo sempre a evocar, desde menino,
Nas alegrias e no sofrimento!

Quando te conheci, na meninice,
Cheia de singeleza e de meiguice,
Foi para te adorar a vida inteira...
Eu sempre achei que, quando o sol desponta,
Atrás da serra, és a mais bela conta
Dêste colar azul da Mantiqueira!

Daqui partiram, rumo à densa mata,
Em busca de esmeraldas, ouro e prata,
Levando um sonho em cada coração,
Bandeirantes frementes de ansiedades,
Heróicos plantadores de cidades,
Valentes argonautas do sertão...

Nos teus jardins há festivais de flôres,
Canteiros recamados de verdores,
Rosas de sangue e dálias de ametista.
Há coloridas fontes luminosas,
Que são, rodeadas de árvores frondosas,
Inspiração para o teu filho artista.

Traçada em ruas planas, ruas retas,
És “Cidade-Planície” para os poetas,
“Vergel do Paraíba” para mim...
És luz que vem do brilho das auroras,
Risos que tem orquestrações sonoras,
Flor que cativa as flôres de um jardim...

Teus bairros são presépios encantados,
Tuas escolas são apostolados,
Teus clubes ricas fontes de energia!
E teu povo, rendendo-te homenagem,
Vai dedilhando a música selvagem
Das fábricas que te enchem de ufania!

No outono — tens colheitas generosas,
Na primavera — flores majestosas,
No inverno — ruas tristes, céus azuis...
E, no verão — o sol que te ilumina
Veste de luz teu corpo de menina,
Dando mais graça à graça que possuis...

O velho Paraíba, de águas turvas,
Vem diminuindo a marcha pelas curvas,
Como uma cobra-d’água colossal...
Sobre a serra que envolve êste recanto,
O azul do céu azul parece o manto
Da doce Mãe de Deus, pelo Natal...

És nova ainda e cheia de esperanças,
Mas já guardas no cofre das lembranças
Um mundo de formosas tradições...
As quermesses joviais da igreja velha,
Com seus róseos refrescos de groselha
E as prendas, e os namoros e os leilões...

Cruzeiro das tertúlias literárias,
Das serestas de noites legendárias,
Quando a lua chegava mais bonita...
Dos primórdios da Rádio Mantiqueira,
Dos tempos da Rêde Sul Mineira,
Das festas de São João na Dona Tita...

No mês de maio, as rezas entoadas,
E, alegres, barulhentas, animadas,
As festas anuais de Santa Cruz!
Em dezembro, o Natal cheio de sonho,
Em que surgia, lépido e risonho,
Papai Noel ao lado de Jesus!

Duas bandas de música, benquistas,
Formadas por eméritos artistas,
Orgulhosos de seus instrumentais:
De um lado, a famosíssima “União”
E do outro a “Imaculada Conceição”,
Ao mesmo tempo amigas e rivais...

Santificada sejas tu, cidade,
Pelo que deste de felicidade
Para os teus filhos, para os teus amigos!
Hoje e todos os dias eu só peço
Que, na glória viril do teu progresso,
Deus te guarde de todos os perigos!...

Cruzeiro! Hás de ser sempre abençoada
Pela Virgem Maria Imaculada,
No branco altar do teu porvir risonho!
Quero te ver, na dor e na alegria,
Sonhando uma esperança em cada dia,
Para esperar em cada noite um sonho!...


                 






Alvorada de Beijos
Vasco de Castro Lima

Luz emotiva dos meus olhos, guia
Da minha vida, em dias de tristeza,
Deusa gentil do meu amor, princesa
Do palácio em que tenho a alma sombria,

Não sou pobre, porque és minha riqueza,
Não sou triste, porque és minha alegria...
És tu quem me conforta e me alivia
Nas minhas negras horas de incerteza...

Vida da minha vida, eu só quisera
Ser o sol de uma linda Primavera,
Um sol cheio de rútilos lampejos,

Para envolver-te em minha luz ardente,
Maravilhosa e fervorosamente,
Numa alvorada esplêndida de beijos...



Encantamento
Vasco de Castro Lima

Os teus olhos castanhos são dois poemas
Que escrevi numa linda primavera!
Teus sorrisos morenos são diademas
Que circundam a fronte da Quimera!

Amo-te e tu me foges, tu blasfemas
Contra esta adoração pura e sincera...
Foges, deixando as aflições supremas
Encherem-me a alma, onde a paixão impera...

Mas, será tudo em vão, tudo debalde,
Porque eu, embora o sol requeime e escalde,
Ou me aflijam a dor, o frio, a fome,

Voarei, num divino encantamento,
Na asa das aves, no fragor do vento,
Atrás de ti, a conclamar teu nome...



Velhinhos
Vasco de Castro Lima

Quando nós formos velhos, bem velhinhos,
E o declínio fatal dos muitos anos
Nos estiver trazendo os desenganos,
Com suas flores e com seus espinhos;

Quando, ao fim desta vida só de enganos,
Olharmos para trás, para os caminhos,
— Então nós dois, como dois bons velhinhos,
Trôpegos já, curvados pelos anos,

Iremos recordar nosso passado,
Sem queixas, sem remorsos, sem alarme,
Mas certamente com amor profundo.

Como sempre, estaremos lado a lado,
E eu, Mãe, terei razões para julgar-me
O filho mais feliz de todo o mundo.



Fatal Lembrança
Vasco de Castro Lima

Do meu passado, dos meus anos idos,
Dos meus longínquos tempos de criança,
Guardo no peito uma fatal lembrança,
Repassada de brados doloridos.

Não é, por certo, um grito de vingança.
É a Saudade que fala aos meus sentidos
De um amor que morreu, entre gemidos,
Cansado de esperar pela Esperança...

Essa lembrança que em meu peito existe
É um canto alegre, uma canção bem triste,
Um misto de tristeza e de alegria...

Pobre de mim! A um canto da cidade,
Eu vivo a acariciar minha saudade,
Sonhando dia e noite, noite e dia...



O Pobre Cego
Vasco de Castro Lima

Cego, sem ver a luz que o cobre e beija,
Vive pedindo o pão de cada dia.
Não conhece um momento de alegria,
Não vê o mar da vida em que vagueja.

Entretanto, essa luz o cego, um dia,
Já viu... A luz gloriosa que deseja
E a sua fronte algodoada beija,
Êle a viu quando a infância lhe sorria...

Não é feliz... Não pode ser feliz...
O seu mundo é uma sobra, e o seu país
Uma noite imortal, sem alvorada.

Sonha, talvez, sem lar, sem esperança,
Com seus saudosos tempos de criança,
Em que êle via o sol beijando a estrada...



O Palhaço
Vasco de Castro Lima

Eu o vi, certa noite, gargalhando,
Lá no centro do circo alegre e cheio,
Rindo mil vêzes, muita vez cantando,
Com seu calção riscado, grande e feio.

E, enquanto ele se ria, gracejando,
Com seu rubro nariz de palmo e meio,
Eu o vi... eu o vi também chorando,
Qual se estivesse àquilo tudo alheio...

É que, em casa, deixara a sua espôsa
Muito enfêrma e, talvez, agonizando,
Talvez já fria como a fria lousa.

E êle tinha de estar ali sorrindo...
É por isso que ria, soluçando,
Ao mesmo tempo em que chorava rindo...


            

    




A Um Poeta Suicida
Vasco de Castro Lima

Quem sabe lá qual é o ideal tristonho
De um cantor infeliz que foge à vida?
Quem sabe a angústia de angustioso sonho
De um poeta alegre que se faz suicida?

É de joelhos, rezando, que eu me ponho
Ante essa alma trevosa e combalida.
O coração do poeta mais risonho
Tem pulsações de dor incompreendida

Êste, que ontem se foi tràgicamente,
Tinha as sendas da glória à sua frente,
E a mocidade e o amor que tudo encerra...

Nada quis... Novo Antero de Quental,
Quebrou a própria lira de cristal,
Buscando a paz que não achou na terra...


                   
 




Quando os Animais Falavam...
Vasco de Castro Lima

Outrora, quando os animais falavam,
Não tinham êsse fel que os homens têm.
Com naturalidade se encontravam,
Sem demonstrar rancores ou desdém.

Afinal, o que os pobres conversavam?
Não sei. Mas se entendiam muito bem.
Sòmente à própria vida se entregavam,
Não intrigando a vida de ninguém.

Era a grande família: o coelho, o corvo,
A raposa astuciosa, o tigre tôrvo,
O leão, o gato, o lobo, o rouxinol...

E até mesmo as cigarras e as formigas
Viviam mansamente como amigas,
Amando a terra, as árvores e o sol...



O Passeio da Cigarra 
Vasco de Castro Lima

A cigarra, brejeira, que vivia
Sôbre a mangueira, quieta, recolhida,
Resolveu passear, em certo dia,
A fim de conhecer o mundo e a vida.

Começou o seu vôo, sem receio,
Feliz, sem um destino, ao abandono.
Talvez fôsse seu último passeio,
Pois aquêle já era o sol do outono...

A mata virgem, alta, ramalhosa,
Causava espanto à própria Natureza.
O horizonte era um leque côr-de-rosa
E o céu azul um manto de princesa.

Formigas apressadas, diligentes,
Mourejavam ao sol, armazenando.
Águas claras de córregos dormentes
Referviam nas pedras, espumando.

Por toda parte, bandos multicores
De lindas borboletas fulgurantes!
Eram jardins suspensos cujas flôres
Erravam sôbre os campos verdejantes.

As jandaias, em bando, iam chalrando,
Em busca dos seus ninhos, na floresta.
E pombos assustados, arrulhando,
Pareciam voltar de alguma festa.

O astro rei redoirava, refulgente,
Os verdes vales de ervas orvalhadas.
Os bois mugiam, prolongadamente,
Quebrando a sonolência das quebradas.

De tanto trabalhar em velhos moinhos,
Já rolava cansado um ribeirão.
E lembrando serpentes, os caminhos
Se embrenhavam nos longes do sertão.

Batendo suas roupas nos banhados,
Trabalhavam, cantando, lavadeiras.
Os rios, de surprêsa estrangulados,
Gemiam pela bôca das cachoeiras.

Longe, alvejando ao sol, a velha ermida,
Povoada de travêssas andorinhas...
E, mais longe, na encosta colorida,
A longa procissão das ovelhinhas...

Lembrando a forma do capuz de um monge,
Uma nuvem parou, cobrindo a mata.
A água do açude lampejou ao longe,
Parecendo uma lâmina de prata.

Limoeiros, pessegueiros, laranjeiras,
Vergavam sob o peso dos seus frutos.
E olhos pretos de jaboticabeiras
Olhavam, sem olhar, os céus enxutos.

A floresta ridente de verdores
— Moradia de leões, aves e insetos —
Braceava ramos, rebentava em flores,
Com seus imensos vagalhões inquietos.

O capinzal a desafiar a enxada,
E a subir pela encosta dos barrancos...
Moitas de bogaris beirando a estrada,
Jasmineiros cobrindo os muros brancos.

E as foices que ringiam, lampejantes,
Roçando o mato e os espinhais manhosos...
E os pobres lavradores, ofegantes,
Lutando ao sol, nos campos dadivosos...

O espêlho da lagoa refletia
O céu, as nuvens, os pombais da vila.
O próprio sol, vaidoso, parecia
Sair do fundo azul da água tranqüila.

A iara, nua, cheia de cuidados,
Sentada sôbre o tronco da canoa,
Penteava os seus cabelos desnastrados,
Olhando-se no espêlho da lagoa...
............................................................
A cigarra estacou. Era uma alfombra
A extensa colcha verde da chapada.
Pousou numa videira, à cuja sombra
Uma cobra dormia, enrodilhada.

Lento, vibrou um sino lacrimante,
Plangendo a Ave-Maria, sem alarde.
Como é bonita, como é confortante
A poderosa sugestão da tarde!

Outras cigarras lhe fizeram festa,
Chiando sob o toldo da videira.
Nenhuma perguntou: — “Quem será esta?”
Pensavam só: — “Mais uma companheira!”

Então, a peregrina começou
A entoar o seu hino à tarde flava.
Tôda a videira se imobilizou 
Para ouvir a cigarra que chirriava.

Era um canto de glória, um lindo canto
De amor e luz, de festa e de alegria,
Que a cantadeira desfraldava, enquanto
Fugindo ao sol, a tarde esmorecia.
..........................................................
Dormem agora os lírios e as papoulas,
Serenamente. E, em meio à noite clara,
Surgem estrelas, como lantejoulas,
No manto azul que a lua desdobrara.

Também dorme a cantora peregrina,
Depois de entoar suas canções ruidosas...
Bem perto, o dorso verde da colina
Fica estrelado de botões de rosas...



Meu Brasil!
Vasco de Castro Lima

Meu Brasil! O sertão bem brasileiro,
Sempre coberto pelo céu em festa!
O borborinho da água no ribeiro,
O cheiro resinoso da floresta!

Meu Brasil! A fartura verdejando
Nos campos da lavoura dadivosa!
A cachoeira que estronda, neblinando,
A mata que se alteia, ramalhosa!

Meu Brasil! O sorriso de alma clara
Que sempre existe na alma dos estios!
O sol que põe cintilações na seara,
A serra farta que despeja os rios!

Meu Brasil! A beleza sem delírios
Das tardes luminosas e serenas!
O vale constelado de alvos lírios,
A colina semeada de açucenas!

Meu Brasil! Troncos velhos, quase eternos,
Que vêm vivendo desde muitas eras,
Enfrentando os outonos e os invernos,
Desafiando os verões e as primaveras!

Meu Brasil! E entre tantas coisas belas,
Parece mais bonita esta mangueira
Que, enfeitada de mangas amarelas,
Faz lembrar a bandeira brasileira!

Meu Brasil! Dominando a mata e a relva,
Um chirriado enche o espaço de algazarras:
É a mangueira que canta em plena selva,
É a cidade ruidosa das cigarras!



Felicidade
Vasco de Castro Lima

Hoje, a cigarra despertou cantando,
Sob o tôldo frondoso do pinheiro.
O sol doirado surge, coruscando
Nas pedras, na lagoa, no ribeiro.

A brisa doce faz tremer o orvalho
Nas ramagens, nas pétalas vermelhas.
Roxos maracujás pendem de um galho,
Enxameados de pródigas abelhas.

Árvores velhas, feias, retorcidas,
São abraçadas por cipós robustos.
Bailam no ar borboletas coloridas,
Como flores fugidas dos arbustos.

As andorinhas pousam no telhado,
Abrindo as asas e bicando as penas.
Querem sentir, talvez, mais derramado,
O aroma virginal das açucenas.

Bem longe, a mata virgem, ramalhosa,
Lembra a vastíssima amplidão do mar.
O azul do céu que cobre a mata umbrosa
É o mesmo azul das noites de luar.

O sol se multiplica em ventarolas
Rubras, azuis, doiradas e violáceas.
Os lírios abrem pálidas corolas
E cai a chuva de ouro nas acácias.

E a cigarra, feliz, contempla o mato
Que deita os ramos, rebentando em flôres.
... Junto ao seu canto há o canto do regato
Que, como o seu, tem a alma dos alvôres.



Noite!                    
Vasco de Castro Lima

Tu, que guardas no seio da mãe preta
O leite que dá vida às madrugadas,
E que acendes em cada borboleta
As côres das estrêlas e alvoradas...

Tu, que fechas as pálpebras do sono
E envolves os palácios e as taperas,
Que vives a saudade de um outono
E a esperança jovial das primaveras...

Tu, que engrinaldas de luar as matas
E te debruças no alcantil do monte,
Que cantas pela voz das serenatas
E choras pelas lágrimas da fonte...

Tu, que vestes de sombras e amarguras
O mar que arrasta ao largo as brancas velas,
As flôres que dão vida às sepulturas,
O céu que forma os raios e as procelas...

Tu, que impões o silêncio à Natureza,
Pintando manchas no verdor dos campos,
E desfraldas teu manto de princesa
Alfinetado pelos pirilampos...

Tu, Noite maternal, Noite bizarra,
Que escondes no teu seio a solidão,
Vela também o sono da cigarra
Que canta para mim todo o Verão!...



O Inverno Vai Chegar!  
Vasco de Castro Lima

Está muda e cansada a pobre cancioneira,
Sôbre a folha amarela da mangueira,
Olhos pregados no alto do infinito...
Lembra um poeta tristonho debruçado
Sobre um velho caderno desbotado
Em que outrora escreveu seu verso mais bonito...
O inverno vai chegar... O inverno é triste
E a cigarra não pode suportá-lo.
Lembra um rei que perdeu seu último vassalo,
Um pássaro sem água e sem alpiste...
Viveu quatro anos sob a terra escura
E pouco mais de um mês à luz do sol!
Foi feliz, teve amor, teve ventura,
Não invejou jamais o próprio rouxinol...
Foi, sem dúvida alguma, generosa,
Não quis mal a ninguém, não quis mal à formiga.
Teve a vida menor que a de uma rosa,
Foi alegre e fugaz sua cantiga.
Deus a fez surda para não ouvir
As blasfêmias, os raios e os canhões.
Seu destino é cantar, é transmitir
Sua alegria aos outros corações!
O inverno vai chegar... E ela começa
O seu último canto. É uma promessa
Que fez para si mesma de cantar
Até morrer... E vai morrer cantando...
Pensa que o sol é dela e que o seu lar
É a Natureza... E vai morrer vibrando!
... E agora, o que é que resta? Uma saudade,
A saudade gloriosa de uma vida
Que foi mais triste que uma despedida,
Que foi mais curta que a felicidade...












1
Envolto nos teus carinhos
e a alma cheia de ventura,
vou cantando nos caminhos
TROVAS DA MINHA TERNURA...

2
Morreu o sol! Lentamente,
incendiou-se o céu profundo...
Levaram para o poente
tôdas as rosas do mundo!

3
Tua graça se resume,
neste segrêdo risonho:
— A alma leve de um perfume
dentro da rosa de um sonho...

4
Se não és Santa, pareces,
Maria, minha Maria.
Teus olhos são duas preces
que o próprio Deus rezaria!

5
Não pode a fé ser vencida,
quando é bela e quando é forte.
Tem podêres sobre a vida,
tem vitórias sôbre a morte.

6
Trem de ferro, leva um beijo
à flor do meu coração!
Daqui parece que a vejo
te esperando na estação...

7
O céu do amor, pode a gente,
ganhar de maneiras várias:
— Os teus beijos, certamente,
dão indulgências plenárias...

8
Você pensa que é gracejo,
mas peço que me acredite:
— Para a festa do meu beijo,
venha mesmo sem convite!...

9
A lua, envolta em colares
de estrêlas, nos céus risonhos,
solta o seu véu de luares,
como grinaldas de sonhos...

10
Quando o sol, triste, desmaia,
eu gosto de contemplar,
as ondas beijando a praia,
a praia abraçando o mar...

11
O meu amor tem constância,
pois te amo desde menino,
garoa da minha infância,
garoa do meu destino!

12
Seis horas... Vem a Saudade...
Rio antigo... Praça Onze...
Os sinos, pela cidade,
choram lágrimas de bronze...

13
Morre a noite... O céu clareando...
A lua, triste, enciumada...
É o beijo que o sol vem dando,
na bôca de madrugada...

14
A saudade é mais suave
do que um veludo de alfomba.
É a leve pluma de uma ave,
é a sombra de uma outra sombra...

15
Ontem, no enlêvo das valsas,
teu verde olhar me cegou.
Lembrei-me das pedras falsas
que o bandeirante encontrou.

16
O céu é um mar que se espraia
em redor da lua cheia.
A Via-Láctea é uma praia,
cada estrêla um grão de areia...

17
Dizem que os olhos não falam,
mas os teus sabem falar...
Tôdas as bôcas se calam
quando fala o teu olhar...

18
São prêmios de mais valor
no concurso da Amizade:
Primeiro lugar — O Amor!
Menção Honrosa — a Saudade!

19
Culpas de amor... Deus, com pena,
fêz delas beijos de luz:
— Permitiu que Madalena
beijasse os pés de Jesus.

20
Traição! Vives contente
no pavor das trevas mudas!
No mundo, criou semente,
o falso beijo de Judas.

21
A festa que tu desejas,
brilha em meus olhos sem calma:
— Cada vez que tu me beijas
é uma festa na minha alma!

22
Rôsto negro, alma de neve,
ternura de risos francos,
— O Brasil muito te deve,
mãe-preta dos filhos brancos!

23
Eu bem sei que dóis, Saudade,
mas está certo quem diz
que a própria felicidade,
sem ti não será feliz...

24
Tu me ordenas que te esqueça,
pois já não gostas de mim...
Não há ninguém que mereça
sofrer um castigo assim...

25
Eu acho que tôda praia
guarda segredos de amor.
Cada onda que desmaia
leva um soluço de dor.

26
Um beijo não se despreza,
mesmo que mate o desejo.
A saudade que se preza
nunca se esquece de um beijo...

27
Tens razão de andar esquiva...
Casaste... Que mais me resta?
Sou como aquêle conviva
que chegou depois da festa...

28
O mar tem alma... Costuma,
em noites de lua cheia,
cobrir de rendas de espuma
seus alvos leitos de areia...

29
Têm gratas afinidades
meu passado e teu jardim:
— Um te dá muitas saudades,
o outro saudades a mim...

30
Não percamos êste ensejo,
e vamos logo apostar:
— Se ganhares, dou-te um beijo,
dás-me um beijo, se eu ganhar...

31
És a mais bela das musas,
morena suave e singela!
Às vêzes penso que abusas
do direito de ser bela...

