ANTÓNIO BARROSO (Tiago) / 11º Poeta Convidado


 




                       

Ainda Mais
António Barroso (Tiago)                     
(A minha mulher Olívia)


Busquei, querido amor, lá nesses céus,
A luz que me dá vida, que me guia,
Busquei a sua origem, dia a dia,
Até que a encontrei nos olhos teus.


Ergui, bem alto, a voz, orei a Deus
E pedi-Lhe, repleto de alegria,
Que as emoções que, junto a ti, sentia,
Fossem, para sempre, os sonhos meus.


E se o amor me diz que a busca é finda,
Meu coração desperta em mil natais
Cada um brilhando em cor tão linda,


Que os nossos segredos serão iguais:
- Tu dizes que me queres mais ainda!
- Eu juro que te quero ainda mais!


Parede - Portugal



A Mulher
António Barroso (Tiago)


Quando, numa alma pura, amor se encerra,
É como ver brilhar um malmequer
Um corpo acetinado de mulher,
Como lema de paz em nossa terra.

E se um grande conflito não se encerra,
Mesmo co’o alarido que se fizer,
Usará tudo aquilo que puder
Para findar o flagelo duma guerra.

Mulher é meiga, amiga, uma doçura,
É um enorme poço de ternura
Com nascentes de linda poesia.

É filha, esposa, amante e mãe também,
Nos muitos nome que há, ela só tem
Um lindo e sagrado que é Maria.

Parede - Portugal




Amores de Verão
António Barroso (Tiago)  
                         
Tardes de estio do meu Alentejo
Com moças belas, na rua, passando,
Vagos olhares, rubor de desejo,
E no meu coração as ia guardando.


E iam, e vinham, se tinham ensejo,
E eu, mudo e quedo, amava-as, olhando
O ar furtivo que me atirava um beijo
Perdido nas pedras que iam pisando.


E na tarde morna, cálida, amena,
Nasciam amores cheios de pena
P’los que morriam no mesmo momento,


Ao ver as moças passando, maldosas,
Co’o lenço escondendo as faces de rosas
E risos enchendo o meu pensamento.


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Olhos de Alma
António Barroso (Tiago)  
                      
(Dedicado  a uma  senhora que não  conheço, 
mas que, com simpatia, elogiou meus versos)


Os lindos olhos que meus versos leram
E deles se agradaram, num momento,
Não sabem que outros tantos se esconderam
Rubros de prazer, num deslumbramento.


Foram olhos de alma que se ergueram
P´ra versos sem qualquer merecimento,
Com bondade, dos erros se esqueceram,
Porque só sabem ler com sentimento.


São versos meus, só meus, e não mereço
Que alguém, por eles mostre tanto apreço,
Se bem que lhes dê vida, sempre crente.


No fresco entardecer, gozando a calma,
Todo esse olhar que nasce dentro d´alma,
Não sabe censurar, apenas sente.


Parede - Portugal



Velha Menina
António Barroso (Tiago)
   
                              
Vi-te passar, sorrindo, descarada,
A cada um que contigo se cruzasse,
Tua boca era uma montra avermelhada
Pedindo um aluguer ou um trespasse.


E lembrei-te, menina, de mão dada,
Com as fitas da touca num enlace,
Ao seguires para a missa, bem corada,
Com caracóis voando em tua face.


Aproximei-me lenta, tristemente,
Não te lembraste, apenas um cliente,
Mais um a quem te entregares, vencida.


Olhei-te e não vi traços de esperança,
Já não vais à missa, como em criança,
Perdeste toda a fé, negaste a vida.


Parede - Portugal



Prova de Coragem
António Barroso (Tiago)
   

                                          
Ides ler, se tiverdes paciência,
Mal amanhada rima, mas sentida,
Da mocidade, uns laivos de inocência,
Depois, sonhos desfeitos duma vida.


E, se aos primeiros falta experiência,
Nos segundos a dor foi mais sofrida,
Que a juventude sente impaciência
E o ocaso da velhice, a fé perdida.


Não sei se terão beleza ou graça,
São só memórias do tempo que passa,
Recordações presentes, do passado.


São versos simples feitos para mim,
Mas se os conseguirem prender, no fim,
De todo o coração, digo: - Obrigado!


Parede - Portugal



Caridade
António Barroso (Tiago)
    


Num cofre de carinho tens, no peito,
Amor p’los infelizes deste mundo,
E os teus sorrisos são, sempre a preceito,
Consolo permanente e bem profundo.


Se as tuas mãos são rosas que, no leito
Da pobreza, vão confortar tão fundo,
Teu doce olhar transforma, com efeito,
Um mendigo errante em ser fecundo.


És meiga, caridosa, tão prestável,
Tão fresca, tão bondosa, tão amável,
Que me pergunto, ante esse porte nobre:


- Porque me não ofertas um sorriso,
Porque me não vês quando eu preciso,
E porque não te dás, se sou tão pobre?


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Retrato Incompleto
António Barroso (Tiago)
   
 
P´ra pintar o teu rosto em fina tela,
Roubei ao arco-íris as cores brilhantes;
Nos lábios pus romãs e, da aguarela,
Só pintei, nos teus olhos, diamantes.


Nas fúrias do mar busquei procela
Que me mostrasse vagas espumantes
P’ra, com outras cores, ter a mais bela
A pôr nos teus cabelos ondulantes.


Nos retoques finais dei, com firmeza,
Pinceladas de amor que lhe faltavam,
Com traços de emoção e de beleza,


Mas quebrei os pincéis que te pintavam,
Rasguei a tela, repleto de tristeza,
Por notar que teus olhos não me olhavam.


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A Fuga
António Barroso (Tiago)
  
                                    
Nesse passeio, pela vez primeira,
Quando te mostrei o trigo louro,
Logo foste arranjar arte e maneira
De o medir em cifrões. Um mau agouro!


Depois, nessa vivenda sobranceira
Ao jardim, na praceta do pelouro,
Toda essa matemática certeira
Só media a beleza em peso de ouro.


