CLEIDE CANTON































Coração de Mulher
Cleide Canton

Pulsa em mim coração hospitaleiro
sempre a ter um lugar de puro afeto
a quem vem para ser o predileto
e se mostra sincero, verdadeiro.

Num verão de calor fica repleto,
num inverno a despir-se é o derradeiro,
num outono a cantar é o seresteiro,
primavera outra vez ele é secreto.

Vive alerta, sofrida experiência,
transgressor, apesar dessa vivência,
chora e ri, madrugada ou sol a pino.

Coração de mulher nunca desiste
nem deixa de bater quando está triste.
Anda solto, liberto e peregrino.

Guerreira
Cleide Canton

Hás de ver tuas glórias ainda em vida.
Hás de ter essa paz tão almejada,
sem as marcas gritantes da ferida,
sem torturas da história ultrapassada.
  
Hás de ser o brilhante lapidado
com tal luz bloqueando dissabores,
que a força moverá o teu cajado
contra o mal causador das tuas dores.

Sentirás o sabor das alegrias
encoberto pelo mar das euforias
a dançar sob estrelas benfazejas.

Hás de ver a beleza que enobrece,
em resposta ao poder da tua prece,
bem maior do que o pouco que desejas.


Soberba 
Cleide Canton 

Não te iludas com as glórias da cobiça,
nem tem queimes em orgulho desmedido,
se o que cobras sobra em tantos, escondido,
dos que fazem da humildade uma premissa.

Não te isoles nesse claustro primitivo,
decorado com veludos desgastados,
se o que restará depois e esgotados,
só dirão que foste apenas ablativo.

Os alertas, em vermelho, desprezaste.
Dos conselhos o melhor tu recusaste
e só escutas o que diz teu egoísmo.

Deixa, pois, essa soberba que te enfeita, 
conceitos novos que tu usas sem receita
que condenam, sem piedade, ao ostracismo.


QUANDO O AMOR NÃO BASTA
Cleide Canton

Houve céu no cenário da ilusão,
luzes tantas na dança destemida,
que mal pode sufocar a emoção
sem rédeas, na seara proibida.
Quando o pouco seduz e alucina
e o sonho se perde numa esquina,
resta apenas a dor não dividida.

Mágoa oculta incomoda a covardia.
No degredo, os ensaios de lamento
vão marcar o voar d'alma vadia
nos espaços sem luz do firmamento.
Busca eterna, razões não encontradas,
longas pausas de pautas remendadas
que acordam novas rimas de momento.

Noutra esfera os encontros são precisos
e os acertos far-se-ão em harmonia.
Nada escapa!  Os amores são concisos
quando a noite é engolida pelo dia.
Longa espera... Vencido o julgamento.
Sorri a nau, liberta do tormento.
Vive, enfim, a mais bela fantasia!


Definições
Cleide Canton

Nos versos que desenhas tens a cor
de luzes que se fazem florescentes.
Acordam estes meus, antes dormentes
no berço da esperança, sem calor.

De pronto surgem frases ao sabor
dos ventos que assobiam negligentes,
entrando pelas frestas, vãos clementes
aos sonhos que renascem do torpor.

Importa o que de ti se faz constante
no canto que transborda, suscitante
de tantos outros versos cristalinos.

Herdaste de outras almas magistrais
a verve que as levou aos imortais
caminhos que selaram seus destinos.


Encontro em Sinfonia
Cleide Canton

São meus silêncios frutos de pensares,
notas vagas em pautas destemidas
como as flores das telas coloridas,
jogadas sem razão nos meus altares.

E me rendo ao ouvir os teus cantares,
ave presa sem rotas definidas,
buscando meus porquês nas outras vidas,
refém destas ondas dos teus mares.

Encanto que me prende, me fascina,
esboço de outro rumo dominante
na voz que me sugere e me domina.

Entrego-me ao torpor deste momento,
mulher enfim, vencida, eterna amante...
Das lágrimas, então, eu me aposento. 