32
Nos ardores da bravura,
entre irmãos da mesma terra,
vi bandeiras de amargura
cobrindo troféus de guerra!

33
Tua bôca é tão pequena,
tão pequena e tão singela,
que eu não sei como é que cabem
tantos beijos dentro dela!

34
Minha mãe sempre chorava
quando eu ria com prazer...
Parece que adivinhava
meu destino de sofrer...

35
Dá-me o teu beijo de nôvo,
por que tanta inquietação?
Se tem de falar o povo,
pois que fale com razão...

36
Mesmo cheia de recato,
a mulher que ama, afinal,
quando dá o seu retrato,
já promete o original...

37
Longe de ti, vou criando
minha estranha solidão:
— Uma saudade vagando
no meio da multidão...

38
A mulher tudo perdoa,
sem esperar recompensa.
Só uma coisa a magoa:
o espinho da indiferença!

39
Beijo bom, beijo imperfeito,
quente, frio, alegre, triste...
Há beijos de todo jeito,
mas, como o teu, não existe!

40
O meu coração tristonho,
é uma pobre nau perdida,
buscando o pôrto do sonho,
longe da praia da vida...

41
Solidão é um rio calmo,
sem pedras, sem correnteza...
Solidão é como um salmo
do Evangelho da Tristeza...

42
Muitas vêzes, prometeste
e, esperançoso, esperei...
Mas nunca me devolveste
o coração que te dei...

43
Ai! A Lágrima é mais triste
chorada junto do mar...
Isto eu vi quando partiste
para nunca mais voltar...

44
Aplaudo mais a bravura
se, após um prélio renhido,
o vencedor, com ternura,
estende a mão ao vencido.

45
Seja linda, seja feia,
para o mal não há remédio:
— a mulher ama ou odeia,
não conhece têrmo médio!

46
Tu achas que, sendo um bravo,
sou, de fato, o teu senhor...
Mas... não passa de um escravo
o dono do teu amor...

47
Guardo, em minha soledade,
um retrato de mulher,
para matar a saudade,
quando a saudade vier...

48
" Não perdi a fé em Deus ",
— disse um cego a soluçar —
" Deus cobriu os olhos meus,
mas me ensinou a cantar... "

49
Quero a chama do teu beijo,
quero a luz do teu olhar!
O amor é um grande desejo
que está sempre a desejar...

50
Jamais se rende o penedo,
ao delírio das marés.
O mar agride o rochedo,
mas sempre morre aos seus pés.

51
Vais voltar, risonha e mansa,
trazendo estrêlas na mão!
Tenho mais do que esperança,
tenho fé no teu perdão!

52
Vejo as mães sempre indulgentes,
— sejam tristes ou joviais.
Os rostos são diferentes,
os corações são iguais.

53
Mulher sem sorte em amôres,
sua vida é merencória...
E, vejam bem os senhores:
ela se chama  Vitória...

54
Do vizinho jardineiro,
recebo queixas curiosas:
— Os cravos do meu canteiro
vão namorar suas rosas.

55
Procure as mães, as espôsas,
as amantes, se quiser...
Na origem das grandes cousas
sempre existe uma mulher!

56
Da aurora que acorda cedo,
envolta em luzes radiosas,
é que vem todo o segrêdo
que existe na côr das rosas...

57
Há uma dor que deveria
ficar dentro de um sacrário:
— a dor que sofreu Maria
no caminho do Calvário!

58
Tens tradição! Não te esqueças,
garoa das noites frias:
— Também cobriste as cabeças
de Anhangüera e Fernão Dias!

59
Da mulher, qualquer história
a gente escuta sorrindo.
Por mais pobre e mais simplória,
é sempre um romance lindo...

60
Na arena da vida inglória,
onde lutei sem temor,
a minha maior vitória,
foi conquistar teu amor!

61
Olhar de Mãe! Todos pensam
num suave clarão de aurora.
Desce dêle a mesma bênção
do olhar de Nossa Senhora!

62
Se alguma noite sonhares,
que estás a beijar alguém,
pensa em mim quando beijares,
pois eu sou gente também!...

63
Uma graça terna e mansa,
eu sempre peço ao Senhor:
— Pode tirar-me a Esperança,
não me tire a luz do Amor!

64
Lua gélida e sombria,
eu de ti me compadeço:
— tu és mais triste e mais fria
que um coração que conheço!

65
A chuva desce em cascata,
chorando lágrimas frias.
É como um clarão de prata
gotejando pedrarias...

66
Conheço um amor perfeito
no jardim da Solidão...
O jardim fica em teu peito,
a flor é o teu coração...

67
Um sonho... um amor... um beijo...
uma aurora rosicler...
São os encantos que eu vejo,
num sorriso de mulher...

68
Não sei de maior tristeza,
nem de noite mais escura,
do que um sonho sem beleza,
que uma luta sem bravura.

69
Nem sempre tive a mania
de subir à luz dos astros.
Pelo teu beijo, Maria,
quanta vez andei de rastros!

70
Vem a lua côr de prata,
— surgida de trás do monte —
dourando as fôlhas da mata,
prateando as águas da fonte...

71
Esta fé que me acompanha,
ganhei-a crendo em Jesus.
Acho o " Sermão da Montanha "
um monumento de luz!

72
No coração das mulheres,
Deus pôs o ouro do sol,
O riso dos malmequeres
e os roseirais do arrebol!...

73
Tu, que me deste, entre abraços,
tantas vêzes, teu carinho,
vem fechar-me os olhos baços,
no final do meu caminho!

74
Nosso amor: ilha formosa,
cercada, na soledade,
pelas águas côr-de-rosa
do Mar da Felicidade!

75
Minha prece é bem singela,
rios que vão para o mar:
Levem meus beijos àquela
que nunca mais quis voltar!

76
Teus olhos... Sombras mimosas
que são a luz do sol-pôsto...
São duas pedras preciosas,
que tens no escrínio do rosto...

77
Anda! Solta os teus desejos,
deixa falar quem quiser!
Mostra que cabem mil beijos
na bôca de uma mulher!

78
Partiste! E a garoa, à noite,
apesar de mansa e leve,
foi mais rija que um acoite,
foi mais fria do que a neve.

79
O meu barquinho de sonhos,
corta as ondas, uma a uma.
E o mar, com uivos medonhos,
chora lágrimas de espuma.

80
Sabes qual é, meu tesouro,
o maior dos meus desejos?
Enfeitar teu colo de ouro,
como hoje o cubro de beijos...

81
Acorda o sol no horizonte,
as flôres brotam do chão...
O rio nasce na fonte,
segredos, no coração...

82
Passou como um raio louro,
num jato, a estrêla cadente!
Foi uma lágrima de ouro
que Deus chorou de repente!

83
No xadrez, amo o destino
das pedras, em pleno embate:
— Até um peão pequenino
pode dar o xeque-mate...

84
No coqueiro alto e tristonho,
canta, triste, uma jandaia.
É como se fôsse um sonho,
sonhando à beira da praia...

85
Névoa e chuva. Tarde cinza.
Como é triste a voz do mar!
Parece um velho ranzinza,
sempre, sempre a resmungar!

86
Vi o Amazonas e trouxe
a impressão de um deslumbrado:
— a bravura do mar-doce,
enfrentando o mar-salgado!

87
Minha mãe nunca mudou,
nem agora na velhice.
Para ela ainda estou,
no tempo da meninice.

88
Embora vivas cantando,
canário, tens vida triste.
Já vi lágrimas pingando
nessa vasilha de alpiste!

89
Sonhar com dias risonhos,
é bom, mas eu trocaria
mil e uma noite de sonhos
pela vitória de um dia!

90
É o mundo alegre das flôres
semelhante ao dos carinhos:
— Não há prazeres sem dores,
nem roseiras sem espinhos!

91
Aquêle primeiro beijo,
quase frio, sem calor,
não era, ainda, desejo,
mas já era o nosso amor!

92
Quantas vezes, lua fria,
em noites de serenata,
cantei a doce poesia,
do teu sorriso de prata!

93
A mulher mente sorrindo,
com graça tão singular,
que nada fica mais lindo,
que a mentira em seu olhar...

94
Deu-me um beijo... E êsse pecado
foi ao padre e confessou.
E o bom velhinho, coitado,
também foi moço... perdoou.

95
Cruzando a estrada ilusória,
dêste mundo enganador,
o homem persegue a glória,
a mulher procura o amor.

96
Há uma lágrima sofrida
que nasce no coração:
— É aquela que ganha vida
na morte de uma ilusão...

97
Milhões de verdades cabem
neste pensamento agudo:
— As mulheres nada sabem,
porém adivinham tudo!...

98
Não há rosas sem espinhos,
e nem há sol sem poente!
Há pedras pelos caminhos,
na vida de tôda gente.

99
Não te surpreenda a alegria
das almas que são ditosas!
A roseira, todo dia,
dá sua festa de rosas!

100
Vou cantando em meu caminho,
pois levo, para onde fôr,
o luar do teu carinho,
e a aurora do teu amor.









O Castelo do Sonho

Vasco de Castro Lima

No castelo de prata do meu sonho
moram visões de luas e de sóis...
Na agonia da tarde, êle é tristonho,
é alegre ao despertar dos arrebóis...

Fica além da aquarela do horizonte,
no fim da estrada longa do destino,
entre os lírios de espuma de uma fonte
e as grinaldas de luz do sol divino!

Há muitos anos, tu também vivias
no castelo hoje triste e abandonado.
Ainda vejo, evocando os velhos dias,
o teu vulto na sombra do passado!

Vejo os clarões do teu sorriso doce
— primavera de aroma e claridade —
e escuto a tua voz como se fosse
a vibração das asas da Saudade...

Eras como as princesas de baladas,
dessas que lembram rosas e falenas...
Dos teus olhos nasciam alvoradas,
dos teus passos brotavam açucenas...

O meu e o teu amor se procuravam
na meia-luz da lâmpada de opala...
Nossas bôcas frementes se entregavam,
despetalando beijos pela sala...

Na surdina de luar da noite calma,
o teu piano era um mundo de emoção.
Aquêle piano é um pouco da minha alma,
é, talvez, o meu próprio coração...

Se alegre estavas, ou se estavas triste,
alguém sabia... O piano era esse alguém:
— Uma rapsódia triunfal de Liszt,
Uma valsa sentida de Chopin...

Nunca mais me esqueci! Quando falavas,
tua bôca era um cálice de flor...
E, entre um beijo e outro beijo, me contavas
que vivias pensando em nosso amor...

Vendo a aurora a dourar nossa ventura
e a alegria cantando em teus carinhos,
eu nem pensava em prantos de amargura,
nem via que as roseiras têm espinhos...

Fecho os olhos sorrindo ao que morreu,
e o pensamento para além se perde...
Distante, um piano, recordando o teu,
chora e soluça o “Trovador”, de Verdi...

          ___________

Volta o silêncio... E a noite azul, caindo,
derrama estrelas pelo céu tristonho...
Olho ao longe o horizonte... Está dormindo
O castelo de prata do meu sonho...



Canção                   
Vasco de Castro Lima

Meu sol de amor! Bem sei que não existes,
senão na minha pobre fantasia...
......................................................................
Imagino-te bela, de olhos tristes,
mais bela que a divina luz do dia!...
Uma Nossa Senhora da Poesia,
a Santa Terezinha dos meus sonhos
                                 mais risonhos...

Tu nasceste da febre de um desejo,
nascente de uma lágrima e de um beijo. 
.....................................................................
Meu sol de amor! Bem sei que não existes...
Mas... se existisses e teus olhos tristes
lessem os pobres versos que te fiz,
nos momentos em que eu era mais feliz,
êstes meus versos, gastos pela dor,
seriam, para mim, que sofro tanto,
enriquecidos pelo teu encanto,
glorificados pelo teu amor!...



Ouro Prêto          
Vasco de Castro Lima

Recanto emocional que a todos brinda
com cenários de glória e tradição,
Ouro Prêto é uma joia antiga e linda
no relicário da recordação.

A arte do Aleijadinho esplende ainda,
dando às imagens alma e coração...
Rezam os sinos numa prece infinda,
e até o silêncio fala, em oração...

Eternizando o ideal de Tiradentes,
lá estão as cinzas dos Inconfidentes,
em calada e recôndita vigília!

E quando há luar, dois vultos conchegados
passeiam pelas ruas, braços dados:
— Dirceu dizendo versos a Marília...



Esperança Morta
Vasco de Castro Lima

Foi sob as rendas de um luar de opalas
que eu queimei tuas cartas, sem rancor.
Por que havia, afinal, de conservá-las,
se eu te sabia entregue a um outro amor?

As línguas crepitantes da fogueira
se ergueram para o alto, como lanças!
Faziam-me lembrar uma bandeira
simbolizando mortas esperanças.

E sôbre a mancha negra que ficara
como um resto de luto pelo chão,
eu vi a tua imagem meiga e clara
pisando e repisando um coração...

Queimei as tuas cartas... Mas, que digo?
Uma delas guardei-a, sem rancor...
Uma, que há de seguir sempre comigo,
pela noite sem fim da minha dor...

Aquela carta azul do rompimento
— túmulo pobre da Felicidade —
Guardo-a como quem guarda um desalento,
uma esperança morta, uma saudade.

Releio-a sempre! O tempo, em vão procura
extinguir, de uma vez, a cicatriz...
Lembrar um velho amor na desventura
é um modo original de ser feliz...



Elegia da Vida                   
Vasco de Castro Lima

Vida! Quisera ter, como as aldeias,
o seu destino de tranqüilidade!
Ter a memória fraca das areias,
para esquecer os dramas da maldade!

Ah! Ser, no céu imenso de cobalto,
um sorriso de sol na luz da aurora!
Ser ave para olhar, lá bem do alto,
os horizontes de amplidão sonora!

Um rio azul para levar, cantando,
o sonho colorido de uma flor!
Um barco que partisse carregando
a angústia, o tédio, o sofrimento, a dor!

Vida! Corri caminhos, muitos anos,
numa aventura dolorida e triste,
pisando o velho chão dos desenganos,
atrás de um sonho bom que não existe!

Nem podes compreender, ingrata Vida,
como tem sido imenso o meu penar!
Eu sou como a cigarra, perseguida
só pelo crime de saber cantar!

Ergui castelos de ouro sôbre areias
e palácios floridos sobre escombros!
Tenho os raios do sol em minhas veias
e o peso do infinito sôbre os ombros!

Onde morou o amor em outras eras,
e onde viveu o ideal dos misticismos,
hoje há o clamor medonho das crateras
e a sensação horrível dos abismos!

Trago comigo, além do horror a tudo
e além da minha triste indiferença,
o desespêro e a convulsão de um mudo
e a tristeza de um cego de nascença.

Visitei a cigana e ela me disse:
“Tu és rico e feliz, muito feliz...”
— Ai, cigana das cartas, que doidice!
Você não sabe? Ou sabe, e não me diz?

Depois cheguei a consultar as flores...
E quando elas diziam “bem me quer”,
eu sofria o aguilhão de novas dores,
numa nova perfídia de mulher...

Hoje, para esquecer os sofrimentos
que a minha alma angustiada já sofreu,
procuro ouvir os íntimos lamentos
daqueles que sofreram mais que eu...

E aprendi que a alegria, a luz da crença,
o céu do amor, a fôrça da bondade,
moram no doce olhar de quem não pensa
nisto que chamam de Felicidade!...







Explicação do autor:

O autor havia produzido seu sexto livro de versos, em 1966.
Daí para cá, escreveu inúmeras outras obras, muitas das quais lograram prêmios em concursos de poesias, especialmente sonetos.
Pensava em dar à estampa novo volume, apenas com criações inéditas. Ao invés disso, porém, resolveu reunir, no presente livro, algumas dezenas de sonetos selecionados em sua produção total.
Procurando agir criticamente, separou para esta edição, 200 sonetos. Ao lado dos inéditos, figura uma parte dos já inseridos em “Lágrimas da Alvorada” (1926), “Cascata de Ilusões” (1938), “Inquietude” (1940), “Vergel do Paraíba” (1962) e “Correnteza” (1966).
Nesta coletânea estão, pois, incluídos trabalhos compostos, também, na adolescência do poeta. Dessa maneira, a seleção pode dar uma idéia do conjunto de sua obra de sonetista.
A seqüência dos sonetos, no livro, não obedece a qualquer ordem cronológica. Acham-se distribuídos em grupos, seguindo, cada um deles, algo semelhante a um tema, com certa dose de elasticidade. Teve em mira, o autor, lembrar que, entre os assuntos de cada grupo, existe uma espécie de afinidade, pelo menos em termos de arte poética.
No título — “A Estrada do Sonho” — o poeta procurou exprimir o sentido do seu próprio caminho, na vida...












                               




          I

Soneto! Com quatorze primaveras,
te conheci! Foi predestinação!
Plantei quatorze rosas em botão
no teu nobre jardim cercado de heras.

Por entre as confidências mais sinceras,
eu te entreguei, cativo, o coração.
Meus dias, minha cruz, minha ilusão,
tu vestiste de aromas e quimeras.

Confiei-te sonho, amor, prantos, espinhos!
E tu, recompensando os meus louvores,
dás-me a tua acolhida e os teus carinhos.

Teus passos seguirei para onde fores!
Teremos, a abençoar nossos caminhos,
Um suave arco-íris de quatorze cores!...


       II

... Assim, desde que eu era uma criança
e erguia os meus castelos de menino,
tornei-me teu ardente paladino,
lutando armado de perseverança.

Vivo a exaltar tua beleza mansa,
mesmo nos dias em que, à Dor, me inclino,
cansado de correr sem um destino,
cansado de esperar pela Esperança.

Soneto! As tuas taças quero erguê-las,
pois, mesmo tendo o coração tristonho,
espero, sempre e sempre, merecê-las.

Sim, tu me guias, lúcido e risonho,
formando, no alto, com quatorze estrelas,
o Cruzeiro do Norte do meu Sonho!


    III

Quando, sangue e luz, no céu apontas,
rompendo as alvas brumas levantinas,
tu és, Soneto, um astro que fascinas,
radiosa estrela de quatorze pontas...

Uma pulseira de quatorze contas,
Um colar de quatorze turmalinas...
... Soberbo girassol entre boninas,
Também nos prados — novo sol — despontas...

Quanta vez, no silêncio ou no tumulto,
se te vejo nas cores da alvorada,
saio feliz, no rasto do teu vulto!

E vendo-te, na abóbada estrelada,
quero subir, rendendo-te o meu culto,
os quatorze degraus da tua escada! 


   IV

Soneto, a tua vida de fulgores
desliza numa escarpa de martírios.
se és um campo coberto de alvos lírios,
também és um vergel de negras flores.

Regaço de alegrias e amargores,
ninho de mansuetudes e delírios,
nasces da chama espiritual dos círios,
como nasces do sol, que acende as cores.

Tu — florido e sonoro baluarte;
tu — rei do Amor, por mais que o ódio aguces;
tu — novo Cristo de um Calvário de Arte;

mesmo que cantes, mesmo que soluces,
revives todo dia, em toda parte,
as quatorze Estações da Via-Crúcis!


  V

És, no reino das Artes — o Monarca;
no Culto da Poesia — és o Senhor!
És, Soneto, na Idade — um Patriarca,
tu, que vences o tempo e o seu clamor!

Nos caminhos, deixaste a tua marca,
Celebraste o Prazer, ungiste a Dor!
— Ronsard, Bilac, Herédia, Arvers, Petrarca;
e Bocage e Camões, poetas do Amor;

Stecchetti, Shakespeare, Antero e Dante;
Teresa de Jesus, Rueda e Chocano,
Foram quatorze eternas viibrações...

Reboa, assim, no espaço, triunfante,
como se fosse a voz de um peito humano,
o bater de quatorze corações!




         

                    




A Viagem da Esperança
Vasco de Castro Lima

Na praia do Restelo. A Corte Portuguesa
comparece ao “Te Deum”, reluzente ermida.
O cenário é suntuoso, o instante é de grandeza,
tudo é festa e esplendor naquela despedida. 

Pedro Álvares Cabral vem saudar a nobreza.
Dom Manuel, contemplando a maruja garrida,
passa ao Capitão-Mor, com serena firmeza,
o estandarte real. É a hora da partida!

Zarpam as treze naus, com presságios risonhos!
Quarenta noites, quase um século de sonhos,
quarenta dias, sempre a fé que não se cansa!

... E um dia o grito: “Terra!” O alarma aturde os ares!
A angústia vai morrer na solidão dos mares,
um mundo vai nascer na Viagem da Esperança!...



Bandeira de Fernão Dias
Vasco de Castro Lima

          I

Grimpando o dorso hostil da cordilheira,
ou descendo os grotões da selva bruta,
marcha, sertão a dentro, resoluta,
— com Fernão Dias, — mais uma Bandeira.

O olhar duro, a voz firme, a barba hirsuta,
o herói vence o calor, a ribanceira,
a fera uivante, a tribo traiçoeira,
em luta desigual, — gloriosa luta!

Cruza e recruza os longes do horizonte,
de caudal em caudal, de monte em monte,
saltando rios, socavões e faldas.

Nem lhe importam as brenhas e o deserto,
pois sonha ver, em dias que vêm perto,
a serra verde-azul das esmeraldas...


         II

O herói prossegue! A luta não se esgota,
porque existem, nas árduas serranias,
cansaço e fome e sol e noites frias,
lama e chuva escorrendo em cada grota.

Um dia, já passados três mil dias,
velho e doente, abandona a triste rota:
— É no Rio das Velhas, na remota
solidão das barrancas alvadias...

Fernão Dias estaca! Aperta o peito
um saquinho em que guarda, satisfeito,
as esmeraldas de seus sonhos vãos.

Queima-o a febre. Vai morrer. Delira.
E, olhos boiando em lágrimas, expira,
beijando as pedras falsas entre as mãos...


 
Caravana
Vasco de Castro Lima

O céu traz um incêndio em seu regaço!
O areal adusto, em fogo. O sol adusto
A caravana, lenta, invade, a custo,
o infinito deserto, passo a passo.

Não há, na areia, a bênção de um arbusto.
Para o viajor hão há senão cansaço.
Nuvens aflitas correm todo o espaço,
— ovelhinhas tangidas pelo susto.

Súbito, aponta, à frente, o verde oásis!
Seria a sombra, a tâmara, a água fresca...
Figueiras...Talvez rosas e lilases...

Mas, não! É apenas uma vã miragem!
... E a caravana segue, mais dantesca,
na intérmina extensão da triste viagem...