Ao te deixar em casa, ainda havia
Pairando, algumas leis de economia
A par dum capital em rendimento,
Ficaste, então, depois, surpreendida

Por eu não te beijar, na despedida.
Temi que também fosse investimento!


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Rosas em Verso
António Barroso (Tiago)
                             
Pena presa, nos dedos, firmemente,
Olhar, em ponto vago, concentrado,
Nas laudas de papel, à sua frente,
Um poema mal escrito, só esboçado.


Se o espírito adormece e fica ausente
Como, por mil duendes, embalado,
Por sonhos doutro mundo voa a mente,
Qual cavaleiro em seu corcel alado.


E se alguém se revolta, se ergue e clama,
Numa feroz censura, em voz que brama,
Na simplicidade dos seus afectos,


Só diz, abrindo a mão, erguendo o braço,
Como quem deita rosas do regaço:
- São meus versos, senhora, meus sonetos!


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Doce Visão
António Barroso (Tiago)
  
Contemplo o mar, ao longe, calmo e lindo,
Dum azul que não lembra tempestade,
Mar que é tão grande, um oceano infindo
Que leva e traz mensagens de saudade.


Beija as praias que as águas vão cobrindo
Das ondas mansas a espumar vaidade
Dum país onde o sol nasce sorrindo
Nas manhãs, ao romper da claridade.

As areias coloridas de dourados
Ocultam, de olhares, os namorados
Que ali se refugiam de quem passa,

Por isso, não me canso da cambraia
Das ondas que este mar rola na praia,
Este mar, este mar que nos abraça.


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O Motivo
António Barroso (Tiago)
  
                            
Se há, dentro de nós, um santuário
De tantas emoções que nos percorrem,
São esses sentimentos relicário
De que todos os poetas se socorrem.


À fantasia e ao sonho imaginário,
Dedico mil poemas que me ocorrem,
A uns dou vida, em forma de diário,
Outros vão passando e, assim, morrem.


Queres que te defina o belo, a vida,
O ar que me rodeia, a dor sentida,
A flor que brilha, o sonho que eu abraço!


São momentos fugazes que a alma abriga,
Por isso, não me peças que eu te diga
A quem dedico os versos qu’inda faço.


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A Quarta Dimensão
António Barroso (Tiago)
   
 
Subi, num raio de luz, ao firmamento,
Em busca duma estrela cintilante,
E julgando encontrá-la, por instante,
Segui no dorso, cavalgando o vento.


Quedei-me em Marte, num encantamento,
Passei, na Lua, tarde e de rompante,
Em Vénus, julguei ver a luz brilhante,
Em Saturno, chorei meu desalento.


Regressei triste, só, desiludido,
Supondo que o meu sonho era perdido
- A estrela em que pusera tanto gosto -


Mas olhei, em meu redor, e vi então,
Que a luz que procurei, com emoção,
Resplandecia toda no teu rosto.


Parede - Portugal


Sonho Distante
António Barroso (Tiago)
  
                       
Se o sonho é o desejo transformado
Em certezas que a vida não consente,
Quisera eu poder, mesmo acordado,
Sonhar a vida inteira, docemente.


Sonhar que, junto a ti, o mundo é lindo,
Que o amor que me juras é um hino,
Sonhar que, de mãos dadas, vamos indo
Caminhando, lado a lado, sem destino.


Se sonhar é tudo isto, eu não queria
Que pudesse acordar jamais um dia,
P’ra não perder, do sonho, esta ventura


De apertar-te, nos braços, com carinho,
Beijar-te os lábios rubros, de mansinho,
De afagar-te os cabelos, com ternura.


Parede - Portugal



Sorriso Triste
António Barroso (Tiago)


Sorri, sorri sempre, sem temor,
Inda que seja triste o teu sorriso,
Sorrindo, com ternura e com amor,
Dás um pouco de ti, quando é preciso.

Sorri pois, com meiguice e com calor,
Sorri ao aleijado, ao sem juízo,
Mesmo triste, sorri perante a dor
 Que em teu redor se forma, sem aviso.

Não sei que mais te diga, mas sorri,
 Se não p'ra alguém, ao menos, para ti,
 E que teu rosto mostre o teu sentir.

 Porque, neste mundo em que a dor existe,
 Mais triste do que o teu sorriso triste,
 É a tristeza de não saber sorrir.

 Parede - Portugal




Desejo Oculto
António Barroso (Tiago)
 
   
Quem dera ir p’ra donde já não venho,
Tivera eu, p’ra dar, o que não dou,
Quisera ter aquilo que não tenho,
Pudera eu ser aquele que não sou.


Rogara desejar o que desdenho,
Soubera não querer quem se afastou,
Tomara ter amor, com muito engenho,
P’ra repelir a dor que me restou.


E, então, toda a verdade esclarecia
O meu ser tão confuso, atribulado,
Sofrendo a cada instante, dia a dia,


E o pensamento triste, ora animado,
Seria eterna fonte de alegria
Porque amar de mais não é pecado.


Parede - Portugal



A Estátua 
António Barroso (Tiago)
  
                                
O general de bronze, austero e rude,
Altivo em cavalo de porte e raça,
Traz-me à lembrança a nossa juventude
No bucolismo antigo dessa praça.


A esverdeada patine tinha a traça
Dos pombos que poisavam, amiúde,
Enchendo o ar dum esvoaçar de graça

Como símbolos da paz e da virtude.


Sentados nos degraus do pedestal,
Naquele dia longo e soalheiro,
Olhos nos olhos, num quente desejo,


Recordo que, esquecendo o cavaleiro,
Foi à sombra desse velho general
Que ousámos trocar o primeiro beijo.


Parede - Portugal



O Jardim
António Barroso (Tiago)
  
                                
Era um palácio com jardins cuidados,
Árvores frondosas de sombra amena
Vestiam, com seus ramos, namorados
Que, ali, buscavam a ventura plena.


Os silêncios só eram perturbados
P’los sinos que chamavam à novena,
Ou por outros companheiros alados,
No alto dos ramos, copiando a cena.


E nessa languidez de tarde quente,
Soltando suspiros de amor ardente,
Recordas-te, amor, de tanta emoção


Quando, em longos beijos sensuais,
Teu corpo me pedia sempre mais
Com teu seio anichado em minha mão?