Espelho Meu
Cleide Canton

Mulher feita, ou quase, como queiras,
debruçada em teus sonhos, fantasias,
foste em busca de perfeitas sintonias
com o mundo de alegrias passageiras.

Abraçada ao que achavas verdadeiro,
entre estrelas desfilavas confiante.
Não julgavas que o vôo, a cada instante,
fosse apenas um apelo feiticeiro.

E valsavas... Cada passo entrelaçado
entre as nuvens dos desejos escondidos,
eram contos por magias guarnecidos,
mas dormentes 'inda hoje, no passado.

Acordaste! Vês agora que a verdade
perambula, oscilante, em teus clamores,
que não fazem mais sentido nos amores
resguardados pelos laços da saudade.

Responde,
espelho meu:
Onde foi
que meu sonho
se escondeu?


Garatujas
Cleide Canton

Desdenho dessas telas diamantes
que teces com pincéis em nostalgia,
no rubro que transborda em euforia,
valsando sobre nuvens vacilantes.

Garatujas de parca fantasia,
sem detalhes, em cores contrastantes,
nascidas de lamentos mendicantes
em vozes que não buscam estesia.

Liberto de tais vícios, com certeza,
as linhas surgirão na realeza
que outrora já se viu em teu cantar.

Retalhos que se cosem, em dourado,
farão tempo presente o teu passado.
E luzes brotarão do teu olhar.


Sempre Flor
Cleide Canton

Sem pétalas despenca a velha flor
(final que a Lei Maior estabelece).
Sementes vão vingar ao sol que aquece
guardando o seu perfume e a mesma cor.

E cobre-se o jardim de tanto amor
se a chama de quem cuida não fenece
que em cada amanhecer surge uma prece
louvando a onipotência do Senhor.

Sou flor do meu jardim, bem resguardada
da poda que não houve, sou cuidada,
por mãos que não recusam atenções.

E quando eu for levada pelo vento,
talvez se cumpra, pleno, o meu intento,
gravando este perfume em corações.


Chão Minado
Cleide Canton

Atento olhar, debaixo das estrelas,
desvenda além, razões então prescritas,
que qualquer outro custa a percebê-las
num mesmo vão de vozes tão restritas.

E mais arruldos nascem na penumbra,
em berço são, embora já descrente.
Não fora a viga-mestra que deslumbra
mortal seria o bote da serpente.

Incautos vão os pés, seguem a trilha,
embora ainda dance na cartilha
aquele que se entrega, motivado.

Debalde são os meios, as divisas,
se fogem com temor das profetizas
a verem o amanhã de chão minado.


Cara ou Coroa
Cleide Canton

Perdidos sempre são os bons motivos
do desejo que tomba em desencantos,
dos olhos que se cruzam, mal cativos,
da lágrima, disfarce de mil prantos...

As certezas se fazem escondidas
nas poucas dores, quase indiferentes,
nas vãs esperas, longas, desmedidas,
ou nos encontros pálidos, ausentes.

Que é do futuro vago e indefinido,
do botão semi-aberto e colorido
que junto a tantos, vivo não destoa?

Que se esperar do amor hoje sem dono
se na omissão almeja cetro e trono
decididos na cara ou na coroa?


Canto Triste
Cleide Canton

Se tu soubesses quanto dói, ainda,
sentir o sonho náufrago e deserto,
o teu olhar que já não tenho perto,
todo o calor da tua voz tão linda...

O gosto amargo dessa tua ausência
no entardecer da vida que destoa
da sinfonia plena, e não perdoa
um tropeçar na falta de cadência...

Se tu soubesses... Sei que lutarias
contra Morpheu e certo vencerias
a força bruta que o roubou de mim.

Na escuridão, a lua ainda brilha
e acende o céu, deixando a tua trilha
onde me encaixo... E te verei no fim


Sinto Vergonha de Mim
Cleide Canton

Sinto vergonha de mim
por ter sido educadora de parte desse povo,
por ter batalhado sempre pela justiça,
por compactuar com a honestidade,
por primar pela verdade
e por ver este povo já chamado varonil
enveredar pelo caminho da desonra.