A Viagem à Lua
Vasco de Castro Lima

A Lua, que pertence aos sonhadores,
tem beleza, tem alma e sentimento.
É a inspiração de todos os amores,
nas alegrias e no sofrimento.

Mas... um dia, pensando nos condores
e ultrapassando o próprio pensamento,
homens de ação, heróicos precursores,
invadiram o azul do firmamento.

Conquistaram a Lua! Foi a viagem
do milagre, do gênio e da coragem,
O Futuro pondo asas no Passado!

Mas, sonhadores, não mudou a vida:
— há uma Lua no céu... e outra escondida
no coração de cada namorado...


 
O Drama do Retirante
Vasco de Castro Lima

Em cima, o sol referve, em clarões de braseiros,
enquanto queima, embaixo, a gleba estorricada.
Plantas e galhos nus. Na planície escalvada,
vão morrendo animais, definhando ribeiros!

Não há nenhuma sombra. Os próprios juazeiros
se desfolham, abrindo os braços para a estrada.
Despencam-se, do céu, sobre a terra esbraseada,
purgatórios reais, infernos verdadeiros!

E, cansado e faminto, o pobre retirante
sai, quase sem querer, rumo à grande cidade,
para enfrentar, sem medo, a viagem torturante.

Sua esperança é a mesma esperança de um povo!
... Mas, não será feliz: vai morrer de saudade,
ou voltará, talvez, para sofrer de novo!...


 
País do Encantamento
Vasco de Castro Lima

Tão belo quanto a Luz é o Pensamento!
Se a Luz desce no carro da Alvorada,
o Pensamento sobe na dourada
asa do Sonho, para o firmamento.

E o Poeta é quase um Deus, nessa jornada,
porque vai ao País do Encantamento,
pedir, ao Céu, que ressuscite o vento,
e ao próprio Luar, que acorde a madrugada.

Vai sentir, nas celestes aquarelas,
aquele Azul que vem, no mês de Maio,
colorir o silêncio das Capelas...

Vai ao ninho das chuvas e das cores,
olhar o Sol forjando cada raio,
e os Temporais rufando os seus tambores!

 

Viagens do Destino
Vasco de Castro Lima

Gosto de ver, do cimo deste outeiro,
batéis, navios, naus, cortando o mar.
— Um barco pode ser o mensageiro
da Esperança que foi para voltar.

Quantas vezes, o olhar de um jangadeiro
se afoga na tristeza de outro olhar!
Pode, a Saudade, ir mesmo num cargueiro,
numa barcaça, o Amor pode vogar...

Num modesto veleiro solto aos ventos,
velas e mastros, em seus movimentos,
simbolizam a Dor da despedida:

— os mastros são os braços levantados,
as veias são os lenços desfraldados,
dizendo adeus no instante da partida...


Língua Portuguesa
Vasco de Castro Lima

Língua sonora e doce! Em busca de outros ninhos,
venceste o mar sem fim, na frota de Cabral!
Nas sandálias, trouxeste a poeira dos caminhos
que nem existem mais no velho Portugal!

Dás aquele dulçor das flores sem espinhos,
à dor de uma paixão, à voz de um madrigal;
como dás ao papel e deste aos pergaminhos
belezas imortais do teu verbo imortal!

Conquistaste, feliz, as terras brasileiras,
levando o teu clamor no tropel das Bandeiras,
e teu beijo de luz, de cidade em cidade!

Se eras grande e formosa e amada e estremecida,
ficaste ainda maior, mais bela e mais querida,
pois sublimaste o Amor, inventando a Saudade!...



A Viagem do Sonho
Vasco de Castro Lima

Viajar! Esquadrinhar os Continentes,
a imensidade verde-anil dos mares,
o alvo lençol das solidões polares,
o redil das estrelas refulgentes!

Viajar à luz prateada dos luares,
e ver todos os chãos, todas as gentes,
desde a ourela das praias sorridentes
ao teto das montanhas milenares!

Viajar, sempre imitando, nessas trilhas,
Júlio Verne no Reino das Quimeras,
“Alice no País das Maravilhas”!

Viajar para os confins do céu risonho,
carregando Arrebóis e Primaveras
na asa do vento, na espiral do Sonho!


 
A Última Viagem
Vasco de Castro Lima

Para a viagem extensa, amarga e fria,
que hei de iniciar no derradeiro alento,
talvez magoado pelo sofrimento
de ver queimar-se a vela da agonia;

para a viagem final do esquecimento,
que espero a todo instante, a qualquer dia,
confiado em que a perpétua moradia
seja uma aurora de deslumbramento;

para a última e eterna caminhada,
rumo às regiões longínquas de outros mundos,
onde o dia é uma noite constelada,

ponha Deus frente a mim esta miragem:
— tuas mãos me fechando os olhos fundos,
e eu levando nos olhos tua imagem...

                                   











Paladino do Amor
Vasco de Castro Lima

Trago as glórias de inúmeras campanhas
e cansaços de longas caminhadas!
Galguei o azul de todas as montanhas,
pisei o chão de todas as estradas!

De lança em riste, eu arrostei façanhas
e marchei para as intrépidas cruzadas!
Enchi minha alma de emoções estranhas,
ensangüentei as brancas madrugadas!

E eis-me de volta ao País do Sonho,
— Paladino do Amor, poeta risonho,
cantando as lendas de ouro dos heróis —

para dizer-te, após tantos cansaços,
que o teu olhar iluminou meus passos,
como se fosse um roseiral de sóis!...



Fantasia
Vasco de Castro Lima

Quisera ser um ramo de lilases
e perfumar tua alma fantasista...
Fazer, do teu sorriso, um verde oásis
para acalmar a dor que me contrista.

Quisera ser, com os versos meus, fugazes
teu pobre poeta sentimentalista...
Dar-te, em troca do mal que tu me fazes,
toda a ventura que no mundo exista...

Quisera ser o amor que amas e gostas,
para viver rezando, de mãos postas,
no altar florido do teu coração...

Quisera ser um deus todo carinho,
para encher, de esplendores, teu caminho,
pulverizando estrelas pelo chão!... 



Teus lábios pedem...
   Teus olhos mandam...
Vasco de Castro Lima

Sempre me pedes para que eu te esqueça,
e eu sempre faço por querer-te mais,
porque não há tesouro que mereça
comparar-se aos teus olhos sensuais.

Não há quem, por te amar, não se envaideça,
— alvorada de luzes musicais!
Teus lábios pedem para que eu te esqueça,
teus olhos mandam que eu te beije mais...

Tu és, com teu carinho e teu sorriso,
uma flor que nasceu no Paraíso,
e veio para o alcance de meus braços...

Pedes que eu vá. Se é este o teu desejo, 
então, por que tu beijas o meu beijo,
e abraças tanto, assim, os meus abraços? 



Ninho de Amor
Vasco de Castro Lima

Recebo o teu recado... E, alma indecisa,
ansioso, eu fico a te esperar. A lua
entre os astros em flor, pálida e nua,
serenamente, pelo céu desliza.

Passos ressoam na calçada lisa...
Chego à janela, mas, ninguém na rua.
O minuto que vai se perpetua,
o minuto que vem já se eterniza.

De repente, na noite prateada,
vibrando de ternuras e desvelos,
chegas, sorriso aberto, olhos de fada...

Desfazem-se, afinal, meus pesadelos...
E, à meia-luz da alcova enluarada,
adormeço beijando os teus cabelos...



A Deusa da Ternura
Vasco de Castro Lima

Sei onde mora a Deusa da Ternura,
uma mulher tão linda e tão singela,
que nem Bilac imaginou tão pura,
nem Castro Alves descreveu tão bela...

Seria o sonho ideal para a amargura,
para o drama infinito de Varela.
Mais que Marília, por ter mais doçura,
prenderia Gonzaga aos olhos dela.

E eu, pobre poeta, pobre criatura,
eu nada tentarei para prendê-la,
eu, que a adoro em silêncio, com loucura...

Mora no céu... Não poderei querê-la...
Lembra uma flor de etérea formosura
que pendesse da rama de uma estrela...



Olhos Castanhos
Vasco de Castro Lima

Olhos espirituais, olhos castanhos,
encastoados na sombra das olheiras,
tendes a mansuetude dos rebanhos
e a placidez monástica das freiras.

Lírios morenos de jardins estranhos,
que balbuciais, rezando, horas inteiras,
vós me fazeis lembrar, olhos castanhos,
crepúsculos vestidos de roseiras.

Canções de céu cantando à flor dos montes,
poentes de sonho enchendo os horizontes
de sol, de primavera e de esplendor.

Quero ver-vos, em todos os momentos,
alumiando — dois claros círios bentos —
a catedral sem luz do meu amor...



A Cigana
Vasco de Castro Lima

— “Tu serás muito rico! A tua vida
vai ser uma jornada luminosa:
A Glória — deusa incauta e distraída —
cingirá sua fronte majestosa!”

E fitando os meus olhos, condoída:
“... Mas vejo agora... Em tua mão curiosa
nada existe de amor... Será despida
de amores tua vida rumorosa!”

Foi assim que, na minha meninice,
a cigana falou... Mas, do que disse,
nenhum presságio se cumpriu jamais...

Porque eu não tenho glória, nem riqueza...
tenho, ao contrário, o amor que, com certeza,
me torna o mais feliz dentre os mortais!



Glória
Vasco de Castro Lima

Eu gosto de cantar, alegremente,
o amor, a mocidade, a vida, o sol...
a Estrela-d’Alva, o luar, a água corrente,
a cascata vermelha do arrebol... 

Procuro inspiração no canto ardente
que é cor e luz na voz do rouxinol...
Sempre cantei, embaladoramente,
o sonho, a primavera, o mar, o sol...

Mas, meu Deus, como é pálida, incompleta,
a glória sedutora de ser poeta,
— mentira deliciosa e merencória!

Pudesse a gente ter o que mais quer,
eu trocaria a glória — que é mulher —
pela mulher que fosse a minha glória!



Crucificada
Vasco de Castro Lima

Nossa paixão de enamorados era
o claro despontar de uma alvorada.
Causava inveja à própria Primavera,
o roseiral em flor da nossa estrada.

E ela esqueceu-me um dia... Quem me dera
jamais lembrar-me dessa dor malvada!
Cheguei a odiá-la. E, em minha mágoa austera,
condenei-a a morrer crucificada!

... E quando ela voltou, bela e sublime,
reconhecendo a culpa de seu crime
e dizendo ser justo o meu rancor,

eu  —  cumprindo o castigo que lhe impús —
abri-lhe os braços, preparei a cruz,
e foi assim que eu a matei... de amor!... 



Êxtase
Vasco de Castro Lima

Sentas-te ao piano e vais interpretando
as valsas e os noturnos de Chopin...
Um sonho de asas tristes que, voando,
é uma saudade que de longe vem...

E eu, a teu lado, fico reparando
como és lirial, como interpretas bem!
Parece que os teus dedos vão cantando
o romance das lágrimas de alguém...

Tange a última nota... E eu, inspirado,
quero compor um canto enamorado
que tenha os mais esplêndidos arpejos...

E vou, no enlevo dos artistas raros,
enchendo as pautas de teus dedos claros
com a música vibrante dos meus beijos...



Linda!
Vasco de Castro Lima

Sol posto! O sino reza, em tom plangente,
a oração musical dos misereres.
Num sorriso de flor, os malmequeres
vão-se esfolhando, preguiçosamente.

A brisa vem dizendo, a toda a gente,
que hoje, mais do que nunca, tu me queres.
E que és a mais graciosa das mulheres,
as estrelas repetem, docemente.

Surge a lua no azul, clara e benvinda,
com seu rosto redondo, iluminado,
olhando o sol que não morreu ainda.

E dou graças a Deus que, fascinado,
te faz mais bela do que o céu, mais linda
do que o sonho de um poeta apaixonado.



Sonho de Poeta
Vasco de Castro Lima

Se eu tivesse o domínio, se eu tivesse
a força, o dom dos deuses imortais,
se um dia fosse ouvida a minha prece,
que rezo em contrições emocionais;

se Deus, o Rei Puríssimo, quisesse
dar-me poderes sobrenaturais,
— eu criaria um Céu... mas onde houvesse
só mulheres e estrelas divinais...

Nessa mansão de sonhos e quimeras,
onde a vida adorasse as primaveras,
sem dores, desalentos e perfídias,

as estrelas seriam belas rosas,
e as mulheres, joviais e esplendorosas,
mais belas do que as mármores de Fídias...



Juramento Sagrado
Vasco de Castro Lima

Eu juro, pelo que há de mais sagrado,
pelos santos de minha devoção;
pela força do amor imaculado
que enche de sonhos o meu coração;

por Jesus, o Senhor Martirizado,
que pregaram na Cruz, sem compaixão;
juro, sim, que nasci predestinado
para render-te a minha adoração!

Deus, que me escuta, neste juramento,
e que sabe do amor sem fingimento
que, no meu peito, vibra e tumultua,

— tire-me a inspiração, tire-me a vida,
se algum dia eu beijar, minha querida,
alguma boca que não seja a tua!



Romantismo
Vasco de Castro Lima

Tenho inveja da brisa cariciosa,
que escuta e vai levando os teus segredos.
Invejo a lira humilde, a harpa vaidosa,
que merecem carinhos de teus dedos,

Invejo tudo o que amas: a ave, a rosa,
o mar e o céu, as praias e os rochedos...
E a tua ingenuidade venturosa,
que confunde os amores com brinquedos...

Vezes sem conta, chego a ter ciúme
das gotas cintilantes de perfume
que pulverizas pelo corpo, a esmo...

E é tão cego este amor que me espezinha,
que, certa vez, porque sonhei-te minha,
cheguei a ter inveja de mim mesmo... 



Confidência
Vasco de Castro Lima

Eu, que clamo e blasfemo contra a vida,
por seus requintes de perversidade;
e que detesto a lágrima fingida
rolando pelas faces da maldade;

eu, que odeio a virtude presumida
e o negro tédio da vulgaridade;
que esbravejo de raiva mal contida,
vendo as desilusões da falsidade;

— quando olho o teu olhar calmo e risonho,
esqueço que o meu peito é um mar tristonho,
onde os barcos perderam seus destinos;

e então me julgo um cisne deslumbrado,
a brincar e a nadar, feliz e amado,
nos lagos dos teus olhos pequeninos...



Dois Destinos
Vasco de Castro Lima

Olha, no céu, o tímido lampejo
que é o prelúdio da próxima alvorada!
Dá-me, também, a chama do teu beijo
e palmilhemos esta nova estrada! 

O sol, feliz, alegre e benfazejo,
surge, tingindo a frouxa madrugada,
As nuvens, lentas, formam seu cortejo,
as fontes têm canções na voz prateada.

Há primaveras no clarão da aurora.
E aves cantando pelo espaço em fora
vão imitando acordes de violino... 

Vem! Não percamos tempo! Comecemos!
No caminho da vida, nós seremos
dois destinos trilhando um só destino!



Ao Cair da Tarde
Vasco de Castro Lima

... “Como está linda a tarde luminosa,
enchendo de alma os montes e caminhos!
Há pétalas de luz em cada rosa,
e cada nuvem é um lençol de arminhos...

A Natureza, assim maravilhosa,
parece uma paineira de carinhos...”
E depois de uma pausa:“— “E que formosa
é a vida dos casais de passarinhos!”

Continuaste a falar... Mostraste as flores
que pendiam de arbustos multicores
para a margem da estrada indiferente...

E eu te escutava... O tempo me era pouco
para apertar-te aos braços, como um louco,
para beijar-te alucinadamente...



Lirismo
Vasco de Castro Lima

Estrelado de sonhos multicores
é o sorriso que trazes para mim.
Nascem, da tua voz, cantos e flores
e idílios musicais de bandolim.

A lua, protetora dos amores,
espia, com ciúme, o teu jardim,
e te cobre de tímidos palores,
coroando os teus seios de marfim.

És um formoso livro de poesias
e as páginas são pétalas macias
de uma rosa que nunca viu abrolhos.

E, assim, vou lendo, à luz dos meus desejos,
canções de luar nos versos de teus beijos,
versos azuis no poema de teus olhos... 

    

História Antiga
Vasco de Castro Lima

Eu me lembro, até hoje, com tristeza,
de uma história que minha avó contava:
— “Era uma vez um príncipe que amava,
que adorava uma simples camponesa...”

Quando a pobre velhinha começava
a narração, com alma e singeleza,
tu me afagavas, cheia de pureza,
e, cheio de pureza, eu te afagava...

Mal caía, no poente, o sol em febre,
a santa nos levava ao seu casebre,
— como na história, o lar de um camponês —

e então, ao seu redor, no chão, sentados,
sorríamos, nós dois, de braços dados,
quando ela começava: — “Era uma vez...”



A Tua Surpresa
Vasco de Castro Lima

Jardim da tua casa. Lindas rosas
pendem, sorrindo, das roseiras frias.
Espero-te, impaciente. Horas ansiosas,
de sustos, desconfianças e agonias.

Tenho os olhos em pranto e as mãos nervosas,
porque já não te vejo há muitos dias.
E ouço vozes dizerem, lamentosas,
que não me queres mais, como querias...

Mas, chegas de repente, de surpresa,
mas bela que lindíssima princesa,
o sol no olhar e a voz cheia de arpejos.

Vens correndo e te atiras aos meus braços,
numa aurora de beijos e de abraços,
num incêndio de abraços e de beijos!



                                 








O Cego
Vasco de Castro Lima

Conheço um pobre cego que, curvado
ao seu bordão, às vezes me procura.
Vem tristonho, andrajoso, escaveirado,
rosto sofrido, cheio de amargura.

Descansa, por momentos, seu cajado,
esquece a sua imensa desventura.
... Então, abre as janelas do passado
e fala, mansamente, com ternura.

E ele me diz: — “Ouço falar, amigo,
no grupo reluzente e majestoso,
das estrelas que têm, no céu, abrigo...

Nunca as vi, nem jamais poderei vê-las,
mas penso, meu amigo generoso, 
que as lágrimas que choro são estrelas...



Tísica
Vasco de Castro Lima

Mora só. Raras vezes sai do leito,
pobre leito das penas e martírios.
Ninguém lhe dá remédios. Dói-lhe o peito
e tem, nas faces, o palor dos lírios.

A febre a desfigura. O olhar é feito
da inquietação agônica dos círios.
Um anseio dorido e contrafeito
sacode os seus tormentos e delírios.

Súbito, o rosto se enche de alegria:
beija, feliz, uma fotografia
que retira de baixo do colchão.

Tosse. Um jorro de sangue invade a cama,
e ferve, e escorre, e salta e se derrama:
— rosas vermelhas soltas pelo chão...



Primeiro Amor
Vasco de Castro Lima

Juro, por Deus, que o conheci. Na vila,
dizem que era a estátua da Amargura.
Era mais feio do que a Desventura,
um bloco amorfo e túmido de argila.

Tinha o porte asqueroso de um gorila
e uns gestos invulgares de tortura.
A noite mais tristonha e mais escura,
trazia em cada gélida pupila.

Nunca vira, apesar da sua crença,
o céu, a terra, a lua, o sol, a flor,
nem mulheres ... naquela treva imensa.

No entanto, ele, tão grande sofredor,
cego doentio, cego de nascença,
morreu na febre do primeiro amor! 



O Sorriso de Gioconda
Vasco de Castro Lima

Em que pensava, enfim, o bom Leonardo,
ao pintar o sorriso de Gioconda?
Consulte outro pintor, pergunte ao bardo,
e não encontrará quem lhe responda.

Muitos verão, nesse sorriso, o dardo
da ironia... A alma azul de um mar sem onda...
A esperança, talvez. Talvez o cardo
de um fingimento que no fundo esconda...

Que haverá por detrás de tal sorriso?
O Inferno? O purgatório? O Paraíso?
A saudade, a malícia, um dom qualquer?

Nada disso! Da Vinci, na verdade,
procurou retratar, com lealdade,
simplesmente... um sorriso de mulher!



Cromo
Vasco de Castro Lima

Um homem num caixão jaz estendido
na salinha tristonha, à luz escassa.
Deixa mulher e um filho estremecido,
agora mais unidos na desgraça.

Ao lado, a viúva, coração partido,
o rosto do marido beija e abraça.
O filho não murmura um só gemido,
pois brinca, sem saber o que se passa.

Mas, de repente, pálida e cansada,
aquela pobre mãe cai desmaiada,
estrangulando um grito na garganta.

E o filho do casal, que a tudo assiste,
sorrindo, diz: “Mamãe, por que caíste?
Já chega de dormir, papai, levanta!”



Inocência
Vasco de Castro Lima

Noite. Lá fora, o temporal desfeito
brame, estronda, reluz, frio e brutal.
O canhoneio ameaça, insatisfeito,
levar todas as casas do arraial.

Na esteira pobre do materno leito,
prostrada em atitude angelical,
uma linda menina, mãos ao peito,
reza para que amaine o temporal.

Pede: — “Papai do Céu, olha a mãezinha”
Se ela morrer, o que eu farei sozinha?
Termina a chuva, meu Papai Noel!”

Nisto, as estrelas brilham... É a bonança!
E, agradecida, a tímida criança
dorme abraçada a um santo de papel...



A Inteligência
Vasco de Castro Lima

Quando Deus, na alvorada do universo,
ao Homem deu a fé e a inteligência,
pôs-lhe, no coração, o amor e um verso,
no cérebro, acendeu a luz da ciência.

E, neste mundo hipócrita e perverso,
o Homem venceu as tramas da existência.
Passou, confiante, os séculos, imerso
nas bênçãos da Divina Providência.

Hoje, com a inteligência, faz milagre:
converte o pântano em região florida,
transforma a uva doce no vinagre.

Detém o raio, a dor, a própria sorte.
Domina o espaço, a Natureza, a vida...
... Mas, Deus não quer que ele domine a Morte!



O Bosque Onde Nasci
Vasco de Castro Lima

Não vês aquela serra azul, clara, formosa,
que dorme sob o céu sanguinolento e vivo?
Lá, eu nasci... Bem perto, uma fonte chorosa
sussurrava ao calor de um dezembro festivo.