Parede - Portugal



Flor Esquecida
António Barroso (Tiago)

                          
Floriu a primavera numa rosa,
Mas o Inverno ficou, com a lembrança
Da mão pedindo a esmola caridosa
Que já não mata a fome da criança.

E a flor que vai crescendo, tão formosa,
Lembrando verões quentes de esperança,
Esquece, longe, a guerra impiedosa
E, perto, aquela paz que não se alcança.

As pétalas já luzem sob o sol
De cada madrugada, ao arrebol,
Cansadas da mudez da longa espera.

Se os homens não se entendem nesta terra,
A rosa fica murcha porque a guerra
Não a deixa florir na primavera.


Parede - Portugal


 
Nunca Mais 
António Barroso (Tiago)
                                
Não quero mais amar, já não te quero.
Não te desejo mais, já não desejo.
Esperar o teu amor, já não espero.
Beijar a tua boca, eu já não beijo.


Sentir o teu calor, eu já não sinto.
Eu não te chamo mais, já não te chamo.
Mentir-te, com verdade, já não minto.
Desisto de te amar, já não te amo.


Não te pretendo mais, eu não pretendo.
Se me prendi demais, já não me prendo.
Corri, atrás de ti, mas já não corro.


Não preciso mais de ti, eu não preciso.
Já não quero sorrir, nem teu sorriso,
E se já, por ti, morri, ainda morro.


Parede - Portugal



Constrangimento
António Barroso (Tiago)
                           
Numa roda de amigos se brincava
Com o signo dos anos dos presentes,
E tu disseste, quando se indagava:
- Eu sou virgem! – Palavras inocentes!


Anos mais tarde, um grupo se formava
Em teu redor. Talvez maledicentes,
As mesmas questões. Tua voz soava:
- Sou virgem! – No tom de quando mentes.


Nesse tom carregado de ironia,
Eu vi quanta tristeza nele havia
Por promessas quebradas, é verdade,


Num passado repleto de ventura,
E confesso que, ao ver essa amargura,
Me senti um criminoso em liberdade.


Parede - Portugal



A Flor Encarnada
António Barroso (Tiago)
                            
Que será feito da flor encarnada
Que sempre nascia, na primavera,
Junto ao muro do ribeiro, colada?
Era sonho?... Ilusão?... Era quimera?...


Olho, agora, o muro, e não vejo nada.
Será mesmo que a flor se regenera?
E com a alma tremendo, angustiada,
Abro o coração e fico à espera.


E mais um dia passa sem saber
Se inda irá brotar, se inda irá crescer
Nesse lugar agreste, mas risonho.


E como água correndo no ribeiro
Abarco toda a cena, por inteiro,
Esperando acordar deste meu sonho.


Parede - Portugal



Amigos
António Barroso (Tiago)


Minha vida foi dura tempestade
Vencida no convés da solidão,
Nas vagas dum mar em convulsão,
Pela força do leme e da vontade.

E por todo o lado andei, na ansiedade
De almejada busca, duma ilusão
De achar, em porto calmo, meu irmão
Com velas enfunadas de amizade.

O mar, agora azul, tão espelhado,
Reflecte conselhos esperançado
Que siga na procura, sempre em frente.

Assim, passei dias procurando
Amigos que, por fim, fui encontrando
Tão tarde nesta vida e tão contente.

Parede - Portugal




O Regresso
António Barroso (Tiago)  
                                 
Qual fénix das cinzas renascida,
De novo, junto ao muro do ribeiro,
Eu vejo aquela flor que era perdida,
Brotar, surgir, viver nesse canteiro.


E, da janela, inquiro, de seguida:
- Minha amiga, onde foi teu paradeiro
Nesta longa espera que foi sentida
E me fez entristecer o ano inteiro?


E ela risonha, simples, mas vaidosa,
Respondeu, reluzindo a cor formosa:
- Amigo, não sei bem que se passou,


Não sei, porque dormi sono profundo
E vagueei, no tempo, pelo mundo,
Até que, ao acordar, Deus me chamou.


Parede - Portugal






               




Vila Viçosa, no Alentejo
António Barroso (Tiago)

Mais delicada e linda neste mundo?
A terra onde nascemos, tão formosa,
Que tem por seu nome Vila Viçosa
De igreja ao alto e com castelo ao fundo.


Quando se chega e se pára um segundo,
Se contemplam casas majestosas
Nas ruas perfumadas pelas rosas,
Há um prazer enorme e bem fecundo.


Por todo o lado, há paz, amenidade,
Há sossego, há amor, felicidade,
E ternura, tão simples, tão singela,


Que, nunca mais, alguém pode esquecer
A glória desta terra, por saber
Que em Vila Viçosa nasceu Florbela.


Parede - Portugal





Florbela, que prazer minha alma tem
Por saber que te encontras sempre bela,
Que vagueias, agora, como estrela,
Neste céu que é de todos, de ninguém.

Tomara eu ser um mago que contém
Poder p’ra te fazer a Cinderela,
Serias mais formosa, ainda, que ela,
Voltarias à terra, para alguém.


E essa tua tristeza acabaria,
Porque o amor buscarias, dia a dia,
E sempre, sempre de cabeça erguida.


E eu sonhei que isso vai acontecer
Para que nunca mais possas dizer:
- Eu sou a que, no mundo, anda perdida.


Parede - Portugal



Companhia
António Barroso (Tiago)
   
                       
Florbela, conterrânea, companheira,
Infeliz pelo tanto que te deste,
Regavas o amor, à tua beira,
Com lágrimas do muito que sofreste.


Pudera eu achar mágica maneira
De ter vivido o tempo em que viveste,
Seria dedicar-te alma parceira,
Confidente amiga que não tiveste.


E então, talvez o amor fosse alegria
Florescendo em jardim de fantasia
Com pétalas brilhando à luz da lua.


De mãos entrelaçadas, caminhando,
Terias sossegado, repousando
No conforto duma alma gémea tua.