Sinto vergonha de mim
por ter feito parte de uma era
que lutou pela democracia,
pela liberdade de ser
e ter que entregar aos meus filhos,
simples e abominavelmente,
a derrota das virtudes pelos vícios,
a ausência da sensatez
no julgamento da verdade,
a negligência com a família,
célula-mater da sociedade,
a demasiada preocupação
com o "eu" feliz a qualquer custo,
buscando a tal "felicidade"
em caminhos eivados de desrespeito
para com o seu próximo.

Tenho vergonha de mim
pela passividade em ouvir,
sem despejar meu verbo,
a tantas desculpas ditadas
pelo orgulho e vaidade,
a tanta falta de humildade
para reconhecer um erro cometido,
a tantos "floreios" para justificar
atos criminosos,
a tanta relutância
em esquecer a antiga posição
de sempre "contestar",
voltar atrás
e mudar o futuro.

Tenho vergonha de mim
pois faço parte de um povo que não reconheço,
enveredando por caminhos
que não quero percorrer...

Tenho vergonha da minha impotência,
da minha falta de garra,
das minhas desilusões
e do meu cansaço.
Não tenho para onde ir
pois amo este meu chão,
vibro ao ouvir meu Hino
e jamais usei a minha Bandeira
para enxugar o meu suor
ou enrolar  meu corpo
na pecaminosa manifestação de nacionalidade.

Ao lado da vergonha de mim,
tenho tanta pena de ti,
povo brasileiro!

7 comentários:

  1. Cara poeta Cleide, grandiosos são os teus versos e em especial QUANDO O AMOR NÃO BASTA. Um abraço e muito sucesso na sua trilha poética. Raquel Nonatto.

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  2. Ao lado da vergonha de mim,
    tenho tanta pena de ti,
    povo brasileiro!
    CLEIDE CANTON, criaste uma verdadeira NAU para a consciência humana, tomara chegue onde precisa chegar! Aplausos pelo grande poema SINTO VERGONHA DE MIM.
    Abraços,
    Anna Lucia Feller

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    1. Querida Lúcia
      Obrigada pelas palavras carinhosas. Estou envaidecida por fazer parte deste espaço seleto entre tantas "estrelas".Quanto ao meu Sinto Vergonha de Mim ainda continua na rede como de autoria de Rui Barbosa, por mais que lutemos, desde 2006. Mas a satisfação em saber que o meu desabafo agradou supera qualquer vestígio de mágoa pelo erro de autoria.
      Abraços
      Cleide Canton

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  3. Cara Raquel
    Grata pelo carinho de suas palavras e perdoe-me a demora em lhe responder. Algumas vezes a vida fora da poesia nos cobra demais e,mesmo com tristeza, deixamos dormindo os sonhos que, muito em breve, despertarão.
    Abraços
    Cleide Canton

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  4. Como seu fiel e eterno admirador, preciso adir algo aqui?

    Redundante seria expressar em meras palavras o fascínio que desperta em cada linha que cria, minha cara Amiga.

    Um grande beijo em seu coração e parabéns à você e a este seleto rol de Estrelas que, neste espaço, geraram constelação tão luminosa.

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  5. Olá Cleide,

    Tenho deliciado-me com seus poemas que leio no Canto Cigano, reservei um tempinho hoje para vir descobrir um pouco mais sobre suas obras e sobre esta imensa riqueza de palavras e sentimentos que aqui foi reunida neste encontro de escritoras tão talentosas que produzem textos tão grandiosos e belos.

    Encantada com tudo o que li, parabenizo a você e a todos que nos presenteiam com tão bela literatura.

    Abraços

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  6. Querida poetisa Cleide Canton. Estive aqui no Blog “Expressão Mulher” e visitei a sua linda página. Parabéns pelas lindas obras que você oferece aos leitores internautas sedentos de boas leituras. Um forte abraço -Sardenberg

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