Foi lá... numa vivenda alegre e venturosa,
— um sorriso dourando o arvoredo nativo.
Era um recanto ameno, uma ilha ditosa,
em meio ao mar do campo indolente e lascivo.

As tardes e as manhãs, como poemas, cantavam.
Havia muita flor, as aves fervilhavam,
e eu vivia a assaltar os favos das abelhas.

Era um bosque pacato, entre árvores bizarras,
onde ardia e vibrava o canto das cigarras,
e o sol se debulhava em lágrimas vermelhas...



O Poeta e o Mar
Vasco de Castro Lima

         I

Quando em seu leito azul, o rubro Sol se erguia,
acordavas, também, para melhor sonhar!
Tinhas de ouvir, de perto, a voz do velho mar,
mesmo quando a manhã chegasse escura e fria. 

E ficavas defronte à Catedral vazia
do Oceano, junto à praia — um crente ao pé do altar!
Derramavas, então, com fagulhas no olhar,
os “Poemas e Canções” da tua sinfonia...

Hoje, porém, te vejo aqui, tristonho e mudo,
regressando à cidade, olhos fitos no chão, 
de costas para o mar, num sofrimento agudo.

Não compreendo por que tanta desilusão!
Será que tu ficaste indiferente a tudo?
Será que o velho mar traiu teu coração?


         II

Não pode ser o mar que te encha de tristeza,
jamais seria o mar  —  teu líquido tesouro!
... São restos mortais de um sonho imorredouro,
“sonho belo, talvez, confuso com certeza”. 

É o “Pequenino Morto”, Arcanjo da Pureza,
“dormindo no caixão”, como num “berço de ouro”.
São os negros — quem sabe? — os heróis sem desdouro,
na atroz Serra do Mar colhidos de surpresa.

É o ódio de Satã que, furioso e malvado,
fez, do beijo, um veneno a que ninguém resiste,
e fez, dos “lábios de Eva”, o “cálix do Pecado”.

É, talvez, teu “amor desamparado e triste”,
que, com o “vício de amar”, “de amar sem ser amado”,
“cego, põe-se a sonhar o bem que não existe”...

    
     III

Levanta a fronte, Poeta! Olha a manhã sem brumas!
É Abril, “o claro mês das garças forasteiras”.
Declama os versos teus, “à sombra das palmeiras”,
vendo as aves pousando “à tona das espumas!”

Olha o vento espalhando nuvens de alvas plumas,
olha o mar encrespando as verdes cabeleiras!
O próprio marulhar das ondas altaneiras,
com teu estro suave, eu sinto que perfumas!

Mas... teimas em voltar às ruas sem paisagem!
Por que? Olha em frente — a alma rezando, inquieta,
e o espírito esplendendo — o “belo mar selvagem!”

... Olha, de frente, o mar, com teus olhos de esteta,
mar, espelho que guarda a tua eterna imagem, 
e sempre refletiu teu coração de Poeta!


   
O Ocaso do Poeta   
Vasco de Castro Lima

                                  (Em memória de Bocage)

          I

Bocage está morrendo. Os olhos baços
se apagam sob a luz do olhar desfeito.
É o momento final. Unem-se os braços
em cruz, cobrindo o atormentado peito.

Solta o suspiro extremo. Nos espaços
erra um gemido cavo, contrafeito.
O velho Portugal pára seus passos,
e Setúbal se ajoelha ante o seu leito.

Está de luto a Pátria portuguesa!
Um povo bom chorando de tristeza,
preces subindo ao céu, de cada altar...

E aquela vida — a um tempo amarga e doce —
se vai, se extingue, assim como se fosse
um sonho que deixasse de sonhar!


         II


Sofreu Bocage a dor que mais deprime:
— era um gênio feliz e desgraçado!
E, como se a Arte constituísse um crime,
deram-lhe fel ao néctar misturado.

Na glória e no martírio, foi sublime,
tão mais sozinho quanto mais amado.
Se o pecado de amor o homem redime,
o Poeta se remiu pelo pecado!

Sonhou, cantou, sentiu, lutou, sofreu;
e, ao sol inspirador que Deus lhe deu,
eternizou a Língua de Camões!

Seu nome há de esplender em claridade,
enquanto houver, nas almas, a saudade,
e houver amor florindo os corações!




A Forma
Vasco de Castro Lima

Quando o homem contemplou a primeira alvorada
e viu morrendo a estrela e viu nascendo a flor,
de seus lábios brotou harmoniosa balada,
pela primeira vez sentiu o Criador!

Nasceu assim o poeta... E sua alma encantada,
— alma de um poema azul, alma de um trovador —
extasiou-se ante o céu e a montanha orvalhada,
ante o brilho do sol e a beleza da cor...

Quando, porém, fitou a sua companheira,
o que o prendeu não foi o espírito risonho,
foi o corpo sensual... a basta cabeleira!

Depois foi sempre assim... Todo homem se transforma,
e põe o seu ideal, não mais na luz de um sonho,
mas num poder maior que o pensamento: a Forma!



Destino
Vasco de Castro Lima

... E no alto da montanha resplendente,
exausto e maltrapilho, o homem parou.
Vencera a caminhada impenitente
que o destino da Vida lhe traçou.

E agora, ali, perto do sol candente,
que lhe importava a dor que o maltratou?
Como um forte que morre heroicamente,
o homem, sem uma lágrima, tombou...

Assim, também, o poeta. A trajetória
que o leva para o píncaro da Glória,
ao som de eternos madrigais risonhos,

ele a vence, entre hosanas e cansaços,
sangrando os pés e retraindo os passos,
mas mergulhado num rosal de sonhos...


                                   










Maio
Vasco de Castro Lima

Maio da lua que prateia o rio,
da alvorada que doura as alamedas!
Não tens o sol jorrando labaredas,
como aquele impiedoso sol de estio!

Maio do céu azul feito de sedas,
lindo, lânguido, alegre e luzidio!
As tuas flores, que já sentem frio,
têm a cor das manhãs claras e ledas!

Quanta poesia! Quanto amor! As rezas...
As noites de luar que tanto prezas,
a ternura que deixas quando passas...

Os cravos rubros namorando as rosas,
a mansidão das tardes luminosas,
Nossa Senhora distribuindo graças!



Manhã no Campo
Vasco de Castro Lima

Por detrás das montanhas de granito,
desponta o sol brandindo os seus chicotes.
Nuvens de ouro galopam no infinito:
lembram corcéis em rápidos magotes.

Andorinhas, vagueando em vôo aflito,
vão buscar o alimento dos filhotes.
Há um azul muito azul de céu bonito
dentro do olhar azul dos miosótis.

Um fio-d’água tremeluz no mato
e foge, morro abaixo, irresoluto:
— é o colar de brilhantes do regato.

Rosas, dálias, hortênsias e violetas
semelham, colorindo o campo enxuto,
um bando de graciosas borboletas.



Pôr-do-sol
Vasco de Castro Lima

Tomba, no leito de cetim, do poente,
uma nuvem de fímbrias luminosas.
É a hora em que a saudade está presente
no mundo das lembranças carinhosas.

No campo, no jardim, na água corrente,
a Primavera tem canções chorosas.
E os beija-flores, enlevadamente,
bailam, sorvendo o cálice das rosas.

Ressoam preces cheias de pureza,
na verde Catedral da Natureza,
que levanta uma torre em cada monte.

Ainda há laivos de sol tingindo o espaço.
E, enquanto a tarde morre de cansaço,
o vento apaga o incêndio no horizonte.



Tempestade
Vasco de Castro Lima

É noite. O firmamento azul parece
um enorme dossel de porcelana...
Paira, no a, a grandeza sobre-humana
de um silêncio litúrgico de prece.

Mas... de repente, numa fúria insana,
o céu, transfigurado, se enraivece!
Um fragor de canhão, das nuvens, desce
e a água cai, impetuosa e soberana!

É a tempestade! O espaço atormentado!
É a vingança do céu que, revoltado
com seu destino de também chorar,

despeja, num clamor que assombra e aterra,
uma angústia infinita para a terra
e uma praga de escárnio para o mar!...



Arco-íris
Vasco de Castro Lima

... E a chuva não vem mais! A lento e lento,
rolam, no espaço, manchas amarelas.
Nos sem-fins do horizonte fumarento,
marcham nuvens... lembrando sentinelas!

E vem o sol, medroso, sonolento,
envolto em névoas, rendas e flanelas.
Sente frio. Mas, toma novo alento,
e ei-lo, agora, acendendo as suas velas...

De repente, o milagre! No ar, lavado,
se estende pelo céu, de lado a lado,
uma esteira enfeitada de arrebol.

É o arco-íris! É a paz! Surge a bonança,
como de um doce amor nasce a esperança,
como depois da chuva rompe o sol...



Lagoa de Luar
Vasco de Castro Lima

Brancas flores de luz, no céu perdidas,
piscando os olhos cheios de cansaço,
as estrelas relembram margaridas
espalhadas no campo azul do espaço.

E, atravessando as largas avenidas
da Via-Láctea, em seu moroso passo,
uma nuvem de franjas coloridas
vai carregando a lua no regaço.

Um clarão se concentra ao pé dos montes:
— é a lagoa formada pelas fontes,
alvo espelho onde o céu vem se mirar.

A água, lençol de prata, resplandece!
E é tão branca e tão linda que parece
uma lagoa feita de luar...



Correnteza
Vasco de Castro Lima

Correnteza! No berço das uiaras
foste buscar teu canto e teu segredo!
És um colar de pedrarias raras
que a lua pôs no colo do rochedo.

Inquieta, vais levando imagens claras
do céu, do sol, da flor, do passaredo.
E as alegrias de ouro das searas,
e os verdes esperanças do arvoredo!

... Minha alma tem a mesma singeleza
do teu belo destino, correnteza,
porque, também, na pressa da corrida,

vai arrastando mágoas e venturas,
sonhos de amor, saudades e amarguras,
no anseio vão de carregar a Vida.



A Camélia
Vasco de Castro Lima

Deusa das Flores, mãe da Primavera,
Flora passeia nos jardins e estradas!
Leva, na fronte, uma coroa de hera,
nas faces, o rubor das madrugadas.

Às vezes, fica triste, pois quisera
que as flores fossem igualmente amadas.
Flora põe-se a pensar: a rosa impera,
a tulipa e a violeta são louvadas... 

Os jacintos, lilases e narcisos
são chamas que, entre sonhos e sorrisos,
têm aromas gritando em suas cores.

A camélia parece uma princesa!
É linda... Mas é inglória essa beleza:
— Não tem perfume como as outras flores...



Cem Outonos... Cem Primaveras...
Vasco de Castro Lima

Esta árvore velhinha da floresta,
que descuidada mão ali plantara,
Tem mais de cem outonos... Nem repara
Que o sol é, como sempre, a mesma festa.

Recebe, alegre, a madrugada clara,
como recebe a tarde, para a sesta.
É velha, mas na copa, ainda lhe resta
doce vestígio de beleza rara.

Vem enfrentando os raios coruscantes,
e, muita vez, o horror da tempestade
exterminou seus ninhos palpitantes.

Mas... também completou cem Primaveras!
E tem as mesmas flores de outra idade,
e os mesmos passarinhos de outras eras.




                                                    














Minha Mãe
Vasco de Castro Lima

Tua bondade, minha mãe, exprime
a luz divina de um divino amor.
Tua bênção piedosa me redime,
teu olhar fez, de mim, um sonhador.

Nada, no mundo mau, te vence e oprime,
teu pranto não tem sombras de amargor.
Tudo, em ti, minha mãe, é tão sublime,
que é um evangelho a tua própria dor.

Mesmo que eu não pudesse ver as rosas,
ouvir a voz do mar e a voz do ninho,
e falar às estrelas silenciosas,

mesmo que eu fosse cego, surdo e mudo,
eu, tendo o teu afeto e o teu carinho,
sem ter mais nada, mãe, teria tudo!



A Carta que Não Foi...
Vasco de Castro Lima

Para escrever-te, mãe idolatrada,
teria de esconder minhas desditas...
Molhar a pena pobre e fatigada
na tinta azul das plagas infinitas...

Teria de esfolhar uma alvorada
sobre o papel... E, entre orações contritas,
pôr, no envelope, a noite enluarada
e, também, as estrelas mais bonitas...

Como, porém, não tenho esses poderes,
mando-te, mãe, um livro, para leres
nas tuas horas de meditação.

São versos tristes que escrevi cantando,
versos alegres que juntei chorando,
pedaços vivos do meu coração...



Esta Velhinha
Vasco de Castro Lima

Esta velhinha, tão serena agora,
que me seduz com a sua voz divina,
é mais pura que os lírios da campina,
e carrega, no ocaso, a luz da aurora.

Flor de inverno, conserva, na retina,
a primavera das manhãs de outrora.
... É minha mãe, que ainda hoje mora
nos castelos que fez quando menina!

Esta velhinha, que, através dos anos,
sofreu, por certo, muitos desenganos,
só tem nos lábios poemas de meiguice.

Tenho esperança em Deus, todo Bondade,
que ela, vencendo o tempo e a própria idade,
viverá para ver minha velhice...



Impressão Sombria
Vasco de Castro Lima

Já tive desventuras infinitas
e a febre de impassíveis desalentos;
senti o horror de todas as desditas
e o amargo fel de todos os tormentos;

já suportei as convulsões aflitas
que há no travor dos arrependimentos;
no amor, sofri torpezas inauditas,
separações, saudades, rompimentos...

Nada, porém, me ensombra mais, na vida,
do que a impressão lutuosa, intraduzida,
que do espírito triste não me sai,

daquelas seis pessoas, desoladas,
pegando as alças grandes e douradas
do caixão que levou meu pobre pai!


                                             







Inquietude
Vasco de Castro Lima

Meu ser tem desalentos de inquietude,
misto de treva e luz, risos e dores.
Se em meus sonhos há céus de mansuetude,
Minha alma tem calvários de amargores.

Celebro a glória, o beijo, a angústia rude,
que este é o destino azul dos sonhadores.
Canto a própria esperança, que me ilude,
que traz espinhos, prometendo flores.

Sem um grito, carrego sobre os ombros,
sobre estes ombros fracos e cansados,
uma cruz pesadíssima de assombros.

E vou, indiferente às cicatrizes,
vivendo pelo amor dos desgraçados,
morrendo pelo bem dos infelizes!



Recolhimento
Vasco de Castro Lima

Meu coração tem parques silenciosos,
onde há carícias de horas vesperais,
e córregos que trazem, lacrimosos,
a plangência das fontes virginais.

É nesses parques de rosais viçosos
de extensos e sombrios pinheirais,
que eu me recolho, em dias dolorosos,
para fugir às coisas materiais.

E, não raro, no meu recolhimento,
a deusa alegre da Felicidade
enche os castelos do meu pensamento...

Eu sinto que, nas horas de amargura,
esse recanto de tranqüilidade
torna feliz a minha desventura...




Poeta!
Vasco de Castro Lima

Poeta! Compreendo a dor que te condena
e que te enche de glórias e martírios!
Nas tuas lágrimas, nos teus delírios,
há, sempre, uma saudade que te acena!

Caminhas triste, transformando em lírios
a amargura que quase te envenena.
Purificas a dor na luz serena
que emana da alma angélica dos círios.

É grande o teu sofrer! Mas, desde a aurora,
segue, cantando sempre, vida afora,
indiferente à poeira dos caminhos!

Poeta! Guarda contigo esta certeza:
— não existe alegria sem tristeza,
não existe roseira sem espinhos!



Luar na Solidão
Vasco de Castro Lima

A noite é calma. Os montes orvalhados
se alongam para o céu, em oferendas.
É a hora em que os amores inspirados
enchem as almas de imortais legendas.

O luar, com seus mantos estrelados,
cobre de prata, de cetins e rendas,
os riachos, as árvores, os prados,
as flores, os caminhos, as fazendas...

No silêncio, um relógio persistente,
marcando passos certos, lentamente,
bateu dez horas... vai bater as onze...

E um sino, além, dos lados da cidade,
na solidão, — a igreja da saudade  — 
vai gotejando lágrimas de bronze...



Catedral
Vasco de Castro Lima

Meu coração é a mais abandonada
Catedral que já vi... Não tem cristais...
Hoje, ninguém a vê toda enfeitada
das flores que há nas outras Catedrais...

Os altares são tristes... Não têm nada...
Nem lustres, nem imagens, nem missais...
Apenas, na alva torre desprezada,
os sinos lembram velhos madrigais...

No entanto... outrora, quantos esplendores,
quantas loas de amor, quantos louvores
para Nossa Senhora da Ilusão,

— Santa que me deixou na desventura,
para fazer milagres de ternura
na Catedral de um outro coração!



A Serenata
Vasco de Castro Lima

Horas mortas da noite... No alto, a lua
vai derramando lágrimas de prata.
No mar azul do céu, é uma fragata
que entre as estrelas pálidas flutua.

Eu sinto a solidão que me maltrata
e que à luz do luar mais se acentua...
... Surgem, porém, no fim da velha rua,
suspiros de violões em serenata...

E essa música, triste peregrina,
cheia de amor e inspiração divina,
de encanto, de beleza e suavidade,

passa a gemer, por mim, como se fosse
a alma da noite dolorosa e doce
que estivesse chorando de saudade!



História de Amor
Vasco de Castro Lima

Nossa história de amor, minha querida,
por tua culpa é que não foi feliz!
De certo, nenhum homem, nesta vida
quis bem a outra mulher como eu te quis!

Podes reler a história mais sentida
dos amorosos de qualquer país!
Laura e Petrarca... Fausto e Margarida...
Paulo e Virgínia... Dante e Beatriz...

Pediste... e a ninguém conto o meu tormento.
Mas, vem fechar-me os lábios no momento
em que, pensando em ti, hei de morrer!

Impedirás, assim, no último dia,
que, na triste inconsciência da agonia,
eu revele o teu nome, sem querer!



“In Extremis”
Vasco de Castro Lima
             
               (Relendo Bilac)

Não serei como o Poeta que, partindo,
não queria, jamais, que os seus tormentos
se acabassem “num dia assim”, fulgindo
em resplendores e deslumbramentos!  

Não! Eu quero morrer num dia lindo,
“de um sol assim”! Meus lábios macilentos,
da cor do luar... Mas, o astro-rei luzindo,
a iluminar meus últimos momentos!

Morrer assim! E carregar, comigo,
para a algidez do derradeiro abrigo,
teu beijo, teu sorriso, teu amor...

“Num dia assim”! Sentindo o teu cuidado,
e o sol dourando esse jardim amado
que é a tua boca — primavera em flor!


                                             

















Desespero
Vasco de Castro Lima

Na minha vida triste de proscrito,
— vida feita de sonho e de ilusão —
há, sempre, um dia tétrico e maldito,
em que minha alma é um céu em rebelião.

Os trovões esbravejam no infinito,
levando, aos quatro cantos da amplidão,
a angústia acerba e o sofrimento aflito
que transbordam de minha solidão.

Ciclones, cataclismos, tempestades,
se arrojam das eternas claridades,
pisando estrelas, num clamor sem fim...

E eu sinto o coração insatisfeito,
sinto todos os mares no meu peito
e todas as montanhas sobre mim!



“Pai João”
Vasco de Castro Lima

Meu negro velho e bom que, nessa idade,
podias ser meu bisavô, talvez,
tens, no semblante, a mansidão de um frade
e a mórbida tristeza de um chinês.

Compreendo-te, " Pai João "! Na mocidade
tu foste escravo! Em tua negra tez,
leio poemas de dor e de humildade,
poemas de dor que o sofrimento fez.

Compreendo, sim, quanto sofreste! Tudo
que vês, reflete bem, num quadro mudo,
a escravidão, com seus tormentos e ais...

... Na asa do vento, certamente, passa,
entre as queixas doridas de uma raça,
a mágoa formidável de teus pais!



Cartas de Amor
Vasco de Castro Lima

Nas cartas que me havia endereçado
há palavras assim: — “Repara a lua
quando, tristonha, pelo céu flutua,
com saudades do sol, seu namorado!

És meu sol! Não há força que destrua
o nosso amor esplêndido e encantado!
No futuro, como hoje e no passado,
hei de ser tua... tua... sempre tua!

Pobres cartas de amor, cartas lilases!
Da mesma que mandou aquelas frases
este simples bilhete recebi:

— “Eu me enganei... Esquece a nossa história!
Apaga a minha imagem da memória,
rasga, tu mesmo, as cartas que escrevi!”



Desencanto
Vasco de Castro Lima

— “Não posso mais amar!” — E eu acredito
que pensas desse modo, realmente,
porque vives falando, a toda gente,
que o deus do amor jamais passou de um mito.

— “Não posso mais amar!” — E eu creio, aflito,
que tens essa opinião sinceramente,
porque vives dizendo a toda gente
que o deus do amor é um santo de granito. 

Que tu pensas assim, eu bem o creio,
porque plantaste, no horto de teu seio,
as flores roxas da desilusão...

... E o creio, mais, porque, lírio celeste,
o coração que tinhas já me deste,
e não podes amar sem coração!



Lágrima
Vasco de Castro Lima

Lágrima... Flor de luz, mimosa e pura...
Cobrindo o rosto, lembra a chuva fria
Que, em silêncio, resvala na brancura
de uma vidraça, quando morre o dia.

Lágrima... Um lago de outonal doçura,
tapetado de encanto e de poesia,
em que cortando a superfície escura,
vagueja o barco da Melancolia.

Lágrima... Flor de luz, mimosa e bela...
desce dos olhos límpida e singela,
sulcando as faces com serenidade.

Lágrima... Um lago diáfano e tristonho,
em que, sozinho, a recordar um sonho,
morre, cantando, o cisne da Saudade...



A Roseira
Vasco de Castro Lima

No meu jardim, há uma roseira linda,
que mais parece uma constelação.
De madrugada, mal a noite finda,
vou visitá-la, cheio de emoção.