Parede - Portugal





                  

Deixa, Bocage, que teus versos sejam
A musa inspiradora deste escrito,
Porque muito, de ti, já se tem dito,
Nem sempre com verdade, pois te invejam.


Permite, assim, que meus olhos te vejam
Como tu sempre foste, um ser proscrito
De quem ninguém ouve o clamor, o grito,
Ou as lágrimas que as faces te marejam.


Alimentaste amor por todo o lado,
Sempre de coração apaixonado,
Por Marília, Tirsália, por Arnia,


Ou ainda, por Filis, Nise, Anarda.
São tantas, tantas, que teu peito guarda,
Que não cabem na tua poesia.



Parede - Portugal





                 


A Raça
António Barroso (Tiago)


As tágides do Tejo, regressaram
Para cantar Camões e sua glória,
E trouxeram consigo, na memória,
Mares que os portugueses navegaram.

As musas, co’o poeta, edificaram
A epopeia que canta essa vitória
Dum povo que escreveu a sua história
Por terras tão distantes, a que ousaram.

Lusíadas que as musas, quais sereias,
Espalham pelas praias, nas areias,
As lendas que se contam nos serões,

Quando as ninfas acabam seus cantares,
O vento leva, a todos os lugares,
Esses feitos descritos por Camões.

Parede – Portugal (02/10/2013)







                                   
Nascimento
António Barroso (Tiago)
    
Surge o poema
se a folha se agita
na árvore, defronte da nossa janela.


Surge o poema
se a criança que grita,
com fome e descalça, na rua gelada,
olha p´ra tudo, com olhos de nada,
e sente que o nada, o nada é só dela.


Surge o poema
se a luz do luar
ilumina o par, no banco da praça.


Surge o poema 
se o sol, a brilhar,
doura a seara, ondulando ao vento.


Surge o poema
quando o pensamento
se queda na ave que voa e que passa.


Surge o poema
quando, na alma,
há paz e sossego, existe esperança.


Surge o poema
se o mar, com calma,
se vai desfazer na areia da praia,
ou quando a moça, de rodada saia,
baila sozinha uma estranha dança.


Surge o poema
se o ar matinal
é fresco e suave, com cheiro a flores.


Surge o poema
se, no roseiral,
se ouvem cânticos todos os dias.


Surge o poema
se as melodias
tecem momentos repletos de amores.


Surge o poema
ao calor da chama
dos anos da vida, num bolo caseiro,
mas todo o poema é mais verdadeiro
quando o amor descobre os sabores.


Surge o poema
quando se ama.

Parede - Portugal



Relações    
António Barroso (Tiago)
   
Pai
Conta-me uma simples história
Para eu adormecer;
Olha, uma daquelas
Tão lindas, tão belas,
Que eu reterei na memória
Até a manhã nascer;
Promete, pai, promete.


Meu filho,
Não tenho tempo.


Ando com um trabalho na net
Que requer muita atenção,
E eu preciso disso
Para que, no meu serviço,
Possa ter uma promoção.


Pai,
E aquele brinquedo
Que te pedi, muito a medo,
Com receio de recusares?


Meu filho,
Não tenho tempo,


Quanto mais tu me atrasares
Mais me esqueço de to dar.
Tu que tens o tempo inteiro,
Toma lá este dinheiro
E vai, com alguém, comprar.


Pai,
Preciso muito de ti,
Um instante, um só bocado,
Para me ensinares,
Ou explicares
Aquilo que eu não percebi
Dum novo tema.


Meu filho,
Não tenho tempo.


Gostaria de estar contigo,
Tu sabes e eu também sei,
Mas combinei
Com um amigo
Irmos hoje ao cinema.
Fica, então, para depois.


Pai,
E no próximo fim de semana?
Pensei que talvez…
Pudéssemos ficar os dois
A conversar… jogar xadrez… 
 
Meu filho,
Não tenho tempo.

Estes dias são de praia
E temos de aproveitar
Que o tempo já consente.
Preciso correr, nadar,
Antes que a chuva caia
E o stress aumente.


Pai,
Sabes, no próximo feriado,
Se não estiveres cansado,
Queria a tua opinião
Sobre uma certa questão
Que me traz angustiado


Meu filho,
Não tenho tempo,


É mesmo nesse dia
Que eu tenho uma conferência
Marcada com antecedência,
E, na verdade,
Não imaginava, não sabia
Que havia na tua vida,
Uma situação desconhecida,
Com tal ansiedade.


Pai
Não sei se vais à reunião
Dos professores, no liceu.
Os outros pais sempre vão
E nunca dizem que não…
Sozinho fico só eu!...

Meu filho,
Não tenho tempo


Tens de perceber,
Com a agenda carregada
Eu tenho mais que fazer
Que aturar os outros pais.
E para além de tudo o mais,
Aquilo dá sempre em nada.


Pai,
Dizem-me que, para crescer,
Eu terei de frequentar
Toda a discoteca ou bar
E, para esquecer,
Não ter medo de beber.
Será verdade, meu pai?


Meu filho,
Não tenho tempo


Pensa no que é importante,
Tu já sabes discernir,
Se queres ir, pois vai,
Não precisas de pedir,
Mas não percas o sentido,
E como nada garante
Que o teu grupo não se atrasa,
Melhor é estares prevenido,
Levas a chave de casa.


Meu pai… meu pai…

Filho… meu filho…

Sei que precisas de mim
E eu vim logo que pude…
Mas não me olhes assim,
Teu olhar desilude.
Precisas de um amigo
Nesta hora de desgraça,
Não sei bem o que se passa,
Mas mesmo não tendo tempo,
Tu podes contar comigo
Sem censuras,
Cara a cara,
Sem alarde.


Pára… para…

Oh!... Meu pai…
Tu não tens tempo…
E agora… é tarde!…

Parede - Portugal



O Retorno 
António Barroso (Tiago)
            
Queria fazer um pequeno barco
De papel
E pô-lo a navegar num charco
Rodeado de flores.
Em seguida, com um fino pincel,
Surgido das ondas da fantasia,
Roubar ao arco-íris as cores
Com que o pintaria.


Ah! Se queria!