Foi um presente teu. Lembras-te ainda?
Tu disseste: — “Estas flores, em botão,
devem tornar a Primavera infinda,
e em rosas cor-de-rosa se abrirão”.

Certo dia, partiste... E, como outrora,
apesar disso, à luz de cada aurora,
eu vou regar minha roseira em flor...

... pois quero que ela dê rosas de arminhos,
e nunca seja um cárcere de espinhos,
como a roseira do teu falso amor!



Felicidade Amarga
Vasco de Castro Lima

Felicidade, eu te conheço tanto,
que nunca hei de esquecer-te, em minha vida!
Há um clarão de sorrisos no teu canto
e uma aurora em tua alma incompreendida!

Eu te vi nos salões, na flor, no pranto,
nas emoções da própria despedida...
No olhar de minha mãe beijando o manto
da gloriosa Senhora Aparecida!

Nunca, porém, te achei tão meiga e calma
quanto nos olhos da mulher sem alma
que me deixou sozinho, sem piedade!

Ela partiu tão linda e venturosa,
que eu cheguei a te amar, deusa formosa,
cheguei a te sentir, Felicidade!



Devolução Impossível
Vasco de Castro Lima

Há pouco, indiferente, me dizias
que decidiste devolver-me, agora,
tudo o que, alegre, te ofertei outrora,
naqueles doces, venturosos dias...

Talvez, devolvas, sem qualquer demora,
mesmo as cartas de amor, que nem abrias,
tão cheias de risonhas fantasias
e da paixão que ainda me devora!

Mas... não devolverás aqueles beijos,
ondas rubras do mar dos meus desejos,
tigres famintos, lavas de um vulcão;

porque se acham, de há muito, congelados,
esquecidos, desfeitos, soterrados
nas neves do teu frio coração...



Roseira Desfolhada
Vasco de Castro Lima

Ela ia partir... A minha vida
parou naquela noite de luar.
Contrita, lacrimosa, dolorida,
minha alma se ajoelhou, pôs-se a rezar.

Ia partir... E, à hora da partida,
seu olhar abraçou o meu olhar.
Aflita, muda, trêmula, dorida,
minha alma ajoelhou, pôs-se a chorar.

Lembro-me bem daquele triste ensejo!
Quando colei meu beijo no seu beijo,
ela me disse: — “Voltarei, espera!”

... Partiu! Espero, há meses, minha amada!
— Sou, hoje, uma roseira desfolhada,
que aguarda, novamente, a Primavera!



O Melhor Amigo
Vasco de Castro Lima

Quando sentires, na alma timorata,
um abandono desalentador,
pesar que fere, mágoa que maltrata,
pranto que nasce de uma grande dor;

quando escutares roncos de cascata
rugindo no teu peito sofredor;
e perceberes a torpeza ingrata
do mundo mau e menosprezador;

esconde a angústia do teu negro tédio!
Aos amigos não peças um remédio,
pois, homem, guarda bem o que te digo:

— aquele que te engana e te magoa
e, com sorriso falso, te atraiçoa,
é, quase sempre, o teu melhor amigo!



Versos de um Boêmio
Vasco de Castro Lima

“O Amor, que é, para os outros, uma aurora,
um rubro Sol que, no alto, reverbera,
a própria Glória que, entre sonhos, mora
no palácio encantado da Quimera;

o Amor, que é, para os outros, a sonora
orquestração azul da Primavera,
que vive rindo, mesmo quando chora,
que fica alegre, mesmo quando espera;

o Amor, que é, para os outros, a inspirada
canção dos olhos da mulher amada,
— eu só tenho encontrado na alma fria

daquelas que, no vício, se consomem,
que têm um beijo para cada homem,
e um amor diferente em cada dia!”



Dias Dolentes
Vasco de Castro Lima

A minha vida é árvore sem flores.
Um deserto, onde cada grão de areia
é uma ilusão sem risos e sem cores,
cheia de mágoas, de amarguras cheia.

É um mar envolto em ondas e rumores.
Tem a angústia da rola que gorgeia,
a dolorida voz dos sonhadores,
a dolência de um sino de uma aldeia.

Entretanto, a minha alma vive em festa!
Eu não maldigo a vida que me resta
e nem a que passou, flor ressequida.

Jamais, eu maldirei a minha sorte.
Os que, hoje, vivem bendizendo a morte,
amanhã, morrem mendigando a vida!



A Lenda de Ahasverus
Vasco de Castro Lima

Nunca viste, nas asas do teu sonho,
o homem que há dois milênios sempre vaga?
É Ahasverus, o judeu que erra, tristonho,
por um rumo sem fim... que não se apaga.

A morte não o quer. O seu medonho
destino é andar ao léu, de plaga em plaga.
Pelo caminho intérmino, enfadonho,
ninguém lhe mata a sede, nem o afaga.

Cristo deu-lhe um castigo: a eterna senda.
Quer chova ou brilhe o sol, não tem guarida;
foi-lhe negada a esmola de uma tenda.

Não há quem tantas dores acalente.
sem a graça da morte, arrasta a vida,
condenado a vagar eternamente!



Dia de Finados
Vasco de Castro Lima

Finados! Dia aflito e amargurado!
Manhã cheia de brumas e torpores!
A chuva cai. É o céu desconsolado,
que se desfaz em lacrimosas dores.

O cemitério, sempre abandonado,
neste dia, sem luz, se afoga em flores.
E o povo vai formando, consternado,
a Procissão dos Imortais Amores.

As horas vão morrendo. A tarde finda
e a chuva continua. Os sinos velhos
não cessam de dobrar, chorando ainda.

Nos corações, há toques de trindades:
são mensagens plangentes de evangelhos,
são gemidos gemendo mil saudades!



A Esperança
Vasco de Castro Lima

Esperar é o mais rude dos martírios,
o que mais dói no coração da gente.
É ver, imóvel, entre quatro círios,
a alma gelada de um amor ausente.

Esperar é plantar rosas e lírios
num chão de neve, ou numa praia ardente.
É pior que morrer entre delírios,
porque é viver morrendo lentamente.

A Esperança, porém, mesmo fingida,
é uma alvorada de clarões serenos,
um sorriso entre as lágrimas da Vida.

Ela promete muito... e nada vem...
Mas, a gente não passa um dia, ao menos,
que não deseje o nada que ela tem.



A Tarde que Chega...
Vasco de Castro Lima

Olho, em redor de mim, procuro em frente, ao alto,
e não diviso mais castelos de ilusões.
Minha alma, outrora um lago, é um rio em sobressalto,
e, hoje, não vejo luar, nem as constelações.

As auroras que eu amo, as auroras que exalto,
já não têm mais a cor dos nossos corações.
Nas estradas que piso, encobertas de asfalto,
não nasce mais a flor, apenas aflições.

Contemplo a serra azul e o verde da floresta
e não ouço o rumor dos pássaros em festa,
como se tudo fosse o fim do entardecer.

E até aquele Amor que sempre amou sem queixa,
que parecia eterno, eu sinto que me deixa...
Começo a envelhecer... Começo a envelhecer...



Ri, Coração!
Vasco de Castro Lima

Meu velho coração que, triste, bates,
marcando os meus instantes de amargura;
tu, que venceste o mundo em mil combates,
com força, com denodo e com bravura;

tu, vencedor de ríspidos embates
travados contra a insana desventura,
— ri para tudo, coração que bates,
cavando a tua própria sepultura!...

Esquece o grande horror do teu cansaço,
e  faze como o pobre do palhaço,
que, mesmo quando a dor o vence e invade,

a alma cheia de prantos e misérias,
repete as suas mágicas pilhérias,
com risos mascarados de alvaiade!



Contraste
Vasco de Castro Lima

Quem nos olha radiantes de alegria,
julga que nos amamos com fervor,
e que andamos cantando, noite e dia,
o Cântico dos Cânticos do Amor.

No entanto, que contraste! Rosa fria,
nem vês, a te beijar, teu beija-flor.
Teu sorriso de luz me acaricia,
mas teus lábios de mel não têm sabor.

O Amor, que é, para o mundo, o Ideal sem termo,
não passa, para nós, de um sol enfermo,
estranho amor de dois fiéis amantes.

Vivemos um destino amargo e incerto:
— um deserto invadindo outro deserto,
bocas unidas, corações distantes...
                          


Deixando a Terra Natal...
Vasco de Castro Lima
                                        (bilhete aberto)

“Dormes teu sono alegre de princesa,
como se fosses a Felicidade!
Sonhas teu sonho cheio de beleza,
reflorescido de tranqüilidade...

Mas, amanhã — nem sabes, com certeza! —
não mais tu me verás nesta cidade!
Eu vou partir... E sofro de tristeza,
ao deixar-te o meu beijo de saudade.

Quando acordares, ao romper do sol,
canta, com tua voz de rouxinol,
um triste madrigal, uma canção,

porque, esta noite, eu transporei a serra,
para entregar, bem longe desta terra,
meu coração a um outro coração...


   
                                          






Saudade
Vasco de Castro Lima

Saudade... Um céu de anil, todo estrelado,
e, sob o céu, alguém beijando alguém...
Lembrança carinhosa do passado,
mal que se sente recordando um bem...

Saudade... Carta azul que o namorado
fica sempre a esperar ... e nunca vem...
Doce tortura, pranto inconsolado
de um amor infeliz que todos têm... 

Saudade... O campo... A escola... Sons dispersos
de mil canções... Os meus primeiros versos
que minha mãe beijou, quase a rezar...

Saudade... Quanta vez eu me debruço
sobre a dor que sustenho num soluço,
fechando os olhos para não chorar..."



Despedida
Vasco de Castro Lima

O piano emudecera... Ainda se ouvia
o bailado de sons da serenata.
No grande lago azul da noite fria,
as nuvens eram cisnes-cor-de-prata.

Sorriste eu te estendi, em doce oblata,
a minha boca lúbrica e vazia.
Os teus beijos brotaram em cascata,
um beijo a cada estrela que surgia...

Depois, partiste! Olhei o céu imenso.
A lua branca parecia um lenço
me acenando, num gesto de ansiedade.

E, à luz do luar, fiquei como quem sonha...
Era uma estátua gélida e tristonha,
a estátua lacrimosa da Saudade...



Anoiteceu na Minha Vida
Vasco de Castro Lima

Partiste... Anoiteceu na minha vida,
e o meu céu interior vive estrelado!
Lembras-te, amor? Não houve a despedida,
portanto, não morreu nosso passado...

Hoje, a noite está triste e dolorida,
embora, eu tenha o peito enluarado.
Minha alma é uma roseira florescida,
meu coração um pranto amargurado.

Não importa que a noite esteja triste!
É, sempre, assim desde que tu partiste,
deixando uma saudade em teu lugar.

A noite vem e ronda a minha porta,
como se fosse uma ventura morta,
toda branca, vestida de luar...



Dez Anos
Vasco de Castro Lima

Quando tinha dez anos, eu julgava
tudo tão doce como a minha idade...
A minha vida era brincar... Brincava
o dia inteiro com a Felicidade...

Em tudo eu via um suave amor, e amava
o céu, o mar, os campos e a cidade.
A minha vida era sonhar... Sonhava
a noite inteira com a Felicidade...

Tudo passa, porém, desfeito em bruma!
Minha infância passou lembrando a espuma
ou a névoa das horas matinais...

E hoje, dos sonhos vãos, simples e belos
dos meus dez anos, claros e singelos,
eu guardo uma saudade... e nada mais...



O Passado
Vasco de Castro Lima

O passado é o que conta. A alma que sente
guarda tudo o que é bom, tudo o que é puro.
De que nos serve a glória do presente?
O que vemos nas asas do futuro?

O passado é tão vivo, em nossa mente,
quanto a roseira em flor num velho muro.
Torna mais belo, torna mais virente
até o amor que foi um vale escuro.

Que importa o sol com todo seu alarde?
Que nos importa o que virá mais tarde?
Que adianta irmos atrás da Canaan?

Uma imagem, um beijo, um livro, um fato,
mesmo a sombra querida de um retrato
valem mais que a incerteza do amanhã!



Pedra de Anel
Vasco de Castro Lima

Não sei por que capricho da memória,
relembro o teu anel de normalista,
jóia que teve, em sua curta história,
a amargura de um sonho pessimista.

Gota do mar... Recordação inglória
de alguém que fracassou numa conquista.
Saudade, a um tempo suave e merencória,
a um tempo venturoso e fatalista.

Pedra verde da cor dos arvoredos,
quantas vezes beijei-a nos teus dedos,
e apertei-a de encontro ao coração!

Pobre pedra de anel, triste lembrança!
Uma lágrima verde que a Esperança
certo dia chorou em tua mão!



Noite Amiga
Vasco de Castro Lima

Querida, a noite é minha amiga... Quando
a noite chega, eu sinto os teus abraços,
os teus beijos de outrora me beijando,
tua saudade me seguindo os passos...

As estrelas e nós... Estou lembrando...
Ainda agora, franzindo os olhos baços,
no rosário de estrelas, vou rezando,
quase a tocá-las, estendendo os braços.

É minha amiga, sim... Quando ela desce,
meu coração se abrasa numa prece,
e minha alma transborda de emoções.

É quando o coração e a alma, enlaçados,
revivem sonhos tanta vez sonhados,
desfolham flores mortas de ilusões...



Coração de Moço
Vasco de Castro Lima

Conheço um ancião que, pobrezinho,
nem sei como chegou àquela idade!
Parece que, jamais, teve um carinho,
parece que nem teve mocidade!

Não gozou, sem sofreu... Em seu caminho,
não chegou a encontrar a Humanidade.
Roseira sem perfume e sem espinho,
não é feliz porque não tem saudade!

Pois bem! Que ele perdoe esta heresia,
mas, na velhice desolada e fria,
terei o que contar, em alvoroço...

Falarei com orgulho, meses e anos,
de um amor que, apesar dos desenganos,
eternizou meu coração de moço...



Recordações
Vasco de Castro Lima

No oceano do passado, ermo e cinzento,
o batel da Saudade vai, de manso,
riscando as turvas águas, sem descanso,
quase cedendo à agitação do vento.

Quem o conduz, porém, seguro e atento,
sabe como desviar o seu avanço,
e o leva à paz sombria de um remanso,
onde brota mais calmo o pensamento.

Então, mais que as recentes aventuras,
revendo amores de afeição maior,
velhas recordações lhe surgem, puras,

— e ficam revoando em seu redor,
porque, para quem sofre de amarguras,
qualquer passado sempre foi melhor!



A Borboleta
Vasco de Castro Lima

Sempre que a tarde, devagar, morria,
envolta no seu chalé cor-de-rosa,
e o sol as ruivas barbas escondia
por detrás da montanha majestosa;

sempre que a tarde, devagar, caía,
a borboleta, lépida e formosa,
por mim passava e, a esvoaçar, fugia,
procurando a campina bonançosa.

Um dia, eu disse àquela flor dos ares:
— “Borboleta, se acaso tu voltares,
também, há de voltar quem me deixou...”

E ela, como que ouvindo e adivinhando,
bateu as asas e saiu voando,
foi para longe... e nunca mais voltou. 



Visão
Vasco de Castro Lima

Fico a pensar em ti, querida ausente,
a cabeça entre as mãos, desconsolado!
Tua imagem, lembrança do passado,
olha, a sorrir, minha alma, docemente.

Lento e firme, teu vulto iluminado
acerca-se de mim, serenamente.
Mais do que nunca, tu estás presente,
pois te sinto comigo, lado a lado...

Ergo a cabeça, para ver teu vulto.
Por um momento, me arrebato e exulto,
mas a visão não passa de miragem.

Fugiste para as sombras do horizonte...
— Apenas, o luar banha-me a fronte,
revivendo o clarão da tua imagem.



Terra Natal
Vasco de Castro Lima

Minha Terra é feliz! Sonha, tranquila,
o mesmo sonho azul da Mantiqueira.
O Paraíba, — velho cão de fila,
guarda-a, fiel, rosnando a noite inteira. 

É, para mim, aquela augusta vila,
um presépio enfeitando a cordilheira.
O luar, quando cai, no chão cintila,
claro sorriso de mulher faceira.

As almas que lá vivem são modestas:
— ovelhas fraternais de um só rebanho,
dividindo entre si dores e festas.

Lavrinhas é pequena — um vale estreito —
mas tem um coração que é do tamanho
da saudade que escondo no meu peito!



Violeta
Vasco de Castro Lima

De novo, eis-me ao teu lado. Irmão e amigo,
aqui sempre virei, para rezar.
Trago violetas para o teu jazigo
e acendo velas no teu lindo altar.

Da casa que deixaste e em que contigo
tantos dias sofremos, a chorar,
mudaste para a calma deste abrigo,
para o silêncio eterno deste lar.

Antes, em vida, eras o amor, o exemplo!
Agora, morta, transformaste em templo
a tua campa envolta em negro véu.

Diante de mim, tua querida imagem
me protege, me vê, me dá coragem
e me diz que tua alma está no Céu!


                                           













Deus
Vasco de Castro Lima

Creio em Deus, porque Deus é quem derrama
pelo céu a harmonia dos planetas;
dá-nos o sol, o mar, o trigo, a chama,
perdão aos maus, e espaço às borboletas.

É Deus quem faz, dos olhos de quem ama,
dois lagos, dois missais, duas violetas;
quem faz, de turvos corações de lama,
santos, profetas, reis e anacoretas!

Deus é quem dá, às mães de todo o mundo,
esse amor imortal, quente e profundo,
que vem do céu em vibrações radiosas...

É Deus quem, na hora clara e levantina,
pinta de branco os lírios da campina
e enche de sangue o coração das rosas!



Deus Existe, Sim!
Vasco de Castro Lima

Não crês em Deus. No entanto, Deus existe
e atrás de tudo eu vejo a Sua Mãe.
Segue-te os passos desde que surgiste,
e, para amá-Lo, deu-te um coração.

Ele criou o sol que nos assiste,
E o oceano, e a terra, e o céu, e o amor, e o pão.
Dá vida aos mortos, alegria ao triste,
e ao pecador a bênção do perdão.

Deus vive em nós e está no Seu Sacrário,
como esteve no drama do Calvário,
e no humilde presépio de Belém.

Não crês porque não viste. Mas, um dia
tu O verás, pois diz a profecia
que os próprios cegos O verão também.



Prece
Vasco de Castro Lima

Rei dos grandes, Mentor dos pequeninos,
que diriges, de um trono auriluzente,
a imensa caravana dos Destinos
que, arquejante, se arrasta lentamente;

Tu, que nos falas no tanger dos sinos,
pondo ternura em sua voz dolente;
Tu, que ensinas a estrada aos peregrinos
e aqui e em toda parte estás presente;

Tu, que nos olhas de remotos ermos,
que és o Afeto dos filhos sem carinho,
Pai dos órfãos e Abrigo dos enfermos;

— ó Deus, Clarão do páramo celeste!
Dá-me forças, Senhor, para, sozinho,
levar a cruz pesada que me deste!



Jesus Menino
Vasco de Castro Lima

Eu conheci Jesus, o Pão da Vida,
na mesa da Primeira Comunhão!
A minha infância ficou mais florida,
e ficou mais feliz meu coração!

Minha alma de criança, embevecida,
passou a amá-Lo e ao recordá-Lo, então,
da gruta onde nasceu, pobre e escondida,
às claridades da Ressurreição!

Jesus era um oceano sem escolhos,
e eu via a Luz que vinha dos Seus Olhos,
o Perdão que saía dos Seus Lábios.

Mas, de tudo, o que achava mais estranho
era ver que Jesus, do meu tamanho,
tão pequenino, já ensinava os sábios!



Mãe do Céu
Vasco de Castro Lima

Mãe do Céu! Relicários de Esperanças,
consolação doas homens sofredores!
Tu, que és a Flor das Bemaventuranças
e moras nesse altar imersos em flores;

tu, que és a mãe de todas as crianças
e a quem compungem todos os clamores,
— estende as tuas mãos níveas e mansas
por sobre a convulsão de minhas dores!

Faze, de mim, um bom, Luz Matutina,
Mãe Nossa, Mãe Humana, Mãe Divina,
— entre as melhores mães, a Mãe Melhor —

Pois eu sou, Mãe do Céu, Mãe Benfazeja,
aquele que mais pede e mais deseja
ser, sempre, entre os teus filhos, o menor!



Aos Pés da Cruz
Vasco de Castro Lima

Já morrera Jesus! No monte do Calvário,
terminara, afinal, o pavoros drama!
De pé, como se fosse um ermo lampadário,
Maria rememora a torva e horrenda trama.

A gruta de Belém... O longo itinerário
da vida de seu Filho  —  uma gloriosa Chama:
— Primeiro, o resplendor do Guia extraordinário...
E, depois, o ódio vil doas corações de lama...

E agora o fim... O medo envolve o pobre monte,
enquanto o som que vem do fundo do horizonte
forma a sombra da Cruz. Cumpriu-se a profecia!

Um silêncio a gritar é tudo quanto existe!
Mas a angústia maior daquela tarde triste
mora na solidão dos olhos de Maria...



Deus É Bom
Vasco de Castro Lima

Deus é bom, pois me dá, todos os dias,
a beleza divina das auroras,
a árvore cheia de explosões canoras,
o riacho rolando melodias!

Deus é bom, pois me dá, todas as horas,
o sol que doura o mar e as penedias,
o verde-azul das verdes serranias,
o luar das noites claras e sonoras!

Deus é bom, pois me dá, a todo instante,
a luminosidade deslumbrante
que inunda o coração de um sonhador!

Deus é bom, pois me dá, neste momento,
o destino de amar o sofrimento,
sem mágoa, sem agrura, sem rancor!



Ave, Maria!
Vasco de Castro Lima

      (Adaptação da prece em soneto)

Ave, Maria, estrela da Alvorada,
cheia de graça, Rosa de Ouro e Luz!
É contigo o Senhor. Tua jornada
foi um modelo, do Presépio à Cruz.

Bendita és tu entre as mulheres. Nada
se compara ao fulgor que em ti reluz!
Bendito é o fruto, Madre Imaculada,
do teu ventre santíssimo: Jesus.

Santa Maria, Angélica Doçura,
Mãe de Deus, que viveste mansa e pura,
e que és dos grandes bens o maior bem,

roga por nós, humildes pecadores,
agora, que alivias nossas dores,
e na hora da nossa morte. Amém.



Pai Nosso!
Vasco de Castro Lima

       (Adaptação da prece em soneto)

Ó Pai, que estais no Céu, na Eternidade,
santificado seja o Vosso Nome.
Venha a nós Vosso Reino de Bondade,
que o perpassar dos tempos não consome.

Seja feita, Senhor, Vossa Vontade,
assim na terra, que nos mata a fome,
como no Céu, Região da Claridade
de onde a Chama do Amor nunca se some!

O pão nosso, daí hoje e em cada dia!
Perdoai nossas ofensas, que o perdão
também damos a quem nos injuria.

E, num gesto sublime e paternal,
não nos deixeis cair em tentação,
mas livrai-nos, Senhor, de todo o mal! 



Salve, Rainha!
Vasco de Castro Lima

    (Adaptação da prece em soneto)

Salve, Rainha astral, Mãe de Misericórdia;
Vida, doçura e nossa angélica esperança,
Salve! Nós, filhos de Eva, anjos máus da discórdia,
A vós bradamos, Mãe, com fé humilde e mansa;

suspiramos — perdoai nossa voz monocórdia! —
a chorar e a gemer, neste mar sem bonança
de lágrimas cruéis, ó Estrela da Concórdia!
Eia, pois, vosso olhar volvei-nos sem tardança;

e após este desterro, apontai-nos Jesus,
mostrai-nos vosso Filho, Ele que é a própria Luz,
ó clemente, ó piedosa, ó Virgem de Belém!

Sobre o mundo, baixai vossos gestos benignos,
rogai por nós, a fim de que sejamos dignos
das promessas de Cristo, ó Mãe de Deus! Amém.



                          






          “Toucarei teus cabelos de boninas,
          nos troncos gravarei os teus louvores...”

          “As glórias que vêm tarde, já vêm frias...”

          “Devo morrer, Marília, nos teus braços...”

                                              (Tomás Antonio Gonzaga)



Saudades de Ouro Preto
Vasco de Castro Lima

Revejo-te, Ouro Preto! Um rio de saudades 
que vem desde o arraial do bravo Antonio Dias!
O ouro que resplendeu em brilhos e magias,
e deixou sai história, através das idades!

Revejo os sobradões de nobres frontarias,
as pompas imperiais das tuas irmandades!
Paramentos, broquéis, a prata, as raridades,
enchendo os gavetões das velhas sacristias!

As pontes, os balcões, os passos, as Matrizes,
as capelas de canga, os belos chafarizes,
as relíquias dormindo o sono do Museu!

Revejo-te, Ouro Preto! Um poema favorito,
poema em que o verso de ouro, o verso mais bonito,
é uma chama de amor: Marília de Dirceu!



Amor e Sofrimento
Vasco de Castro Lima

— “Mestre Antônio, bom dia! Há muito não te vejo!”
(é Marília falando ao velho Aleijadinho)
”Não sais do teu retiro e, assim, não tenho o ensejo
de ver-te, assiduamente, em teu rude caminho.

Cada manhã que nasce, eu bendigo o lampejo
do teu gênio, que foge a este mundo mesquinho.
Não canso de louvar teu cinzel benfazejo,
dando à pedra-sabão a alma branca do arminho!”

— “Eu, Dorotéia, enfermo, mutilado e cego,
rogo, sempre, ao Senhor, de todo o coração,
que me ajude a levar esta cruz que carrego.

Os teus anseios são, contudo, iguais aos meus:
fazes do teu amor uma linda oração,
faço do sofrimento um altar para Deus!”



Marília Sonha...
Vasco de Castro Lima

“Toucarei teus cabelos de boninas,
nos troncos gravarei os teus louvores...”
— Marília fecha os olhos. Nas esquinas,
violões choram ternuras e amargores.

Fica a lembrar Dirceu, pelas campinas,
braços dados com ela, entre os pastores...
Os idílios nas horas vespertinas,
os beijos matinais cheirando a flores...

Tinha, naquele tempo, o riso leve,
faces rosadas, carnes cor-de-neve,
madeixas negras, a paixão no olhar.

Marília sonha. E as brancas mãos da lua
gravam seu nome na parede nua
e toucam seus cabelos de luar...



Tarde em Vila Rica
Vasco de Castro Lima

Vila Rica. Sol-pôr. No céu nevoento,
nuvens formam luzidas caravelas.
Alastra-se, levada pelo vento,
um incêndio de rosas amarelas.

O palácio real do firmamento
cerra, de leve, as últimas janelas.
E o velho sol, pintor do sentimento,
começa a recolher as suas telas.

Tangem sinos. Aos poucos, anoitece.
A alma que não amou queda-se em prece,
queda-se em prece o coração que amou...

... Marília, triste e só, ainda bonita,
ao pé da Cruz, põe-se a rezar, contrita,
pelo noivo que nunca mais voltou...



Noite em Ouro Preto
Vasco de Castro Lima

Ouro Preto. Nas vias seculares,
as pedras são as rugas da cidade.
Sol no ocaso. A mortiça claridade
banha, medrosa, os lívidos solares.

Noite. Ouro Preto, que não tem vaidade,
é uma Igreja de Prata. Em seus altares,
desfaz-se em luz o incenso dos luares,
morrem, chorando, as velas da Saudade.

Cláudio Manoel... Gonzaga... Tiradentes...
Vêm surgindo os heróis Inconfidentes,
o coração cantando, a alma incendiada.

Por fim, envolta num sorriso brando,
a visão de Marília vai passando,
— um sol dentro da noite constelada!



As Recordações de Marília
Vasco de Castro Lima

Tudo mudou na casa de Marília,
onde o Passado fala com voz mansa.
Quase ninguém lhe resta na família,
nenhuma flor nos vasos de faiança.

Ficou, somente, a colonial mobília!
Na cadeira em que, triste, se embalança,
quantas vezes, nas horas de vigília,
lera poemas de amor e de esperança!

“As glórias que vêm tarde, já vêm frias...”
— Marília lembra o verso que enregela
seu pensamento, desde velhos dias...

Mas, sorri, lábios mudos, olhos baços,
relendo a carta em que Dirceu revela:
— “Devo morrer, Marília, nos teus braços...”



A Mensagem de Dirceu
Vasco de Castro Lima

Junto à janela, contemplando o poente,
Marília pensa no que tem sofrido.
Como sempre, a saudade está presente:
tem a alma triste e o coração partido.

Um pássaro curioso voa em frente,
chega perto, com ares de Cupido,
e lhe beija os cabelos ternamente...
Depois cola o biquinho ao seu ouvido...

Olha-o Marília, com igual carinho.
E nem sabe que, aquele passarinho,
lhe traz uma mensagem de Dirceu...

E a avezinha transmite este recado:
— Continue esperando o seu amado,
que o grande amor de outrora não morreu!



O Eterno Idílio de Ouro Preto
Vasco de Castro Lima

Em Ouro Preto. Calmo, sem delírios,
o luar é uma chuva de açucenas.
Nuvens rondam o céu, brancas, serenas,
da cor dos alabastros e dos lírios.

As estrelas, rodeadas de falenas,
parecem chamas trêmulas de círios.
O Cruzeiro do Sul lembra os martírios,
as dores e torturas nazarenas.

A alva lua parece um monge velho
que vem, triste, a rezar seu evangelho
de sombra e luz, em paternal vigília.

E, enquanto o augusto casario dorme,
dois vultos rompem o silêncio enorme>
— Dirceu declama versos a Marília...


 

 
                                  







“Celula Mater” das Minas Gerais
Vasco de Castro Lima

Primeira capital e primeira cidade,
Mariana é a história viva e nobre das Gerais!
Um sonho bem feliz tornado realidade,
o progresso invadindo as praças coloniais!

Rincão onde nasceu a pátria Liberdade,
berço de tradições e lendas imortais,
Mariana é um sol! Não vive, apenas, da saudade
de tempos que, talvez, não voltem nunca mais!

Em toda parte, alveja um halo de poesia!
O incenso do passado ardendo, noite e dia,
na mansão, no jardim, na Sé, na rua esconsa...

E seu descobridor, realizando um destino,
trouxe, no próprio nome, um verso alexandrino:
Coronel Salvador Furtado de Mendonça!



A Sé de Mariana
Vasco de Castro Lima

Austera e majestosa, e burilada a ouro,
ornada de painéis, cristais e porcelana,
sonha um sonho piedoso a Sé de Mariana,
que a tradição guardou  —  riquíssimo tesouro.

Carregando um passado augusto e imorredouro,
e tendo a iluminá-la uma fé cotidiana,
cada sino é uma voz, cada altar é um hosana,
e cada torre esguia é um velho miradouro.

Vive, assim, a sonhar a igreja esplendorosa!
O órgão sonoro e terno, a Virgem milagrosa,
pinturas magistrais vencendo a própria idade!

Vive, assim, a sonhar a imponente Matriz,
que abriga, com ternura, em seu sono feliz,
os despojos mortais dos Bispos da cidade!



Ribeirão do Carmo
Vasco de Castro Lima

— Sonho... Vejo homens revirando a areia
de um belo rio de águas caudalosas!
Dois mil negros, ao sol e à luz cheia,
se espalham pelas margens portentosas.

— Abro os olhos, depois... O luar prateia
um riacho de águas mansas e barrosas.
Já não diviso, dentro da bateia,
as faíscas douradas e vistosas.

É o Ribeirão do Carmo... Outrora um rio
largo e crespo, mas, hoje, um pobre fio
que goteja um cascalho avermelhado...

Mariana! Esquece, esconde essa tristeza!
Teu rio é uma canção da Natureza,
carregando lembranças do passado...



Cativos de Mariana
Vasco de Castro Lima

Quando me falam de Mariana, ou quando
retorno a este recanto de ternura,
vem-me à recordação a escravatura,
o pobre negro, sol a sol, penando.

Na igreja, no sobrado venerando,
nos monumentos de arte e arquitetura,
cada pedra é um gemido de amargura,
que o cativo deixou, quase chorando.

Mariana sempre deu altos exemplos
libertando legiões da raça escrava,
que a Deus serviam construindo os templos...

E, quando um negro velho aqui morria,
a Virgem do Rosário o abençoava,
Nossa Senhora das Mercês sorria!



Mariana
Vasco de Castro Lima

Mariana! És um mundo onde a saudade
segue, rezando a procissão das eras.
As tuas casas brancas, de alvaiade,
são mais brancas, ao sol das primaveras.

Fiel a essa ilusão de eternidade
que te enche as ruas tímidas e austeras,
conservas a beleza e a majestade
de um passado de lendas e quimeras.

Tuas igrejas de imortais destinos,
têm a alma fraternal dos velhos sinos
e o coração de mel que têm as mães.

Vozes sobem ao céu, de quando em quando:
é o Ribeirão do Carmo declamando
os sonetos de Alphonsus Guimaraens.



Caravana de Fantasmas
Vasco de Castro Lima

      (Lendo o livro “Lendas Marianenses”, 
       de Waldemar de Moura Santos)

No tempo dos lampiões de querosene,
os primeiros jornais foram surgindo.
A “Estrela Marianense” era solene,
e, com ela, o progresso ia luzindo.

Quando havia luar, um lausperene
de poesia tornava o céu mais lindo.
E nessas noites não há quem condene
o namoro, os violões, o amor sorrindo...

Mas... nem tudo era paz em Mariana!
Os fantasmas formavam caravana,
bailando no ar, no chão, no céu profundo... 

E na Quaresma, em toda sexta-feira,
percorria a cidade, a noite inteira,
a procissão das almas do outro mundo...



A “Fonte das Saudades”
Vasco de Castro Lima

     (Lendo o livro “Lendas Marianenses",
      de Waldemar de Moura Santos)

Cláudio Manoel da Costa, o poeta Inconfidente,
planejou e criou a “Fonte das Saudades”.
Cercada de jardins, era, na luz do poente,
um recanto de amor envolto em suavidades.

Contam que um bando azul de anjinhos, sorridente,
— um grupo angelical de celestes beldades —
voava rumo à Fonte, amiudadamente,
onde ia se banhar, sem mesquinhas maldades...

Eram entes do Céu que vinham a Mariana,
trazendo a proteção da Virgem soberana,
saudar o “Ribeirão”, num gesto fraternal...

Diziam que o ouro fulvo, encontrado no rio,
ficaria — e ficou — cravado, luzidio,
nos templos senhoris da cidade imortal!



Mariana de Outros Tempos
Vasco de Castro Lima

Mariana, a que mais amo, a que mais quero,
não é a de hoje, bela e progressista!
É aquela de ar sisudo e olhar severo,
mas, muitas vezes, sentimentalista.

É a Mariana claustral do augusto Clero;
a Ordem Terceira, o Padre Lazarista.
Os seminários de regime austero...
Rua Nova do velho saudosista...

O Congado. As Irmãs de São Vicente.
Chico Rolão — um Cristo diferente.
A folia. A Capela de Santana.

A rua da Olaria, já distante,
que foi a estrada real do Bandeirante,
e o “Caminho dos Bispos de Mariana...”



Rua Direita
Vasco de Castro Lima

Em Mariana há, também, uma Rua Direita!
(Seria bem melhor: Rua das Tradições!)
Imagino-a faustosa, em seu passado, eleita
para ostentar a grei dos Condes e Barões.

Vejo a rua querida, ora larga, ora estreita,
com archotes ardendo à frente das mansões.
E mil velas de sebo, em corrente perfeita,
nos lustres de cristal, alumiando os salões.

Vejo a Ponte de Areia e, embaixo, o arroio limpo.
Morosos, vão passando os negros do garimpo,
que vêm do Ribeirão, em busca da cidade.
.................................................................................
Mas... silêncio! Na Sé, os bronzes seculares
dobram chamando os fiéis para, ao clarão dos luares,
formar a “Procissão de Cinzas” da Saudade...



Saudades de Mariana
Vasco de Castro Lima

Quando fico a pensar nas cidades de Minas,
vem-me, logo, à lembrança, a vetusta Mariana.
A Matriz, a Padroeira, as imagens divinas.
O órgão da Sé, Painéis. A Praça veterana,

O Carmo, São Francisco, as missas matutinas,
o Convento em que vive a grei carmelitana.
Capelas se esboroando em sagradas ruínas,
a igreja do Rosário, a igreja de Santana.

Mariana de Ataíde e Arouca! De Dom Cruz!
O sol, sempre bonito — um poema de ouro e luz.
A prata do luar — prateando a noite fria.

O santo Dom Viçoso! O santo Dom Silvério!
E, dormindo na paz de um ermo cemitério,
Alphonsus Guimaraens, o santo da Poesia!


                 























(Nota do Autor: o que está "entre aspas" nos versos abaixo é da autoria de Florbela Espanca)
A Poesia de Florbela
Vasco de Castro Lima

É tão grande a poesia de Florbela,
que tem as dimensões de um Continente!
Diante da sua inspiração ardente,
Portugal é pequeno para ela!

Cultiva a própria Dor, sem merecê-la,
e abre o seu coração a toda gente.
Com os astros conversa intimamente,
“trata por tu a mais longínqua estrela”.

Poesia amargurada e luminosa,
que vê faróis na lâmpada votiva,
“que vê num cardo a folha de uma rosa”.

“Como pobres que vão de porta em porta”,
cada soneto é uma saudade viva,
e cada verso é uma esperança morta.



Florbela e o Soneto
Vasco de Castro Lima

Eras, Florbela, uma criança apenas,
e sabias que a Dor é um bem divino.
Num Soneto cabiam tuas penas
e, assim, ligaste ao dele o teu destino.

Tua vida — rosário de açucenas —
tinha a amargura vesperal de um sino.
Teus soluços, em tardes de novenas,
ganharam sons de lânguido violino.

As tuas mágoas, tuas doces mágoas,
eram prantos de um rio, de onde as águas
vinham cheias de sombras e de luzes...

Num Soneto podia recolhê-las,
ele — que é um manto de quatorze estrelas,
ele — um Calvário de quatorze cruzes.



Primavera Triste
Vasco de Castro Lima

Vai desmaiando o sol. Fecham-se os lírios.
“Andam no ara carícias vaporosas...”
O horizonte é um colar feito de círios,
“o Silêncio abre as mãos... entorna rosas...”

Lamentos de Anto, envoltos em martírios,
parecem ais de fontes dolorosas.
É a Primavera suave, sem delírios,
de tardes roxas e manhãs brumosas.

Sobem, do chão, soluços de violetas.
As almas dos jardins são borboletas
que espalham, pelo céu, poemas em cores.

É a Primavera triste de Florbela,
de rosas nos vitrais de uma capela,
de muros velhos remoçando em flores!



“Livro de Mágoas”
Vasco de Castro Lima

Soror Saudade, o teu “Livro de Mágoas”
é um breviário de símbolos e dores!
Teus versos — mar de escolhos e de fráguas —
lembram sinos com dobres de amargores.

Rios de águas azuis, de calmas águas,
que em suas margens não têm sol, nem flores.
Crateras de Vesúvios e Aconcáguas
em pleno Portugal dos teus amores.

Teu livro guarda os prantos que choraste!
“Bíblia dos Tristes”, foi como o chamaste,
espelho de uma vida sem deleite.

Florbela, com razão disseste um dia:
“A minha pobre Mãe tão branca e fria
deu-me a beber a Mágoa no seu leite!”



Versos Eternos
Vasco de Castro Lima

Vêm de longe, a gritar na voz dos ventos,
os gênios, os infortúnios de Florbela!
Raras vezes, sorriu! Cresceram, nela,
os grandes, os maiores sofrimentos!

Varreu sua alma límpida e singela,
um ciclone de auroras e tormentos!
Nas paisagens que amou, há céus cruentos,
nos sonhos que sonhou a vida é bela!

Morreu cantando, igual aos sonhadores!
Tédios, Ânsias, Saudades, Mágoas, Dores,
são hoje vagas sombras silenciosas.

Mas, seus versos não morrem. São eternos!
Há, também, sol no poente dos invernos,
“sob as urzes queimadas nascem rosas...”



“Princesa Desalento”
Vasco de Castro Lima

No vasto céu da tua poesia,
vejo estrelas de mágica beleza!
Umas são tristes — choram de alegria,
outras alegres — riem de tristeza.

Em Noite sem luar, tu és o Dia,
no País Desalento, és a Princesa!
Plangem, rezando, em tua “Torre esguia”,
gemidos de Saudade portuguesa.

Foste, talvez, Florbela D’Alma Espanca,
um jovem sol de cabeleira branca,
que tombou afogado em malmequeres.

Tens, no nome, um perfume de amargor,
Que faz de ti, mais do que a própria Dor,
“a mais triste de todas as mulheres!”



“Castelã da Tristeza”
Vasco de Castro Lima

“Deixa tombar meus últimos castelos!”
— É Florbela falando dos seus sonhos.
Seus palácios de luz, altos e belos,
caíam... ressurgiam mais risonhos.

Amor e Dor! Destinos paralelos!
Beijos alegres, madrigais tristonhos!
Espinho e flor! Correntes, em que os elos
formavam, quase sempre, novos sonhos.

Cinzas... Brumas... São tristes os seus versos!
“Rimas perdidas, vendavais dispersos”,
saudade a ruminar velhos outroras.

Cada castelo nobre que caía,
Florbela, prontamente, o reerguia:
— “o Sol que morre tem clarões de auroras”.



“Maria das Quimeras”
Vasco de Castro Lima

— “Minha alma é a Princesa Desalento...”
(Teu silêncio gritava. Era um clamor.)
— “Vivo sozinha em meu castelo: a Dor...”
(Era maior que o céu teu pensamento.)

Mas, um dia, disseste, sem lamento,
feliz, lembrando uma roseira em flor:
— “Destes meus olhos garços um pintor
tirou a luz para pintar o vento...”

Teus versos são assim, Florbela Espanca!
Sangue rubro a pingar numa alma branca,
charneca rude abrindo em Primaveras!

Há, nas tuas intérminas estradas,
poentes roxos e alvas madrugadas,
“Maria das Quimeras, sem quimeras!...”



A Deusa das Estrelas
Vasco de Castro Lima

“No tranquilo convento da Tristeza”
Florbela junta as mãos, põe-se a rezar.
Fora, serenamente, a Natureza
pinta de luz e prata o céu e o mar.

Dorme o jardim. A Noite é uma Princesa
de manto azul bordado de luar.
Rosas rubras — Rainhas de Beleza —
“traçam gestos de sonho pelo ar...”

Florbela, a Deusa suave, a Deusa triste,
reza a Prece das Mágoas. Certo, existe
dentro de cada mágoa uma canção...

... depois, sai pelas ruas silenciosas...
E, como quem, cantando, atira rosas,
vai espalhando estrelas pelo chão...




Destino
Vasco de Castro Lima

Trouxe, do berço, envolta em claridade,
o mago encanto de uma flor divina.
Ela, que sempre foi “Soror Saudade”,
nunca perdeu sua alma de menina.

Trouxe, para o esplendor da mocidade,
o “corpo de âmbar”, “cinta esbelta e fina”,
“olhos garços” repletos de ansiedade,
“frágeis  mãos de madona florentina”...

Trouxe do berço  —  estrela da manhã  —
um sonho a lhe ferver dentro do peito:
ser Infanta, Princesa, Castelã...

E trouxe, em seu destino de asa branca,
no nome um decassílabo perfeito:
Florbela de Alma Conceição Espanca!




Desilusão
Vasco de Castro Lima

Era mais do que a Deusa da Poesia,
porque nasceu Mulher, antes de tudo.
Florbela amava um Sonho. Parecia
que era um sonho impossível, cego e mudo.

O seu “Prince Charmant” sempre fugia,
desviando os “olhos de oiro e de veludo!
Ela, porém, o amava noite e dia,
porque nasceu Mulher, antes de tudo.