Um capacete de folhas de jornal
E uma espada de papelão,
Prateada,
Para, com a força da imaginação,
Não temer nada,
Ser um herói à escala nacional,
Uma lenda bravia.


Ah! Se queria   
         
Construir, com paciência, um avião
De madeira,
Com linhas belas e puras,
E depois, com a minha própria mão,
Como oferenda primeira
Elevá-lo às alturas
E deixá-lo, confiante,
Nesse ar tão quente e brilhante
Onde ele voaria.


Ah! Se queria!

Arranjar uma meia de senhora,
Daquelas que se deitam fora,
Enchê-la de trapos sem valor
E fazer uma pequena bola
Para exibir na escola,
Por entre os ares de cobiça,
Era o meu sonho maior,
Um sorriso de alegria.


Ah! Se queria!

Fechar os olhos, ir por todo o mundo,
Na calma e na bonança
Duma melodia,
Era o sublimar
Dum querer sem par,
Mas no fundo, no fundo,
O que eu mais queria
Era voltar a ser criança.


Ah! Se queria!

Parede - Portugal


Modos de Ver
António Barroso (Tiago)


Sim, confesso, sou um romântico.

Mas um romântico que não entende
Aquela poesia barata
Tão pobre, tão reles, tão banal,
Tão recheada de nada, tão abstracta,
Que apenas passa ou se vende
Com rótulo de intelectual,
Por entre o clamor de louvores
Forjados nos bastidores.


É que a verdadeira poesia
Alia o real à fantasia,
Mas deixa vogar a mente
Ao sabor dum sonho, dum impulso.
Não alinha, simplesmente,
Meras palavras avulso
Para que o leitor, desprevenido,
Numa obrigação singular,
Lhes tente dar um sentido
Que não consegue alcançar.


À falta de talento, medra a demagogia,
E grassa a mediocridade
Que, para além de deselegante,
É demasiado frustrante
Para quem gosta de poesia
E a pretende com verdade.


Nesta, tenta descrever-se o belo,
Aprende-se a apreciar
O mais suave tom da melodia,
No céu, o esvoaçar mais singelo,
A folha que se agita na corrente de ar,
O raiar do sol ao nascer do dia
E, à noite, o doce encanto do luar
Com o seu cortejo de estrelas.


Ah! Tantas, tantas coisas belas,
Tanta ilusão, tanto desejo,
Tanta palavra a definir um beijo
Que se manda, em pensamento,
Em sonho fugaz, passageiro,
Embalado pelo vento
Percorrendo o mundo inteiro.


Ao longe, já se ouve um cântico
De agradecimento e louvor
E que se escuta com amor.


Sem dúvida, sou um romântico!

Parede - Portugal



As Asas que Eu Te Pedi
António Barroso (Tiago)   
 
Aquelas asas que eu te pedi
Quando vim ao mundo, quando nasci,
Eram somente asas de busca da liberdade,
Que me permitissem subir ao firmamento
E seguir meus sonhos no dorso do vento,
Para descobrir a eternidade.


Aquelas asas que eu te pedi,
Que eu não soube usar e que perdi
No labirinto da vida e que, destarte,
Porque as fui mostrando a toda a gente,
Sem cautelas, precauções, sem ser prudente,
A inveja as foi roendo em toda a parte.


Aquelas asas que eu te pedi
E que, tão pouco, de tais asas me servi
No acervo de ilusões que ousei tomar,
São, agora, cotos pardos, macilentos,
Que não traduzem sonhos, nem sentimentos.
Aquelas asas que eu te pedi
De nada me serviram porque as não vivi.


Não me deixaram voar.

Parede - Portugal



As Janeiras                          
António Barroso (Tiago)
    
Vamos cantar as Janeiras, vamos cantar…
E, assim, de porta em porta, tradicionalmente,
Por tantos grupos dispersos, de lar em lar,
Por esse país fora, canta a nossa gente.


Mas no meu Alentejo, a tradição de outrora
Centrava-se em Janeiro, mais p’ro dia seis,
As vozes afinadas iam, ruas fora,
Dizendo poemas dos Cantares dos Reis.


Quase de casa em casa, o dono se invocava,
Com direito a bolo, tinto e salgadinho,
Depois a comitiva lá continuava
No cheiro que vinha da porta do vizinho.


Aqui era a morcela feita da matança
E o chouriço com tempero de pimentão
Com o pão de trigo, que ia enchendo a pança,
Num obrigado arroto de satisfação.


Os instrumentos musicais eram só três,
As vozes comandadas pelo Zé António
E o pote de barro roncando toda a vez
Que o Chico da Praça tocava no harmónio.


Mais além, e num terreiro desabrigado,
Iam-se buscando alguns ramos de oliveira
Para, então, se fazer um monte improvisado
Que aquecesse a alma ao calor duma fogueira.


Depois, o grupo recomeçava os cantares
Com lindos versos tirados da tradição,
Vozes lançavam acordes pelos ares,
P’las goelas ia escorrendo o garrafão.


E cantava-se ao Deus menino que surgia
Em cada coração envolto num sinal,
Que todas as canções e toda a melodia
Ainda estavam carregadas de Natal.


Todas as recordações são como os amantes
Que olvidam o passado e vivem cada hora,
E eu gostaria de voltar ao que era dantes,
Ao meu Alentejo das tradições de outrora.

Parede - Portugal



A Morte do Vício
António Barroso (Tiago)  

Fugiste
Por causa daquele meu acto reflexo
De fumar um cigarro
Depois de ter sexo.


Agora, voltas.
Dizes-te arrependida,
Que deixaste para trás uma vida
Que nunca esqueceste.
Repara como a vida é mesmo madrasta,
E tanto une como afasta.


Porém… tarde vieste…

Ao partires, quebraste um encanto
Impossível de recuperar,
É que, entretanto,
Deixei de fumar.