O beijo que guardava para o Amado
não tinha a cor vermelha do pecado,
tinha a carícia branca dos luares...

Por isso, perguntava, com carinho:
— “Que contas dás a Deus indo sozinho,
passando junto a mim, sem me encontrares?”




Almas Irmãs
Vasco de Castro Lima

Relendo os versos teus, Florbela Espanca,
sinto que os escreveste para mim.
Se o teu rio de Dor não teve fim,
minha fonte de Mágoa não se estanca.

Eras “a irmã do Sonho”, calma e branca,
com teu “rosto de monja de marfim”.
E és minha irmã também. Sinto-te em mim,
relendo os versos teus, Florbela Espanca!

Sou, igualmente, “um cardo desprezado”.
Choraste os mesmos prantos que chorei,
fui vassalo feliz do teu reinado.

Ah! Somos menestréis da mesma frei:
possui, também, “um riso desgraçado”
“o caminho de estrelas que tracei”...



Amou, Não Foi Amada
Vasco de Castro Lima

Era “a moça mais linda do povoado”
A pobre mãe que a trouxe ao mundo... Entanto,
Florbela teve o mesmo ideal magoado,
A mesma sorte e as mesmas penas de Anto.

O destemido Príncipe Encantado,
dias e noites esperou, em pranto.
... Mas, não viu, no caminho enluarado,
aquele amor que procurava tanto!

A sua velha companheira, — a Dor,
seguiu-lhe os passos, lívida e sombria,
— monja pagã vestida de amargor...

Amou, não foi amada... Mas, por que?
Ah! Com que sofrimento ela dizia:
— “Sou aquela que passa e ninguém vê”.




Vila Viçosa
Vasco de Castro Lima

Vila Viçosa é um mundo pequenino,
que tem a forma ideal de um coração.
Se é lindo o poente, “um cacto purpurino”,
mais bonito é “o luar com seu clarão”.

Vila Viçosa, a noiva do Destino,
tem legendas de glória em seu brasão.
E mostra, com orgulho, ao peregrino,
que Florbela está ali, naquele chão. 

Vila Viçosa... Os mármores famosos!
Dias azuis, dourados, luminosos,
enchendo as ruas de felicidade...

O áureo solar dos Duques de Bragança...
Porta do Nó... Igreja da Esperança...
Florbela, a Dor mais viva da Saudade!




Ambição
Vasco de Castro Lima

Sem crer no amor, amaste loucamente,
“ó Princesa Encantada da Quimera”!
És o riso que chora amargamente,
“és ano que não teve Primavera!”

Tinhas, no peito, um coração ardente,
mas tua alma Luzia noutra esfera.
Não encontraste o Príncipe valente,
“nunca se encontra Aquele que se espera!...”

Eu compreendo, Florbela, os teus pesares!
Não te davas a príncipes vulgares,
nem a simples amores de plebeus.

Jamais amor terreno cobiçaste!
Foi por isso que, esplêndida, bradaste:
“Um homem? — Quando eu sonho o amor de um Deus!”



Alma Incompreendida
Vasco de Castro Lima

Para Florbela Espanca, Dona Morte
nunca foi uma sombra desprezada.
Ligava-a, de tal modo, à própria sorte,
que a poetisa chamou-a “a Iluminada”.

Num certo dia, de tensão mais forte,
sabendo que, na vida, “tudo é nada”,
ela gemeu, num trêmulo transporte:
“Terra, quero dormir, dá-me pousada!”

Mas, Florbela, também amou a vida.
E sonhou... E sofreu... E, incompreendida,
envelheceu em plena mocidade.

Parece até que escuto a pobrezinha:
“Tenho vinte e três anos! Sou velhinha!”
“É tão triste morrer na minha idade!”



O Vestido Azul
Vasco de Castro Lima

Dona Amélia, Rainha Portuguesa,
foi, certa vez, à casa de Florbela,
trajando, muito branca, muito bela,
deslumbrante vestido azul-turquesa.

A menina extasiou-se diante dela,
pois nunca vira, assim, tanta beleza.
Tinha, no olhar, a mística pureza
com que fitava as santas na capela...

Depois, viveu no sonho, na esperança
de possuir um vestido resplendente,
igual ao que guardava na lembrança...

... Mas, tudo a Vida lhe negou, mesquinha...
E jamais lhe daria, de presente,
um luxuoso vestido de Rainha!



A Divisa de Florbela
Vasco de Castro Lima

Florbela segredou amargamente:
“Minha divisa: um coração chagado”.
Ela foi uma rosa adolescente
ferida pelo espinho desalmado.

Sofredora, entregou, confiantemente,
um coração que amou sem ser amado.
Seus versos vão formando uma torrente
de águas turvas da cor de um céu magoado.

Nas noites sem luar de suas dores,
ou mesmo na explosão dos seus amores,
ela sempre vivia o que escreveu.

Teve, pois, mais tristezas que alegrias:
— “Olho assombrada minhas mãos vazias”,
“apalpo cinzas porque tudo ardeu...”



O Último Dia de Florbela
Vasco de Castro Lima

Vem a Morte com passos de veludo...
“O silêncio, em redor, é uma asa quieta”.
A Dor sente uma lágrima discreta
molhando os olhos, num presságio mudo!

Chora a própria tristeza... O Mar, sisudo,
cala o seu velho coração de Poeta!
Vestem luto as roseiras, de alma inquieta,
“uma torre ergue ao céu um grito agudo”.

A Lua branca, o Sol (com que ansiedade!)
vêm ver, já no final do seu caminho,
ainda uma vez, a Deusa Soledade...

Florbela entende tudo, com carinho...
Toma, nas mãos, o terço da Saudade
e começa a chorar devagarinho...



Cinzas Milagrosas
Vasco de Castro Lima

As cinzas de Florbela estão dormindo
no chão onde nasceu — Vila Viçosa —,
dando vida a uma flor que vai-se abrindo,
talvez “matando a fome de uma rosa”.

A terra, que desfez o rosto lindo,
não apaga sua alma luminosa.
Há um luar azul naquele sono infindo,
naquela noite escura e silenciosa.

Para os que prezam a arte de Florbela,
cada dia que morre, perto dela,
“parece Sexta-feira da Paixão”!

Mas, seus irmãos poetas se conformem:
— brotam flores das cinzas que ali dormem,
nascem versos de luz naquele chão!



                             











Venturosa!
Vasco de Castro Lima

Escreveu, certa vez, Anacreonte,
o mais simples dos poetas conhecidos:
— “Cigarra, é em teu louvor que reza a fonte
seu rosário de espumas e gemidos...

Bebes o orvalho no alcantil do monte
e vives a cantar aos meus ouvidos.
Tudo o que vês é teu: sol, horizonte,
o bosque, o campo, os plátanos floridos...

Sempre tiveste um grande coração:
ao lavrador nunca roubaste a calma,
aos homens anuncias o Verão...

Fazes lembrar os imortais de Elêusis!
Não tens carne, nem sangue... Só tens alma...
Cigarra, és quase semelhante aos deuses!”



Noiva do Céu
Vasco de Castro Lima

Boêmia que cantas ao calor infrene
dos lindos sóis, nas árvores copadas;
noiva do céu, raio de luz perene,
que sonhas com formigas desalmadas;

vagabunda feliz, de olhar solene,
cigarra emocional de asas rendadas,
que Olegário Marianno e La Fontaine
cobriram de canções ensolaradas;

escuta: quantas vezes a formiga
fica, enlevada, a ouvir tua cantiga,
apesar da vaidade que ela tem!

Bendita alma de poeta, alma de rosa,
que fazes a formiga laboriosa,
olhos brilhando, te escutar também!



Festa de Luz
Vasco de Castro Lima

Durante todo o dia, desde cedo,
o sol pôs brilhos de ouro na cascata,
na clareira, no rio, no penedo,
no véu das nuvens, no lençol da mata.

Houve festas de luz sobre o rochedo
e o mar vestiu-se de rubis e prata.
Encheu-se de esmeraldas o arvoredo,
onde havia um rumor de serenata!

A cigarra cantara a tarde inteira.
Fora o dia em que a boêmia cantadeira
faria inveja ao próprio rouxinol!

Aquela criatura de alma clara
nem cantara, talvez. Ela pulsara,
como se fosse o coração do sol...



Fábula Maldosa
Vasco de Castro Lima

É uma lenda maldosa! A lenda antiga
que, com fingida ingenuidade, narra
haver batido à casa da formiga,
tonta de frio e fome, uma cigarra.

Mentira! A boêmia nunca foi mendiga,
na sua vida lépida e bizarra!
Não quer senão cantar. Sua cantiga
é um céu em fogo, um ruído de fanfarra.

Tem, nas árvores, leito, mesa e teto!
E assim (nem há formiga que a condene)
não comeria trigo e asas de inseto...

E mais: forjou-se um plano subalterno,
porque a cigarra, mestre La Fontaine,
filha do sol, nunca viveu no Inverno!



A Distração da Formiga
Vasco de Castro Lima

A cigarra se abria em clarinadas,
sob o manto de folhas de mangueira.
Tinha, na alma, o esplendor das alvoradas,
e nos olhos, rebrilhos de fogueira.

Desferia canções desesperadas,
— canções de glória de uma vida inteira —
que, arranhando o silêncio das quebradas,
iam morrer aos pés da cordilheira.

Para a formiga buliçosa e fria,
que trabalhara quase todo o dia,
ouvindo-a e vendo-a, ao sol, de galho em galho,

aquela voz a encorajava tanto,
que lhe trazia distração e encanto
nas suas longas horas de trabalho.



O Encontro
Vasco de Castro Lima

A cigarra encontrou-se com a formiga.
Tinha ouvido, em redor, certos rumores
que a descreviam, em sinistras cores,
como sendo, talvez, sua inimiga.

E foi dizendo: — “Eu sei que os delatores
se referem a nós, fazendo intriga.
Porém, não creio haver quem me persiga
só por ser o clarim dos sonhadores.

Tu trabalhas e pensas no futuro,
e eu te respeito o pensamento puro
que te trouxe e trará prosperidade.

Mas, deixa-me cantar! Amo a beleza!
Cantar o sol, a vida, a Natureza,
é ter um pouco de felicidade!”



Coração Aberto
Vasco de Castro Lima

— “Se, porventura, um dia precisares
pedir as provisões de algum celeiro,
não tomes o caminho de outros lares,
procura as portas do meu formigueiro!

Lá, não tenho os esplêndidos manjares
que se encontram na mesa de um banqueiro.
Mas, mesmo assim, o pouco que encontrares
pertence a um coração hospitaleiro.

Dizem que tenho uma alma de serpente...
Mas isso é caluniosa fantasia,
pois sou, de fato, apenas previdente...

Depois... sei dar valor às prendas tuas.
Podes cantar, cigarra, todo dia,
que eu trabalho, sozinha, por nós duas!”



Destino de Cantar
Vasco de Castro Lima

“Formiga, escuta! Eu sei que tu trabalhas
nas inquietudes de um labor eterno.
Não distingues, nas ásperas batalhas,
Primavera, Verão, Outono, Inverno.

Sei que fizeste a casa em que agasalhas
teus filhos todos, com amor materno,
e armazenas insetos e migalhas,
com teu cuidado desvelado e terno. 

És laboriosa, és previdente, és forte,
mas não zombes, jamais, da minha sorte,
do meu belo destino de cantar!

Tu trabalhas e eu canto. Ouve, formiga:
meu dia de amanhã é uma cantiga
um sonho que eu nem sei se vou sonhar...”



A Cigarra e Olegário Marianno
Vasco de Castro Lima

— “Formiga, vou dizer-te uma franqueza:
Nunca pude gostar de La Fontaine.
Foi poeta de virtudes sem beleza,
e ao qual prefiro os versos de Verlaine.

Mas, o Olegário, não! Tem mais nobreza
e não é tão sarcástico e solene.
Enquanto ele cantar a Natureza,
não haverá cigarra que o condene.

Seus cantos têm a vibração das matas
e os seus poemas de luz formam cascatas
de cores e de sons, de sol em festa...

Se ele é a cigarra boêmia da cidade,
eu quero ser (perdoa-me a vaidade!)
o Olegário Marianno da floresta!”



Sentimentos Nobres
Vasco de Castro Lima

     (fala a formiga)

E a formiga falou: — “Cigarra amiga,
não dês ouvido a quem de nós falar!
Não sabem que, apesar de ser formiga,
também tenho o direito de sonhar.

Quantas vezes, ouvindo-te a cantiga,
eu sinto mais prazer em trabalhar!
Tu me distrais nas horas de fadiga,
na floresta, no campo, no pomar!

Acostumei-me a trabalhar sem medo,
Ao sol, à chuva, ao frio, desde cedo,
e hoje, assim, não estou entre os mais pobres.

Mas, é falso o que disse o fabulista!
Na minha vida, nunca fui egoísta,
e sempre tive sentimentos nobres.”



 O Conselho da Formiga
Vasco de Castro Lima

— “Cigarra! É bem possível que conheças
menos do que eu um homem que elogia.
Por mais que tu te imponhas e mereças,
vales menos, de dia para dia.

Durante a vida, nunca te envaideças
Com suas frases de filantropia!
Ele prega a discórdia. E não te esqueças:
não há poço maior de hipocrisia!

O homem desvenda os astros e os destinos,
mas, quando volve o olhar aos pequeninos,
só vê mendigos e só diz blasfêmias.

Ele se julga o dono da Verdade,
e nem sabe que os seres, na humildade,
têm o amor e a atração das almas gêmeas.”



Sonho e Trabalho
Vasco de Castro Lima

A Sorte amiga (... e às vezes inimiga),
forma, entre nós, a multidão bizarra
dos que lutam — a exemplo da formiga,
ou cantam — à maneira da cigarra.

Aqui, é o lavrador que se afadiga,
além, o poeta que à ilusão se agarra.
Junto à enxada que a terra-mãe castiga,
há sempre a alma em flor de uma guitarra.

Sonho e Trabalho, com fervor profundo,
rezam, chorando ou rindo, pelo mundo,
seus rosários de risos e amargores...

Benditos sejam, sempre, a lira e o malho!
... Formiga  —  um catecismo de trabalho!
Cigarra  —  doce irmã dos sonhadores!



Depois da Chuva
Vasco de Castro Lima

Cessou a chuva. O céu se abriu, cantando
uma linda canção de sete cores.
E o sol, liberto, apareceu mostrando
o seu cocar de rubros esplendores.

Frente às boninas, acercou-se um bando
de alegres e amorosos beija-flores.
Como se fossem rosas, no ar, bailando,
vieram guarás vermelhos, sem rumores.

E a cigarra cantou sobre os relvados.
Lembrando os sons de clangorosa tuba,
a chirriada, em clamores, se desfez.

Seu canto estremeceu jardins e prados,
desde as folhas de prata da embaúba
até as flores de ouro dos ipês...



A Poesia, Na Voz da Cigarra
Vasco de Castro Lima

          I
     
“De vez em quando, um pessimista exclama
que a Poesia morreu... E há uma alegria,
um carnaval nos corações sem flama,
na alma dos que não sentem a Poesia.

Pensa em alguém dizendo, olhos em chama,
que o ouro deixará de ter valia!
Quem o ouvirá? Figura de algum drama,
ele próprio, ao dizê-lo, sorriria...

A Poesia, formiga, não morreu,
nem morrerá, jamais, neste planeta,
enquanto houver a luz que o sol nos deu...

Enquanto houver a flor, os horizontes,
a graça leve de uma borboleta,
o azul do céu e a música das fontes...”


          II

“Poesia é o céu azul! A alma que chora
na plangência de um córrego de prata.
É a rosa que roubou a cor da aurora,
a lua de Catulo atrás da mata...

Poesia é a Estrela-d’Alva! A onda sonora
que em espumas na praia se desata.
É o beijo, a tempestade, a ave canora,
o berço, a prece, o amor, a serenata!

Poesia é o gesto nobre que consola,
é a beleza balsâmica da esmola,
o arco-íris que matiza o céu sombrio...

Poesia é a claridade, o sofrimento.
É a formiga lutando à chuva e ao vento,
é a cigarra cantando ao sol do estio!”



Colheita
Vasco de Castro Lima

Surge o coro dos pássaros cantores
na catedral pagã da mataria.
O milho ruivo e os pomos tentadores
cobrem a terra pródiga e sadia.

É o tempo da colheita. Os segadores
remoçam, cantam, choram de alegria.
Como prêmio ao suor dos lavradores,
não vai faltar o pão de cada dia.

Garças esbeltas, de alva formosura,
passeiam pelo campo aquela alvura
que põe, no verde, branquidões bizarras.

E o coqueiro se curva, satisfeito,
porque ainda vibra, dentro do seu peito,
o zunido estridente das cigarras...



Inveja
Vasco de Castro Lima

Cigarra! Como invejo o teu destino,
cheio de sol, banhado de beleza!
Nos meus saudosos tempos de menino,
não sei por que, te achava uma princesa.

Com que paixão golpeias teu violino,
em perene louvor à Natureza!
Quem carrega o arrebol do teu destino
não conhece o fantasma da tristeza!

Vives gritando uma alegria infinda,
aqui, ali, além, mais longe ainda,
brindando à vida e vaguejando ao léu!

Segue, cigarra, segue tua rota,
vencendo matagais, de grota em grota,
desferindo canções, de céu em céu!



Verão
Vasco de Castro Lima

Verão, que pões, no céu, gritos em cores,
festas de azul nos campos e cidades,
tu chegaste esparzindo, entre fulgores,
a orgia das vibrantes claridades!

Há sangue novo no coral das flores,
e nos jardins, promessas e vaidades,
Bandolinam alados trovadores,
em reticências de sonoridades...

Voam, tontas, sem rumo, as borboletas:
Azuis, vermelhas, amarelas, pretas,
ágeis, errantes, leves e bizarras.

E envolve tudo essa eclosão bendita
que arde no beijo da mulher bonita
e enche de luz o sonho das cigarras...



Despeito
Vasco de Castro Lima

Há criaturas que dizem, por despeito:
“A vida da cigarra é um desvario.
Pode cantar até lhe doer o peito,
mas vai morrer com o estômago vazio.

Não trabalha e o seu canto é sem proveito,
pois fica na penúria após o estio.
E, além de tudo, tem esse defeito
de mendigar nas épocas do frio...”

Dizem... E a boêmia, no seu canto agudo,
Desdenha tudo, indiferente a tudo,
Beijando a luz das folhas orvalhadas.

Não lhe importa o que digam. Não lhe importa,
pois leva, na pupila quase morta,
um incêndio de sonhos e alvoradas.



Canto do Outono
Vasco de Castro Lima

Veio o Outono! Do céu, a chuva fina
cai, peneirando, trêmula, indolente.
Erra nos ares, preguiçosamente,
um véu de sombras dentro da neblina.

Ela, a cigarra, num esforço ingente,
ensaia a sua estranha cavatina.
E distrai a formiga pequenina,
que se entrega ao labor, honestamente.

Pára. Volta a zoar, de quando em quando.
Cala-se, enfim. A noite vem chegando.
E agora, após cantar horas a fio,

ei-la, encolhida, a pobre cancioneira,
por entre as folhas verdes da mangueira,
olhos fechados, a tremer de frio!



A Morte da Cigarra
Vasco de Castro Lima

          I

Cansada, emudeceu a cancioneira,
olhos longos no rumo do infinito.
Sobre a folha amarela da mangueira
desfraldara o seu canto mais bonito.

O inverno vai chegar. E a cantadeira
não pode suportá-lo. O canto aflito
fora, aos poucos, perdendo a voz brejeira,
aquela voz, que era um clarão bendito.

Foi feliz, teve amores e ventura.
Viveu quatro anos sob a terra escura
e um mês à luz do sol, a se aquecer.

O outono expira. E agora ela começa
o seu último canto... É uma promessa
que vai cumprir: cantar até morrer!


          II

E vai morrer cantando... Tem certeza
de que a ninguém faz mal sua cantiga.
Pensa que é o próprio sol, que a Natureza
nasceu para adorá-la, sem fadiga.

Olha em redor. Os campos. A beleza
das flores. O trabalho da formiga.
A borboleta voando  — uma princesa...
A companheira ao lado — a boa amiga...

De repente, o silêncio... O corpo inerte
precipita-se ao chão e se converte
num resto, num restinho de saudade...

E chega ao fim aquela vida ociosa,
que foi tão linda como a de uma rosa,
que foi mais curta que a Felicidade...




  



A Semente da Liberdade
Vasco de Castro Lima

Vinte e um de abril. O sol requeima o céu de opala.
Um ambiente marcial. O povo, em orações,
mal crê no que está vendo. A cerimônia abala
mesmo a neve que cobre os frios corações.

Regimentos pompeando uniformes de gala,
fantoches do poder, confessores, dragões.
São Domingos. A forca. Há um silêncio que fala,
que grita, ou se converte em mudas vibrações.

Crucifixo entre as mãos, a veste cor de cera,
o Alferes, bravo e humilde, ao carrasco perdoa,
dizendo que Jesus, também, por nós, morrera.

E tomba aquele herói que não receia a morte,
deixando a germinar, — semente pura e boa —
o sonho de fazer a Pátria livre e forte!



Liberdade
Vasco de Castro Lima

Não se pode esquecer o fim da escravatura!
... O ideal da Abolição. A propaganda, a imprensa.
A luta generosa, ungida de bravura,
a nau sem rumo certo, inflada de descrença.

Castro Alves, Luiz Gama... O povo, com ternura
e com fé, cimentando a força de uma crença.
Nabuco... O Imperador, sensível à amargura
de um brioso país que é livre de nascença.

Patrocínio — alma pura e branca e sonhadora —
no auge da gratidão, na embriaguez da alegria,
de joelhos,  a beijar os pés da “Redentora”...

Um sonho que se torna excelsa realidade!
— É assim que nasce a paz e morre a tirania,
é assim que rola um trono e vence a Liberdade!