Parede - Portugal



Dor…Sofrida!     
António Barroso (Tiago)
    
É uma angústia
incontida, sem limites,
quando se ama e se vê sofrer;
é uma súplica impessoal, desesperada,
de transferência;
é um todo, um muito, um nada
que repare
o que o sentimento transforma em tudo;
fiapos de desespero
amontoados
em cofres abertos de culpas,
e desenganos,
e tecidos
com as grossas agulhas dos erros;
são olhares despertos
em círculos concêntricos perdidos na escuridão;
são miragens,
são pesadelos,
são mitos de passados esquecidos
e tornados presentes
pelo sabor do sal das lágrimas retidas
nos diques do esquecimento,
pelos anseios,
pelas esperanças
dum corolário de pensamentos dispersos;


desejos
de rodar os frágeis ponteiros do relógio
no sentido dum retorno
ao que já foi.


Quando se ama e se vê sofrer,
apenas se escuta o silêncio negro do espaço,
na mente estiolada de tristeza,
e o coração bate apressado.


Amar
e ver sofrer…
…é morrer devagarinho.

Parede - Portugal



Fases  
António Barroso (Tiago)
    
Se as recordações brilham como raios
de luar
na superfície do largo calmo,
há crianças empoleiradas
nas montanhas da aventura.


Se os sonhos cavalgam
no dorso do pensamento,
há sempre uma lágrima furtiva
que teima em recordar ilusões perdidas.


Se o minúsculo grão de areia
provoca ondas concêntricas na lisura 
da água,
há um adulto que recorda
sonhos de outrora


Se uma folha plana por sobre o banco  
do jardim,
levitando no entardecer de Outono,
há um velho que é tema
da aguarela da vida.

Parede - Portugal



Estrela Prisioneira
António Barroso (Tiago)
 
Tomei uma estrela
e aprisionei-a numa mão fechada.
Ela, chorosa,
fez sair uma ponta luminosa
e pediu-me, com humildade:
- Dá-me a liberdade
que, em troca, eu te darei
uma luz mais brilhante do que a minha.
Quando a libertei
daquele tormento,
ela, feliz e sorridente,
fez sair outra pontinha
e, nesse momento,
Colocou-te à minha frente.

Parede - Portugal



Inquietação
António Barroso (Tiago)
    
Estou inquieto.

A palavra amiga já me foge,
quebrou-se aquele pouco de magia
que a transformava em poesia.
Hoje,
já nem as recordações
me falam,
as flores me escondem as emoções
e todas as pétalas se calam.
A brisa, passeando na folhagem,
deixa a palavra para trás
e nada faz
para findar o silêncio da própria aragem,
ou que um só murmúrio permaneça.


Estou inquieto.

Inquieto porque não posso expressar
tudo o que possa entender
e que aconteça
em meu redor.


A estrela que tarda em aparecer,
e com quem eu falava, com amor,
agora, apenas pisca e fica muda,
e a palavra fica retida      
no silêncio do universo.
Assim, meu pobre verso,
tão sem jeito, sem medida,
já não tem a palavra como ajuda.
Vejo a ave voando, no jardim,
soltando, talvez, um pequeno gorjeio,
mas o seu canto não chega até mim,
pois, pelo meio,
a palavra esbarra num silêncio completo,
e eu tenho medo,
sendo, da palavra, tão amigo,
que ela parta, em segredo,
mais nada queira comigo.


Estou inquieto.

Parede - Portugal



Poesia Social
António Barroso (Tiago)
    
Sempre tive, para mim,
Que a poesia convencional
Poderia ser incluída
Na já tão conhecida
Escala social.


Ora, sendo assim,
Tomemos, por exemplo, o soneto,
O rei da poesia.


Peitilho branco, bem engomado,
Laço e casaco preto,                            
Com o à vontade, a cortesia
E a desenvoltura do predestinado,
Passeia-se pelos vastos salões,
Em festas ou reuniões
Para que foi convidado.
Com sua voz de tenor,
No silêncio, faz-se ouvir,
Versos que diz, com ardor,
Para, logo a seguir,
Rodopiar, no salão
Ao som duma valsa bela
E, terminada a sessão,
Com ousadia atrevida,
Beijar, numa despedida,
A mãozinha da donzela.


Tomemos agora a quintilha
Que, com a sextilha,
Sua prima muito chegada,
Fazem parte duma poesia
Que nada, mesmo nada,
Afasta da burguesia.
São cantares
Ditos por todo o lado,
Podem ser familiares,
Ou serem amigos do fado
E andar pela Mouraria.


Um verso de qualquer forma
Sem seguir uma regra ou norma,
Mas num poema sincero
De fé e honestidade,
Poderá ser, na verdade,
Uma pertença do clero.
Musicado
E, em conjunto, bem cantado,
É ladainha de refrão,
Ou então,
Agarrado por um decano
Que o queira trabalhar,
Poder-se ainda transformar
Num canto gregoriano.


Eis a quadra, finalmente,  
A mais plebeia poesia
Que tem sempre um cantar novo
E anda na boca do povo
Noite e dia.


Chamam-lhe a canção rasca
Porque anda de tasca em tasca,
Frequenta o bailarico,
É freguesa de arraiais
E nos vasos do manjerico,
Pode até ver-se demais.
A quadra a valer,
Apresenta-se tão afinada
Que tanto pode ser balada
Como canção de mal dizer,
E corrida, povo afora,
Na boca de toda a gente,
Também é, a qualquer hora,
A crítica ao dirigente.


Por tudo isto,
Não resisto
Em afirmar, afinal,
Que, como de início dizia,
Também tem a poesia
Uma escala social.

Parede - Portugal



Entardecer
António Barroso (Tiago)
    
Na penumbra, medito;
no silêncio, escuto;
na solidão, soluço.
Na penumbra abro os olhos ao pensamento,
no silêncio abro a alma à meditação,
na solidão abro o peito à saudade.
Na penumbra, enriqueço-me;
no silêncio, inquieto-me;
na solidão, entristeço-me.
Penumbra, silêncio, solidão,
e as palavras, como ecos repetidos,
são trazidas, pelo vento,
para semearem os caminhos
de folhas de Outono.
Penumbra,
silêncio,
solidão,
e um duro banco de madeira
numa igreja vazia.

Parede - Portugal



Pesquisa da Verdade
António Barroso (Tiago)
    
Para encontrar a verdade
eu andei por todo o mundo
como pária, sem abrigo,
e, de cidade em cidade,
em todo o lado busquei,
neste esmolar de mendigo,
aquilo que nunca achei.