O Patriarca da Independência
Vasco de Castro Lima

Andrada, um semideus de prélios incruentos,
por instantes ganhou as dimensões do mundo.
Não foi um sonhador de sonhos turbulentos,
dentro da lucidez de seu ideal profundo.

Ativo semeador de audazes argumentos,
trabalhando a semente em terreno fecundo,
dominou, com seu verbo, a voz dos parlamentos,
o Príncipe hesitante, o inimigo iracundo.

Pregou — guia e mentor da heróica Independência —
com a proteção, talvez, da sábia Providência,
o credo nacional de uma forte Unidade.

E cravou, descerrando o véu de um mundo novo,
nas terras do Brasil, no coração do povo,
a bandeira de luz da nossa Liberdade!



Pátria
Vasco de Castro Lima

Pátria, se creio em ti, não é pela beleza
do infinito lençol de tuas verdes matas,
ou do céu que realça a tua Natureza,
do rio que despeja os lagos e as cascatas.

Não, Pátria, creio em ti, pela tua grandeza,
pelo humano calor que em teu peito recatas;
pela chama viril que mantém firme e acesa
a tua força ultriz sem medo e sem bravatas!

Creio em ti, porque creio, alucinadamente,
nos teus dias de guerra e paz cheios de glória,
no teu passado, em teu futuro, em teu presente!

Creio em ti, porque és grande e forte na humildade,
e tua vida e teu destino e tua história
têm como religião o amor à Liberdade!



O Sol da Liberdade
Vasco de Castro Lima

Forte, ousado, sublime, heróico e sobranceiro,
o Príncipe se ergueu, no topo da colina,
e gritou, despertando o povo brasileiro:
— “Tu és livre, afinal, bela Pátria-menina!”

E mais firme: — “Serei teu bravo timoneiro,
é teu meu coração, teu porvir me fascina!
Por ti farei a paz; serei, por ti, guerreiro;
teremos, lado a lado, a proteção divina!”

Sobranceira, sublime, ousada, heróica e forte,
uma chama subiu: — “Independência ou Morte!” —
incendiando os confins da própria eternidade...
...............................................................................
No alto, sereno, envolto em cores luminosas,
como florindo em meio a um turbilhão de rosas,
sorria, imenso e rubro, o Sol da liberdade...



Maria Quitéria
Vasco de Castro Lima

Empolgava a Bahia o ideal separatista!
Assim, moços, anciãos, homens de toda idade,
decidiram manter a intrépida conquista
que plantou, no Ipiranga, o altar da Liberdade.

Surgiu, então, a figura benquista
de Maria Quitéria, um sol de heroicidade.
Comandou, com denodo, um batalhão altruísta
de mulheres, mostrando audácia e dignidade.

Foi grande do seu valor e maior seu orgulho,
quando, firme, deteve as tropas portuguesas,
prelibando a vitória e a paz de Dois de Julho.

Na história do Brasil, mão há mulher que marque
o amor ao seu país com chamas tão acesas:
foi Maria Quitéria a nossa Joana D’Arc!



                                  




          I


O Criador
Vasco de Castro Lima

No princípio era a selva em sua atroz rudeza,
a água que estrondejava em louca sinfonia
e o tenebroso céu coberto de tristeza,
formando, na Amazônia, a excelsa trilogia!

Então foi feita a luz! Rodeado de beleza,
viveu o mundo agreste o seu primeiro dia!
nos fulgores do sol banhou-se a Natureza
e o clarão do luar deu asas à Poesia!

Deus disse: — “Fiz o céu, a luz, a água, a floresta;
os animais, a planta, o rio, o mar, a cor,
harmonias nascendo em vibrações de festa...”

E, alegre, arrematou, com seu largo sorriso:
— “Vou sublimar, agora, o verbo criador,
criando neste solo o Térreo Paraíso!”



          II

O Paraíso Terrestre
Vasco de Castro Lima

Foi assim que surgiu o autêntico Eldorado!
Deus — o Poeta — compôs o canto do Universo,
pondo gotas de mel na flor de cada verso
e um “sol” na pauta azul do céu iluminado!

Em todo o Paraíso, então ficou disperso
o caos tomando forma: os arbustos no prado,
as árvores pompeando o fruto sazonado,
os rios na planície, o ouro virgem submerso...

Fez o homem, depois, à sua própria imagem,
a fim de dominar a todos os viventes,
desde as aves do espaço à fera mais selvagem.

E formou a mulher. Disse aos dois: — “Sujeitai-vos
aos trabalhos sem conta e às fadigas ingentes!
A terra é o vosso pão! Crescei, multiplicai-vos!”



          III

Alma da Terra
Vasco de Castro Lima

A alma da Terra é aqui!  Deus contempla os rubores
do incêndio no horizonte... O lago sonolento...
Olha a vitória-régia, a orquídea, as outras flores,
rimas da magistral canção do firmamento...

E vê a terra verde e os vírides verdores,
o símio, a onça, o peixe, o sáurio turbulento...
E os rios marulhando, as aves multicores,
borboletas em flor, — flores soltas ao vento.

Sanhaçus na ramada, em fátuas algazarras;
o papagaio astuto, inquieto e tagarela;
ranger de coqueirais, chirriadas de cigarras...

Deus olha, distraído, além do bosque, os campos.
E, enquanto a noite vem, tremeluz, amarela,
— lindo pálio de luz — a luz dos pirilampos...



          IV

O Homem
Vasco de Castro Lima

O homem hesitou. Sem guia e sem roteiros,
começou a vaguear, ao sol e às noites claras.
Era o maué caçando; os íncolas guerreiros;
o humilde pescador das águas marajoaras.

No Acre majestosos, os bravos seringueiros;
os juteiros na várzea; os migrantes paroaras.
Na Rondônia avernal, teimosos garimpeiros
esquadrinhando o chão e escavando as grupiaras.

Era o homem plantado à beira da corrente,
ingênuo, fatalista, heróico e pequenino,
enfrentando a penúria, a solidão, a enchente.

Esmagava-o a selva — o monstro da pujança!
... E um dia, abandonado ao seu próprio destino,
já não sonhava mais... Faltava-lhe a esperança...



        V

Lendas e Mitos
Vasco de Castro Lima

O caboclo se assusta e, por vezes, nem dorme,
cercado de um sem-fim de lendas e de mitos:
— Boiúna, a cobra-preta, a bruxa multiforme,
que, transmudada, assombra os corações aflitos...

O Curupira inquieto, o Caapora enorme,
que rondam, dia e noite, os campos infinitos...
O Matintaperera... O Boitatá disforme...
O Acauã que combate e engole a serpe, aos gritos...

Verdes Muiraquitãs de pedras encantadas...
Amazonas guerreando, em doidas cavalgadas...
Cavernas escondendo esplêndido tesouro...

A Iara, nua, em pé, no trono da canoa,
mirando-se, a sorrir, no espelho da lagoa,
e esparramando ao vento os seus cabelos de ouro...



       VI

O Pioneiro
Vasco de Castro Lima

Palmilhando o sertão, em marchas estupendas,
o “invasor” se julgava um novo Dom Quixote!
Sulcava o “inferno verde” enflorado de lendas,
atento ao índio destro e à cobra que arma o bote.

Audaz aventureiro — abria longas sendas,
carregando a mochila, a espingarda, o serrote.
E— cientista  — varava as solidões tremendas
de dia, à luz do sol, de noite, à luz do archote.

Cavaleiro do Ideal, ardente visionário,
não podia alcançar o sonho temerário,
que se ocultava além dos célicos fulgores.

À catedral da mata, impávido, corria,
e, de alma iluminada, olhos no alto, acendia
as velas da ilusão no altar dos sonhadores!



     VII

Colonização Primitiva
Vasco de Castro Lima

Apesar do fascínio e da alucinação,
do ciclo da borracha — a história de um fracasso —
houve esforços reais de colonização,
para unir o Brasil num grande e único abraço.

O surto precursor da civilização,
às vezes, avançava, em vagaroso passo.
Ao canto do sabiá, na verde imensidão,
foi somar-se o rumor dos aviões no espaço.

Pombal... Mauá... Rondon... Homens que foram astros
de um passado imortal! Dos seus marcantes rastros
jorravam profusões de luz, de amor, e vida.

Esses bravos heróis, pioneiros do progresso,
não puderam sentir as galas do sucesso,
mas viram longe... longe... a Terra Prometida!



    VIII

Convite
Vasco de Castro Lima

Eu sei onde é, patrício, a Hiléia portentosa!
Já vi o uirapuru, quando as aves e as feras
se queda a escutá-lo... E a gleba generosa,
que é canção verde-anil, desde remotas eras!

Já vi o Rio-Mar, a fauna esplendorosa,
a flora multicor de eternas Primaveras...
A pororoca, a enchente, a palma buliçosa,
a bravura e o terror morando nas taperas!

Vi a terra-caída, o tumultuar das águas,
vi o sol despejando o seu vulcão de fráguas,
flores humanizando a selva bruta e hostil!

Sei que a Hiléia nos chama... e é tempo de o saberdes!
Rumemos ao floral País das Pedras Verdes,
vamos dar vida e glória aos sonhos do Brasil! 



     IX

O Futuro
Vasco de Castro Lima

Dormem, no solo bruto, interminável sono,
o ouro, o ferro, o diamante, o manganês, o cobre.
Pisando na riqueza, aquela gente é pobre,
e, apesar de ser sua, a terra não tem dono.

O vasto Rio-Mar, que tanta força encobre,
e a selva, que alardeia a cor verde do Outono,
se eternizam, também, no mais triste abandono,
cansados de esperar em seu cenário nobre.

Mas, mercê de uma brava estirpe de gigantes,
rebanhos crescerão nas plagas verdejantes,
chaminés subirão cobrindo as seringueiras.

A fé, a invicta fé que removeu montanhas,
vai rasgar, revolver as lúridas entranhas
do augusto Pindorama — o País das Palmeiras!



     X

Os Rios, “Estradas Que Marcham”
Vasco de Castro Lima

Para o pobre caboclo, o rio é a agricultura,
é o transporte, a riqueza, o poder soberano;
é abundância, esplendor, mensagem de ventura,
a messe, a irrigação, o peixe cotidiano.

Na Amazônia, o relógio é a água que murmura!
Marca a hora, a semana, e marca o mês e o ano,
mas registra, também, a escassez e a fartura,
a tristeza e a alegria, o sonho e o desengano...

... E a inundação... Sem esta, o roçado não brota!
E sem o igarité, sem a ubá e a galeota,
seria a vida um rol de tormentos sombrios.

O trapiche, o galpão, a vila, os sítios rudes
nascem, morrem, sofrendo à beira dos taludes,
presos ao fatalismo e à vocação dos rios!



     XI

As Estradas
Vasco de Castro Lima

... Entretanto, o caudal, nas lentas caminhadas,
não consegue, sozinho, a mira salvadora.
Ao seu redor, terão de irromper as estradas,
cortando o espesso véu da mata sedutora.

O rio foi vital, em épocas passadas,
por sua secular função transportadora.
Mas, a faixa louçã das vias asfaltadas
dará mais entusiasmo à fase criadora.

Ajudará a posse e o desenvolvimento
da tórrida região, vencendo o desafio
que lança o mundo verde, intérmino e opulento.

Do desejo viril do povo brasileiro
começam a surgir, cruzando a brenha e o rio,
estradas que encherão de espanto o mundo inteiro!



     XII

A Transamazônica
Vasco de Castro Lima

A magna solução não pode ser platônica!
Revivem, no presente, os pioneiros da Idéia.
Hoje, para romper a selva babilônica,
levanta-se a Nação no rumo da epopeia!

Profanando a mudez da planura aluviônica,
rosna o ativo trator a dura melopéia.
É o ímpeto a marchar pela Transamazônica,
é o Brasil conquistando a misteriosa Hiléia!

Para a hercúlea batalha a se travar no Norte,
correm homens do Sul, homens de crença forte,
e correm do Nordeste os irmãos retirantes.

Jato de sangue azul no terreno imaturo,
é a estrada que nos leva aos dias do futuro,
é o caminho real dos novos bandeirantes!



     XIII

A Diretriz
Vasco de Castro Lima

A estrada, qual se fosse uma boiúna imensa,
invade o mataréu. As árvores derruba.
Atravessa o Araguaia... Arrasa uma embaúba...
Vadeia igarapés... Prossegue a rota extensa...

Marabá, Jatobal... Em meio à mata densa,
uma juçara espreita e solta a verde juba...
Altamira, Xingu... Tubarão, Itaituba...
O bravo Tapajós, um bravo de nascença...

E Jacareacanga... E Humaitá! É o termo!
... Na longa diretriz, como luzes no ermo,
medrarão arraiais, escolas, povoações...

E a estrada há de fruir momentos de grandeza,
porque transformará em próxima certeza
o que é hoje esperança em nossos corações!



     XIV

Apoteose
Vasco de Castro Lima

Uma nuvem bizarra, envolta em claridade,
desce, estendendo, ao chão, seus rútilos perfis,
e semelha a visão de uma enorme cidade,
toda tecida de ouro e ornada a rubis.

É uma miragem? Não! É a luminosidade
de uma estranha região, esplêndida e feliz.
É um sonho que se faz soberba realidade,
um grandioso país dentro de outro país.

É a futura Amazônia! É a Bela Adormecida
que, alegre, despertou do seu eterno sono,
para viver de novo o alvorecer da vida;

e para recolher, no perpassar das eras,
os frutos do mais longo e esplendoroso Outono,
as flores da mais linda e azul das Primaveras!











“Trabalho magnífico!
O autor deve preocupar-se com a sua 
publicação imediata, porque terá feito
um grande serviço às letras nacionais.”

                 Rio, 26.03.77
                 Cândido Jucá (filho)
                (Presidente da Academia Brasileira de Filologia)



(....)
“Por tudo isso e por fazer da pena a enternecida semeadora de pensamentos, de idéias e de harmonias infinitas, Vasco de Castro Lima se alteia, hoje, como um dos grandes nomes da literatura brasileira. A sua pena é lira e é escopro. Vibra e cinzela. Todas as melodias da verdade e da beleza cantam e lampejam nessa abençoada pena, que se embebe nas tintas da arte e na luz inapagável da crítica construtiva. Toda a história fabulosa do Soneto, nos seus mistérios líricos e eternos, escorre dessa pena fulgurante que, graças à sacralidade do tema, escreve o evangelho do Sonho e da Poesia, pondo na sensibilidade dos leitores um sentimento de doçura estranha.”  
                                        Rangel Coelho, Prefaciador a O Mundo Maravilhoso do Soneto                                                                                                            Rio, 11-06-82


“O soneto é um milagre de engenho poético”.
                                       Mello Nóbrega

“O soneto está em todas as literaturas e,
desde o século XIII, resiste a todas as
revoluções. Não há, a rigor, grande poeta 
que não tenha sonetado. (....) O soneto é,
a bem dizer, a carta de identidade de um poeta”.
                                      Otto Lara Resende

“Tudo depende de terem algo de novo para
dizer. E se esse “novo” se formaliza, se
concretiza no soneto, não há por que fugir
da evidência e procurar um sucedâneo falso
e inadequado. (....) O soneto, universo
fechado como um ovo, prestar-se-ia bem
para esse reencontro, graças ainda à sua
congênita aliança com a música.”
                                    Massaud Moisés

“Quando um soneto está pronto, isto
significa que uma série de complexas
operações mentais ocorreram, conseguindo
o homem, de uma coisa frágil e ilusória
como a palavra, um objeto que resiste
à inteligência, à cultura e ao tédio do
leitor. Essa peça bem acabada se incorpora
à vida de algumas pessoas. A glória de um
soneto é ser inesgotável.”
                                  Paulo Mendes Campos

“O sonêto pode ser, quando muito, um
“animal bravio” que um bom domador, realmente
poeta, pode perfeitamente “domesticar”. Basta
que se tenha longa e íntima convivência com
as suas normas.”
                                Gonçalves Crespo

“Síntese harmoniosa da quadra, estrofe popular,
e do terceto, estrofe culta, forma que lembra, em
suas duas quadras e seus dois tercetos, a estrutura do
coração humanoi com as suas duas aurículas e os seus
dois ventrículos, o soneto é, nos grandes modelos, uma
forma eminentemente subjetiva.”  
                              Manuel Bandeira

“Para muitos, o soneto é inibidor, mas
 eu acho que é a prova de fogo do poeta.
 Para mim, ele é um momento de amor, 
com seus dois quartetos, dois tercetos e 
a chave de ouro, que é o grande êxtase.”
                             Paulo Bonfim
                   (Príncipe dos Poetas do Brasil)


“A arte de fazer sonetos pode ser comparada
 à arte de enfiar pérolas.”
                            Rosemonde Gérard

“A quem o sabe compor, o soneto é um
quadro pequeno, sim, onde se podem 
conter, porém, concepções imensas. Tem
as limitações do quadrilátero de uma
janela — que se abre para o infinito
dos horizontes”
                          Heli Menegale

“As escolas passam. O soneto fica (....)
E, em torno das velhas quatorze barras
petrarquianas, em que há sete séculos
tantos ginastas têm feito as suas acrobacias,
ia travar-se, não digo uma batalha, mas uma
estranha e original reconciliação.” (Referia-se
à evolução do modernismo.) 
                         Alceu Amoroso Lima

“Gemem e gritam as mães para que
os filhos nasçam; e os filhos choram
ao nascer; mas continua sempre a
haver mães e a haver filhos. Os sonetos
são filhos da dificuldade. Podemos, pois,
concordar que, por isso mesmo, não
é fácil morrerem.”
                      Agostinho de Campos


“Quando o cataclisma universal, previsto
pela termodinâmica, puser fim a todas as 
coisas, alguém estará presente ao espetáculo
dantesco. Será um poeta. E, com um facho
 — o Soneto — iluminará as ruínas.”        
                       Padre Jorge O’Grady de Paiva






                                                               AGRADECIMENTO

O Blogue Expressão Mulher-EM muito agradece à Sra. Maria Alves Lopes de Castro Lima e ao Sr. Juarez Antônio Alves de Castro Lima, respectivamente mulher e filho do poeta Vasco de Castro Lima, a gentileza da sua autorização para que fosse amplamente divulgada a obra de tão expressivo poeta das letras brasileiras.

          O carinho eterno do Blogue EM.
          Rio de Janeiro/RJ, 30 de outubro de 2013.  
                                                                                                                                         


                                                                    
       


6 comentários:

  1. "Depois da Chuva", que belo poema e que belas expressões bem brasileiras! Infelizmente ainda não havia lido nada sobre Vasco de Castro Lima, mas já descobri que ele escrevia com a essência do que gosto de ler. É preciso abrir a alma e deixar os versos de Vasco entrarem, porque sua delicadeza é tão aprimorada na escrita que sua alma certamente espera ser chamada. Eu chamo Vasco, eu clamo por Vasco. Adorando seus poemas, parabenizo Ilka e Regina Coeli pela seleção que nos trouxe este poeta.
    Carinhos da Èmily.

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  2. Nem sei se hoje agradeço a Deus pela minha visão,se beijo duas amigas que me proporcionaram a leitura destas maravilhas ou se bendigo a veia poética de Vasco de Castro Lima. Duas horas de enlevo e ainda estou na metade. O que posso dizer de Vasco? Talvez uma cigarra cujo canto inebria e consegue desviar a atenção de tudo o mais para um mergulhar febril no espaço entre chão e céu sem encontrar barreiras. Muito particularmente, acho que Vasco conseguiu versejar unindo o mais puro da sensibilidade feminina ao mais preciso olhar masculino, donde resultaram poesias que prendem, que envolvem e nos proporcionam momentos de prazer incomparáveis.De onde estiver, Vasco, receba toda a minha admiração e todo o meu respeito. Cleide

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  3. Preciso dizer o quanto me impressionou a decoração da sala onde Pessoa recebe Vasco de Castro Lima. O EM tem dessas coisas, ele cria tão bem o ambiente que nos sentimos dentro dele, grande parte dele. Teve momentos em que me senti sentada com Pessoa interrogando-os sobre "Eu tive um sonho". Depois me vi sentada com Vasco sem formalidades, porque sua simplicidade me cativou. Falamos muito sobre seu poema "Ultima Viagem", além de tê-lo aplaudido muito pelos versos dedicados à Florbela, queria que fossem a mim, amei cada um deles!
    Vasco é poeta que fica pra toda vida, é poeta sem pose de poeta; é gente que não morre, porque a gente não deixa morrer!
    Adorei estar em sonhos sentindo Vasco declamar!
    Que Deus abençoe sempre a sua família generosa que soube compartilhá-lo com o leitor.
    Ao Expressão mulher, meus aplausos pela maravilhosa escolha.

    Soraya Rangel

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  4. Vasco de Castro Lima, cara poeta, sabendo que estás hoje entre as estrelas mais bonitas, permita-me pedir-te emprestado o poema História Antiga para homenagear aquela que me criou em colo esplêndido, que me contava as histórias mais bonitas e através delas... era uma vez... fui percebendo que cada vez eu deveria me tornar mais modesta, mas digna da vida que ela traçava pra mim. Obrigada, Vó Olívia; obrigada Vasco de Castro Lima!

    Emocionada, abraço também Ilka e Regina que acendeu um luz muito bonita no Expressão Mulher com a revelação de Vasco de Castro Lima.

    Bjus,
    Raquel Nonatto

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  5. Meninas, Ilka e Regina, quanta gente boa numa única atualização. Estou aqui passando momentos inesquecíveis, os quais alimentam o meu coração, que emocionado agradece as duas queridas por nos proporcionarem este espaço cultural e poético.
    Vasco de Castro Lima não poderia ser melhor eternizado do que aqui no EM.
    Parabéns meninas!
    Com o meu carinho e gratidão,
    Sandra

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  6. COMENTÁRIO ORIGINALMENTE PUBLICADO EM 12-01-2013

    Meu querido tio, irmão mais velho e pai da minha mãe. Poeta maravilhoso, tive a honra de ter poemas escritos para mim. Saudade do meu tio. em FERNANDO PESSOA recebe VASCO DE CASTRO LIMA

    Monica Davidovic
    em 12/01/14

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