Será que existe a verdade?

Nos salões, é raridade,
no pobre lar, uma lenda,
no governante, a legenda
duma promessa falhada.
A verdade é voz de mudo
que o surdo pretende ouvir.
Quando se pensa ser tudo,
que, em breve, será achada
aqui perto ou na lonjura,
no lugar que se procura
a verdade é sempre nada.


Agora, só, muito quedo,
já não procuro, em segredo,
a verdade que, nesta vida,
por se encontrar escondida,
dá razão à nossa voz,
porque a verdade, afinal,
para o bem e para o mal,
sempre está dentro de nós.

Parede - Portugal



Menino Sem Rosto
António Barroso (Tiago)
    
Pobre criança,
Sem uma réstia de esperança,
Roendo a côdea de pão,
Vai andando, sem destino,
E aquele ser pequenino
Não tira os olhos do chão.


É já tarde,
Não tem ninguém que o aguarde,
Que lhe dê sua afeição,
Arrasta cartões pela lama
Para ir fazer a cama,
Não tira os olhos do chão.


A montra
Onde o brinquedo se encontra,
Já não lhe prende a atenção,
Nem sente qualquer desgosto
Pela chuva que molha o rosto,
Não tira os olhos do chão.


Inocente,
Não sabe que está doente,
Tosse, tosse em convulsão,
E a febre que o faz tremer
Já não o pode aquecer,
Não tira os olhos do chão.


Num portal,
Estende folhas de jornal,
Enrola-se em papelão,
Não pensa em frio ou calor,
Só sente a falta de amor,
Não tira os olhos do chão.


Esgotado,
Sente o corpo a ser levado,
Já não teme o escuro de breu.
Jaz hirto ao raiar da aurora,
No lugar onde já mora,
Não tira os olhos do céu. 

Parede - Portugal



A Imagem
António Barroso (Tiago)
    
Não damos as mãos, na rua,
para mostrar nossa união.
não,
não damos.
Ficamos
no nosso canto, olhando, com ternura,
cada gesto, cada movimento,
cada sorriso,
como uma fotografia
que se coloca numa linda moldura,
forjada no pensamento.
E o dia
parece ter mais luz;
e a flor
que um toque feminino
ajeitou, com carinho, no vaso esguio,
chama e seduz
os que a olham, com amor.
Nesse local, não há calor nem há frio
pois, num abrigo
que é ninho
de simplicidade,
e de amor,
há sempre o cuidado, amigo,
duma capa de carinho,
dum beijo que é cobertor.
E quando a porta se passa,
haja sol e seja dia,
ou de noite, à luz da lua,
não,
não há nada que nos faça
mudar de opinião.
Para mostrar nossa união,
não damos as mãos na rua.

Parede - Portugal



O Cais
António Barroso (Tiago)
    
Havia, no fundo do cais,
um banco de madeira, apodrecido,
e um rolo de corda, desfiada.
Eram coisas tão banais,
que não representavam nada
aos olhos de quem passava, distraído.


Para mim, era o meu banco predilecto,
o meu recanto,
um lugar onde me ria,
numa eufórica alegria,
ou onde tentava esconder meu pranto.


Era o refúgio secreto
de tantos sonhos profundos
que me povoavam a mente
em fantasias coloridas de aguarelas.


Ali, o passado era sempre presente,
E eu partia nas velhas caravelas
Em busca de novos mundos.


Cada onda trazia uma nova canção,
uma outra melodia,
que escutava, com toda a emoção,
e que a gaivota logo reproduzia,
em monótona repetição,
pelos céus onde voava.


Para mim, naquele pedaço de areia
que a espuma debruava,
apenas havia a ilusão
do terno canto duma sereia.


Ao longe, quando a terra entra p’lo mar,
havia tonalidades sem fim,
como um jardim
dum arco-íris nascido
e, ao chegar do pôr do sol,
o solitário pescador
de camisa aos quadrados vermelhos,
ia puxando o anzol
que, há horas, lançava, a primor,
e começava a guardar os aparelhos.


Hoje, tudo faz parte do passado
e, quando se relembra a mocidade,
só há uma simples maneira
de minorar a saudade,
quando a alma se recorda
e caminha para aquele lugar.


E nunca seria tarde demais
se acaso inda existisse o banco de madeira,
e uma desfiada corda,
onde, nem sequer, há já cais.

Parede - Portugal



A Janela do Meu Quarto
António Barroso (Tiago)


Abro, no quarto, a janela,
De manhã, de madrugada,
Tenho uma vista tão bela,
Tão serena, tão singela,
Que a alma fica encantada.


E o sol desponta, defronte,
Numa luzinha travessa,
Por entre o verde do monte!
Na linha do horizonte,
Mais um dia se começa.


A brisa surge, teimosa,
Num breve correr, risonho,
Beija a erva, abraça a rosa,
Sopra a folhinha, ansiosa,
Entra na alma como um sonho.


Já há pombos arrulhando,
São dois à roda, no chão,
Ele a beleza mostrando,
Ela, vaidosa, acenando
Ora num sim, ora não.


Espalhei pelo lugar
Umas quantas vitualhas
Que os pardais, a saltitar,
Buscam fazer um manjar
Daquelas poucas migalhas.


E o gato, cheio de cobiça,
Perante tanto alvoroço,
Pensa, com certa preguiça,
Que nesta calma mortiça,
Já tem, à frente, o almoço.


As folhas das oliveiras
No quintal, à minha frente,
Viram-se ao sol, faceiras,
Abrem-se de mil maneiras,
Sorriem p’ra toda a gente.


Longos minutos me quedo
Nesta paz, neste torpor,
E se olho o mundo, sem medo,
É porque tenho um segredo
Guardado com muito amor.


Por isso, fica desta hora,
Olhos erguidos aos céus,
A certeza de que, agora,
Ao ver uma nova aurora
Eu digo obrigado a Deus.


Depois desta  comunhão,
É com saudade que parto,
Rezo uma última oração
E fecho, com lentidão,
A janela do meu quarto.



Parede – Portugal



Quando Voltares
António Barroso (Tiago)
    
Quando voltares
não sei se encontrarás alguém à espera,
ou então, se me encontrares,
seja noite ou seja dia,
seja Outono ou Primavera,
olha bem meus olhos, olhos tristes,
de cego profundo sem cão guia,
que já nem sabe bem se tu existes.
Quando voltares,
não tragas desculpas em farrapos
urdidas no desespero da solidão,
lança fora andrajos, rasga os trapos
que se enrolam no novelo
que te cobre o coração
feito de gelo.
Quando voltares
não rastejes, não supliques
para regressares
ungida dum falso arrependimento.
Eu nunca pedirei para que fiques
porque o amor que eu tinha, em demasia,
perdeu-se num minuto, num momento,
certo dia.
Quando voltares
não contes tua vida em tom de mágoa,
nem deixes cair a gota de água
dos teus olhos de mentira.
se tiveres coragem, se ousares,
é uma página da vida que se vira
nesse preciso momento, nessa hora.
se tu voltares,
vai-te embora.

Parede - Portugal



Última Vontade
António Barroso (Tiago)
    
Meu amor,
Quando eu morrer,
Lança as saudades ao mar
Mesmo que flutuem nas ondas do desgosto.


Se acaso acontecer,
Tenta tirar do rosto
As lágrimas que teimem em brotar.


Semeia de recordações
Os prados íntimos do teu sentimento.


Deixa-te guiar pelas emoções,
Que te forem trazidas pelo vento,
E se muitas forem as tuas mágoas,
Vai ao mar da saudade, bem cedinho,
E mergulha nas suas águas,
Que as ondas que te afastarem pesadelos,
São as minhas mãos afagando os teus cabelos, 
Com carinho.


Deixa fluir teus sonhos sem temor,
Sem qualquer remorso, sem pesar,
Por isso, meu amor,
Quando eu morrer,
Lança as saudades ao mar.

Parede - Portugal




                                                    


6 comentários:

  1. Prezado poeta António Barroso,
    aprecio muito a poesia que leva o leitor a se sentir dentro dela. Foi assim que me senti ao ler sua "INQUIETAÇÃO". Seus poemas são flores, desenham corações e aquecem como o sol. Parabéns, poeta!
    Abraço da Èmily

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  2. Realmente, o meu "quero mais" após a leitura da página de António Barroso com Fernando Pessoa fez sentido.O romantismo do poeta perfuma todos os seus versos. Lendo-o, senti-me como se estivesse diante de uma partitura. Seus versos soam melodiosos, pausados, requintados, com oscilações temperadas que nos levam à emoções ternas. Parabéns ao Poeta! Carinho sempre. Cleide

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  3. Fantásticos os versos livres de António Barroso - RELAÇÕES descreveu bem o que aconteceu comigo e minha mãe. Ela não teve tempo mesmo para nada, não teve tempo para me ouvir, para me olhar, para me ver já adulta e com tantas carências, acabou não tendo tempo de ser mãe e quando quis ser já era tarde pra ser. Não tenho vergonha de expor isso, pelo contrário, que sirva de exemplo para as mães e pais tão ocupados com o mundo e tão dispersos com o que construíram de valioso. Pra que filhos, se não há tempo e disposição para abraçá-los?
    Eu agradeço a António Barroso a apresentação desses seus fortes versos que me levam a ter cada vez mais certeza de conceber somente aquilo que posso nutrir de amor.
    Parabéns, grande poeta!
    Abraço da leitora,
    Soraya Rangel

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  4. Pra que dizer mais sobre António Barroso? O poema abaixo já retrata completamente sua grandeza poética. No entanto, li e reli toda a sua obra apontada pelo EM, porque é lamentável deixar seu retrato poético incompleto. António Barroso está sendo um dos poetas que maior carinho me desperta no Expressão Mulher. Vale sugar cada um dos seus versos e ir se deixando adoçar a alma.
    Raquel Nonatto

    Retrato Incompleto
    António Barroso (Tiago)

    P´ra pintar o teu rosto em fina tela,
    Roubei ao arco-íris as cores brilhantes;
    Nos lábios pus romãs e, da aguarela,
    Só pintei, nos teus olhos, diamantes.

    Nas fúrias do mar busquei procela
    Que me mostrasse vagas espumantes
    P’ra, com outras cores, ter a mais bela
    A pôr nos teus cabelos ondulantes.

    Nos retoques finais dei, com firmeza,
    Pinceladas de amor que lhe faltavam,
    Com traços de emoção e de beleza,

    Mas quebrei os pincéis que te pintavam,
    Rasguei a tela, repleto de tristeza,
    Por notar que teus olhos não me olhavam.

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  5. Aqui estou aplaudindo e agradecendo António Barroso pelos momentos de puro enlevo que me proporcionou com os seus poemas.Não saberia classificar um especificamente, mas "Menino Sem Rosto" calou fundo...
    Ilka e Regina, o que dizer mais a vocês duas a não ser agradecer, obrigada, muito obrigada!
    Com o meu carinho,
    Sandra

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  6. Humberto Rodrigues Neto17 de nov. de 2013, 16:48:00

    Seja na poesia clássica, seja naquela de versos soltos, António Barroso (Tiago) merece plenamente os inúmeros elogios com que o aplaude toda essa incontável legião de admiradores. Dotado de um estilo personalíssimo, discorre com extrema facilidade sobre os mais diversos temas, sejam sentimentais, históricos, políticos ou sociais, dom este que agrada sobremaneira a todos que, ricos ou pobres, crentes ou ateus, doutos ou iletrados, se disponham a uma vista d’olhos sobre os versos que compõe. No referente aos seus sonetos, não há como negar-lhes a qualidade do conteúdo e os finais agradavelmente inesperados com que o Barroso, como bom sonetista, os arremata. Nossos parabéns não só a ele pelo ingresso no “Expressão Mulher”, como também à Regina e à Ilka por lavrarem mais um tento com tão feliz e oportuna escolha.

    Humberto – Poeta
    São Paulo (SP)

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